Neste documento, a Política por Inteiro, que monitora desde 2019 atos e discursos na construção – ou desconstrução – da política climática brasileira, reúne e tece análises sobre o que de mais relevante aconteceu em 2023. Este balanço traz também perspectivas para os próximos anos, com atenção especial aos passos do Brasil até a COP30, em Belém. O termômetro subiu, a chapa esquentou.
Monitor de Atos Públicos
O trabalho de monitoramento e análise da Política por Inteiro encerrou 2023 com 662 normas captadas pelo monitor de atos públicos. Ou seja, de todos os milhares de atos publicados no Diário Oficial da União pelo governo federal, no primeiro ano do governo Lula, 662 incidem sobre a política climática, direta ou indiretamente. Todas estas normas foram analisadas e organizadas de acordo com classe, tema e ministério de origem.
Em 2023, a Regulação, ou seja, a instituição de novos planos, programas e procedimentos, esteve em primeiro lugar, seguido de Planejamento, considerada a fase anterior à regulação e que aponta para temas que serão atacados no próximo ano, incluindo a criação de Grupos de Trabalho, abertura de consultas públicas e instituição de conselhos e comitês.
Ainda que diversos ministérios tenham publicado normas consideradas relevantes para a agenda, a ação permaneceu bastante concentrada no Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e na Presidência da República, considerando que o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) e Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) ocupam lugar de destaque devido às normas ordinárias de respostas aos desastres e conflitos territoriais, e não como agente ativos na estruturação das política públicas.
Evolução das agendas
A metodologia de monitoramento da Política Por Inteiro incluiu, a partir de 2023, a classificação dos atos considerados relevantes em quatro agendas: mitigação, governança, adaptação e financiamento. O gráfico a seguir mostra que a agenda de governança foi a maior em números, refletindo as reformas institucionais necessárias em uma troca de direcionamento pela mudança de governo. Isso incluiu revisões e “cancelamentos” de atos da gestão anterior.
Na sequência, estão os atos relacionados à agenda de mitigação dos efeitos da mudança do clima, com dois picos bem marcados: o primeiro na semana do meio ambiente, no segundo trimestre, com destaque para a demarcação de terras indígenas, e outro já no final do quarto trimestre, devido à COP 28.
Os dados demonstram que a agenda de adaptação não esteve entre as prioridades do governo federal em 2023, pois ao longo do ano foram captadas 18 normas pontuais, ainda sem nenhuma decisão concreta e articulada.
Por outro lado, foram também captados 212 atos de reconhecimento de emergência por desastres, ocorridos em 2.066 municípios do país, por extremos climáticos e meteorológicos, refletindo a falta de adaptação climática e resiliência dos municípios frente à intensidade e frequência dos eventos recentes.
Por fim, o financiamento climático teve poucas, mas relevantes normas para destravar instrumentos como o Fundo Amazônia, tema de decreto já no primeiro dia de 2023. A partir dos atos infralegais orientadores, essa agenda avançou com iniciativas relevantes não necessariamente publicadas no Diário Oficial da União. Exemplos disso são a emissão de R$ 10 bilhões em títulos verdes pelo Tesouro Nacional em novembro, dinheiro que já entrou no Orçamento da União de 2024 na forma de autorização de gastos, e o desenvolvimento da Taxonomia Sustentável Brasileira.
Entender os sinais de 2023 para calibrar o olhar sobre o que virá adiante
Vem aí um 2024 de eleições municipais que importa para Brasília, que dorme e acorda pensando em 2026. Nesse sentido, calibrar a visão para 2024 com base nos sinais entregues em 2023 importa para a política climática nos sentidos macro e micro. No macro, pela progressão da ambição do país, pela implementação (e regulamentação!) de leis gerais, por decisões importantes para a atração de investimentos e de prestígio internacionais, e pela implementação das ferramentas de incentivo aos demais entes federativos, com ações alinhadas à emergência climática enfrentada pelo planeta. No micro, pela melhoria da capacidade de antevisão e resposta de estados e municípios a eventos climáticos, por medidas consistentes de transformação de cidades, com soluções baseadas na natureza e visando à adaptação, e, por fim, pela capacidade de mitigação de emissões nos setores que fazem a vida diária dos municípios: uso da terra, transportes, energia e resíduos sólidos.
Sob controle, temperatura amena
No entanto, a oposição impediu que a Medida Provisória de reestruturação da administração pública, editada por Lula, passasse ilesa. Ela até virou Lei, mas muita coisa ficou “fora de lugar” em relação ao esperado pelo governo. Foram os casos de:
- O Cadastro Ambiental Rural (CAR), instrumento-chave para o combate ao desmatamento, que foi para o “novo” Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI);
- A demarcação de terras indígenas, que diferentemente do esperado, não ficou com o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), e retornou ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP);
- Vinculação da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR), ainda que a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) tenha ficado sob a batuta do MMA.
