O que deu de Bonn e o que o Brasil precisa remar pra COP30 não dar ruim

Foto: Daniel Porcel/Instituto Talanoa

O Brasil tentou chegar adiantado a Bonn, propondo o dia zero para antever as conversas que estabeleceriam a agenda de negociação. Mas não deu bom. Nos primeiros dias da  62ª Sessão dos Órgãos Subsidiários (SB62) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), na Alemanha, o sentimento foi de lentidão e indisposição para chegar a acordos mínimos para pavimentar a pauta de Belém, em novembro. Dois tópicos dominaram o atraso: financiamento climático e apoio dos países desenvolvidos a países em desenvolvimento e medidas comerciais unilaterais relacionadas à mudança do clima, que acabaram ficando de fora. 

Adotada agenda, na hora de colocar os assuntos na mesa, os blocos globais se dividiram, acentuando diferenças históricas entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, mas também causando alguns dissabores entre pares. A Bolívia, por exemplo, aumentou as tensões nos trabalhos de Transição Justa ao falar em nome do LMPD (Grupo de Países em Desenvolvimento com Visões Semelhantes, ou, em inglês, Like Minded Developing Countries): bolivianos se uniram à Venezuela para defender a continuidade da exploração dos combustíveis fósseis como meio de garantia de segurança energética. 

Nos debates sobre o Objetivo Global de Adaptação (GGA), o acordo saiu, mas a que custo? E a que horas? Já eram mais de 23h na Alemanha quando o último texto deste SB foi alcançado e a plenária final já estava em curso. Na busca por simplificar e reduzir o volume de indicadores de adaptação – uma lista de quase 500 critérios – houve uma tensa discussão entre países em desenvolvimento e desenvolvidos sobre meios de implementação (MOI). Austrália, União Europeia e Japão travaram a decisão, atrasando o texto final. Já O Grupo Africano de Negociadores (AGN), o Grupo Árabe (AG) e a China se opuseram ao Grupo SUR (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai), União Europeia, Canadá e Reino Unido e conseguiram a retirada de um parágrafo que tratava justamente de “refletir considerações transversais relacionadas aos povos indígenas e comunidades locais, mulheres e meninas, pessoas de ascendência africana e outros desproporcionalmente afetados pelas mudanças climáticas, reconhecendo que a redução da vulnerabilidade é central para o objetivo global de adaptação”. O trecho acabou sendo eliminado do texto final sobre GGA. 

O acordo sobre objetivos globais de adaptação orientará o trabalho dos especialistas para refinamento dos indicadores até a COP30. A expectativa é reduzir o volume de métricas de 490 para 100 indicadores. O lado bom da coisa é que a decisão inclui a centralidade do financiamento para adaptação e do acesso e qualidade dos meios de implementação para o GGA. América Latina e Caribe insistem em uma agenda de adaptação centrada nas pessoas, nos ecossistemas e em um financiamento adequado; por isso, organizações da sociedade civil desta região emitiram um comunicado à imprensa se manifestando sobre os pontos mais sensíveis da agenda de adaptação.

“Apesar da hesitação política, os negociadores conseguiram aprovar decisões sobre a maioria dos itens da agenda, e houve avanços significativos em adaptação e transição justa. Ainda assim, os desafios mais profundos permanecem sem solução: não há um caminho claro para financiar a adaptação em larga escala, nenhum avanço decisivo na eliminação dos combustíveis fósseis e sinais preocupantes de que as metas para 2035 podem não ser compatíveis com o limite de 1,5°C. Belém precisa ser o lugar onde fechamos essa lacuna com coragem e justiça no centro”, analisou Natalie Unterstell, presidente da Talanoa.

Desafios para Brasil

O que ficou de fora em Bonn (Artigo 9.1 do Acordo de Paris, que trata do financiamento climático dos países mais desenvolvidos em benefício dos países em desenvolvimento) vai entrar na agenda de Belém e de que forma? Eis a questão. De que maneira antigos impasses sobre financiamento serão dissolvidos: tanto para que países ricos financiem o Sul Global, quanto para que haja mais ambição dos menos desenvolvidos, no sentido de buscar cumprir suas metas ainda que sem recursos do Norte Global? Qual será a postura diante do desafio já assumido de realizar a transição energética para longe dos combustíveis fósseis – que aliás, por pouco não foi retirado do texto final de Bonn?

“As negociações em Bonn confirmaram o que muitos temiam: ainda estamos longe de onde precisamos estar. Às vésperas da COP30 em Belém, precisamos ter lucidez: o mundo não precisa de mais desculpas, mas sim de liderança política, financiamento público e compromisso com entregas reais para os mais vulneráveis”, completou Natalie Unterstell. 

A presidência brasileira poderia estar preocupada em azeitar essas conversas para que o desfecho em novembro seja satisfatório, mas ainda teve de lidar com a polêmica que correu pelos corredores em Bonn. Brasil foi sistematicamente pressionado por questões logísticas e preço de hospedagem inflada em Belém que, segundo delegações dos outros países, inviabilizaria a participação dos signatários e ameaçaria – inclusive – a continuidade de Belém como sede da 30ª Conferência do Clima. A chefe da delegação brasileira, a embaixadora Liliam Chagas, o chefe de estratégia e alinhamento, Tulio Andrade, e o chefe de ação climática, Mário Mottin, conduziram uma Consulta nas preparatórias de Bonn.

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