O PPCDAm ressuscitou: após hiato de quatro anos, a quinta fase do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) foi lançada em junho, com 12 objetivos estratégicos, que se desdobram em 194 ações no atual período. Vale lembrar que, entre 2005 e 2012, esforços feitos a partir do PPCDAm foram responsáveis pela redução de até 83% do desmatamento (quando comparado à linha de base estabelecida). Um dos itens do “pacotaço de junho” do governo federal, a “ressuscitação” do PPCDAm no contexto de aumento do desmatamento e de queimadas na Amazônia nos últimos anos é absolutamente importante, tanto pelo gesto político quanto pela efetividade em direção ao controle do desmatamento. No entanto, como todo plano extenso e abrangente, o PPCDAm precisa ser acompanhado de perto por uma governança inclusiva e participativa, capaz de monitorar sua efetividade na ponta. Uma das metas de destaque é o compromisso de destinar 3 milhões de hectares de Unidades de Conservação (UCs) até 2027, o que pode colaborar decisivamente para a aterrissagem de políticas de recuperação de áreas degradadas e, ainda, de superação dos problemas de manejo e governabilidade nas chamadas Terras Públicas Não-Destinadas (TPND), áreas nas quais as taxas de desmatamento têm sido altas nos últimos anos. A quinta e atual fase do PPCDAm foi analisada pela Política por Inteiro. Para 2024, espera-se que o Plano seja capaz de articular-se aos planos estaduais e municipais de combate ao desmatamento, e que políticas de fomento que caminham paralelas ao PPCDAm tenham sua implementação acelerada – como é o caso do Proveg – e iniciem operação de imediato, assim que elaboradas, como no caso do Plano Nacional de Bioeconomia, em gestação. O sucesso do PPCDAm depende que o conjunto de políticas de comando e controle, ordenamento territorial, fomento à produção sustentável e incentivo a serviços ambientais funcionem de maneira orquestrada, sob pena de galope do desmatamento no decorrer desta década, tal qual o Brasil testemunhou na última.
Terras indígenas: Depois de quatro anos sem nem um centímetro de terra indígena (TI) demarcada, o primeiro ano do governo Lula realizou oito demarcações e mais duas ampliações de TIs já demarcadas anteriormente. Considerando o contexto anterior, as demarcações representam um importante avanço na garantia de proteção destes territórios, porém o governo federal não cumpriu a meta anunciada para 2023, de 14 processos de demarcação concluídos. As terras indígenas, muito além de sumidouros de carbono, guardam o modo de vida dos povos originários, sendo resistência ao desmatamento e guardiãs da biodiversidade. Por isso, é urgente imprimir um ritmo acelerado nas demarcações, especialmente em territórios extensos, localizados em áreas sensíveis de conflito territorial e que convivem constantemente com a violência das invasões.
Ainda na corrente de reconhecimento de direitos dos povos originários, o STF decidiu, por 9 votos a 2, que é inconstitucional a “tese do marco temporal” para demarcação e reconhecimento de terras indígenas no Brasil. Um dos assuntos de maior repercussão no Brasil em 2023, a decisão do STF levou o Executivo a publicar com vetos a Lei que regulamenta os direitos indígenas reconhecidos na Constituição. Alegando questões de segurança jurídica, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) manifestou, em nota, que trabalharia para derrubar os vetos do Executivo. E assim o fez, em dezembro, quando o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, republicou a lei sem os vetos de Lula. O tema se transformou num verdadeiro teste à harmonia entre os Poderes em 2023 e os embates seguirão a ecoar em 2024. Assim como comunidades tradicionais, os povos indígenas exercem papel fundamental na conservação de florestas, e exatamente por esse motivo, não bastassem as tensões com garimpeiros, desmatadores e grileiros, o ano de 2023 foi marcado por muito assédio de “caubóis do carbono” na Amazônia, com promessas de ganhos altos e fáceis pela venda do carbono, sem no entanto demonstrarem garantias e retorno justo aos povos da floresta, sejam eles indígenas, quilombolas ou tradicionais. Os Ministérios Públicos Federal (MPF) e Estadual do Pará (MPPA) chegaram a expedir uma nota técnica acerca da situação. Aliás, os governos amazônicos ainda caminham, de maneira heterogênea, na construção de seus sistemas jurisdicionais de REDD+, que terão o desafio de organizar e regular como o estado deverá se comportar diante da miríade de projetos, públicos ou privados.
Reconhecimentos de territórios quilombolas: O reconhecimento de territórios quilombolas está entre os 10 pontos para acelerar a descarbonização do Brasil. Em 2023, foram 61 Terras de Comunidades Remanescentes de Quilombos reconhecidas e declaradas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), em diversas regiões do Brasil, de acordo com o mapa abaixo.
Esta é apenas uma etapa do processo de titulação das terras, cada vez mais urgente, já que reduz a pressão sobre essas áreas e permite que a rota de descarbonização do Brasil não se descole da justiça climática.
PPCerrado também está de volta: na esteira da reativação de políticas públicas centrais para a redução das emissões brasileiras de gases de efeito estufa, em novembro o governo reativou o PPCerrado, lançando sua 4ª fase. Assim como o PPCDAm, o plano passou por um período de consulta pública. Em 2023, se de um lado a Amazônia apresentou redução das curvas de desmatamento e queimadas, por outro o Cerrado brasileiro sofreu com a escalada de alertas, que de setembro a dezembro de 2023, a cada mês, duplicou ou triplicou em relação ao mesmo mês do ano anterior, segundo dados do Inpe. Assim como o “irmão” amazônico, em 2024 o PPCerrado precisará demonstrar uma governança ativa para fazê-lo instrumento de inflexão da curva de tendência em desenho desde 2020.
Revisão da NDC: em setembro, durante a Cúpula da Ambição Climática na Semana do Clima de Nova York, a ministra Marina Silva anunciou a correção da NDC brasileira, devolvendo a ambição climática do Brasil aos níveis de 2015, quando submetida a primeira NDC do país. O Instituto Talanoa analisou tecnicamente os valores das metas apresentadas e constatou que o país de fato eliminou os “gracejos matemáticos” da era Bolsonaro, emitindo um importante sinal de seriedade e compromisso à comunidade internacional, recolocando o país em linha com um importante princípio do multilateralismo: o da vedação ao retrocesso (o chamado “no backsliding”). A declaração das metas em valores absolutos, não apenas em porcentagens, previne eventuais malabarismos matemáticos com alterações de valores-base. Em seguida, a Talanoa também teceu uma avaliação em detalhes da nova NDC e apresentou recomendações para novas atualizações de ambição com incremento de meta, especialmente a que o país deverá apresentar já em 2025, quando presidirá a COP30.
Destrave de recursos da compensação ambiental federal: a Câmara Federal de Compensação Ambiental (CCAF), órgão colegiado formado por MMA, Ibama e ICMBio para avaliar e destinar recursos financeiros decorrentes do licenciamento de empreendimentos de significativo impacto ambiental de alçada do Ibama, destinou para Unidades de Conservação da Natureza, entre agosto e novembro, R$ 390,8 milhões, montante em sua maioria proveniente de empreendimentos licenciados em favor da Petrobras. Trata-se de destinações relevantes, já que se transformam em investimentos e custeio para a criação de novas UCs e também a implementação das unidades já existentes. Todavia, ainda há, do ponto de vista federativo, a necessidade de aprimorar estas destinações, observando a lógica de Sistema Nacional (e não “Federal”) que é o SNUC, assim como o próprio Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA). A falta de uma visão sistêmica aplicada nas destinações deste tipo de recurso se torna evidente quando, de parte a parte, analistas e dirigentes de órgãos estaduais e federais fazem alegações na mesma linha: as destinações são pequenas para UCs estaduais e municipais porque estes entes, quando podem, também nada ou muito pouco destinam para as UCs federais, dizem analistas de ICMBio e Ibama, autarquias que compõem a CCAF. A mesma formulação é utilizada como resposta por representantes estaduais, como uma espécie de reciprocidade desfavorável à sustentabilidade financeira das áreas protegidas no Brasil. A previsão do Ibama é que outros R$ 330 milhões sejam destinados nas próximas reuniões, já em 2024.
O CMN entrou em ação… o Conselho Monetário Nacional (CMN), maior instância do sistema financeiro brasileiro, deu importante contribuição para a redução das emissões brasileiras. Em junho, editou a Resolução CMN nº 5.081/2023, que alterou o Manual de Crédito Rural e estabeleceu critérios mais firmes de acesso a financiamento bancário no Brasil. Para 2024, é esperado que essa medida agilize a redução de imóveis rurais com impasses no Cadastro Ambiental Rural (CAR), posto que a norma impede a concessão de créditos para imóveis rurais “que não estejam inscritos ou cuja inscrição se encontre cancelada ou suspensa” no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SICAR). Além disso, a norma também estabelece um filtro para desestimular a sobreposição de imóveis rurais a Unidades de Conservação incompatíveis com o aproveitamento econômico direto e com os respectivos planos de gestão (manejo), um antigo problema de “enxuga-gelo” da gestão pública, especialmente na Amazônia. Em agosto, o CMN ainda aprovou uma resolução que reestrutura as condições de financiamento com recursos do Fundo Clima. Esse movimento teve por objetivo alinhar o fundo às novas prioridades do governo federal na agenda climática e de transição ecológica, além de melhorar o quesito de sustentabilidade financeira do próprio fundo, frente aos investimentos necessários à política de transformação ecológica do governo, liderada pelo Ministério da Fazenda, em alinhamento com o MMA.
… E a CVM também! A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão vinculado ao Ministério da Fazenda, também não ficou atrás: em outubro anunciou que instituições financeiras operantes no Brasil devem elaborar e publicar relatórios anuais de ESG. Em 2024 e 2025, a publicação será voluntária, mas, para instituições de capital aberto, a partir de 2026 a publicação desses relatórios se torna obrigatória. Nos próximos anos, é esperado que a medida mostre “quem é quem” no mercado e dê visibilidade a práticas institucionais que caminhem em direção à sustentabilidade, mas principalmente gere condições para auditorias e análises de impacto da atuação institucional, a partir dos dados colocados em domínio público, evitando greenwashing. Os relatórios devem ser padronizados conforme determina o Board de Padrões de Sustentabilidade Internacional (ISSB), trazendo, dessa forma, condições de comparabilidade entre relatórios de diferentes instituições atuantes dentro e fora do Brasil.
Mercado de carbono: elencado pela Talanoa como um dos 10 pontos para a descarbonização do Brasil de 2023 a 2026, o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) foi aprovado pela Câmara, por meio do PL 2148/2015. Na prática, linhas gerais, a proposta estabelece limites de emissões para cada atividade, abaixo dos quais cada operador poderá transacionar ativos de sua redução, em mercado regulado, com operadores que não atinjam a redução esperada. O PL fixa ainda penalidades para infrações cometidas por operadores integrados ao SBCE, na expectativa de reduzir progressivamente as emissões do país pela indução de uma mudança comportamental nos processos de produção e consumo. Em 2024, o PL vai à apreciação no Senado Federal, onde são esperados aperfeiçoamentos ao texto da Câmara, que pode ser mais claro e conciso. Paira ainda uma incerteza sobre se o Senado se dedicará ao PL aprovado na Câmara, ou se reaproveitará o PL 412/22, de iniciativa do Senado – costurado pelo Executivo, o qual, na opinião dos especialistas da Talanoa, se apresentou como a melhor das propostas dos projetos dedicados a instituir um mercado regulado de carbono no Brasil. A matéria já havia sido discutida pelos senadores e enviada para os deputados. Porém, com a determinação de que o PL originário da Câmara encabeça o bloco de apensados, esta passa a ser a casa iniciadora, e o Senado a revisora. O mercado de carbono regulado brasileiro pode ser um diferencial na competitividade global, uma vez que grandes centros consumidores se movimentam em direção à taxação de carbono para produtos de importação, reduzindo a oneração de produtos nacionais menos carbono intensivos. Em junho, a Talanoa havia destacado sete motivos para que o Brasil tenha, o quanto antes, seu mercado regulado de carbono. O instituto também apresentou uma análise sobre o desenho institucional proposto para o SBCE e como aprimorá-lo.
Começou a subir, é preciso atenção
Novo PAC: o novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foi oficialmente lançado em agosto, com investimentos anunciados na casa de R$ 1,7 trilhão. À ocasião, o presidente Lula declarou que ali começava o seu governo, referindo-se a ter utilizado o primeiro semestre de seu mandato para “consertar o que havia desandado”. Apesar de o novo PAC ter como slogan “Desenvolvimento e Sustentabilidade” e buscar superar limitações infraestruturais em temas de importância inequívoca para o Brasil – como os subprogramas Água e Luz para Todos – e, segundo Lula, ter sido elaborado a partir de “muita conversa com governadores e prefeitos”, o PAC não é de todo animador quando o observamos sob as lentes da agenda climática. Isso porque há fortes contradições no programa, que, se de um lado traz o importante eixo de cidades sustentáveis e resilientes, com investimentos na casa dos R$ 610 bilhões (36% do total), por outro direciona mais de 1/5 (R$ 360 bilhões) de seus investimentos totais para o eixo de petróleo e gás, a fim de aumentar a exploração de fósseis, sob pretexto de “reduzir a dependência externa brasileira de combustíveis e derivados”. Como uma das maiores prioridades do governo, em 2024 e nos anos seguintes, o novo PAC inspira fortes alertas à sociedade. Afinal, investimentos que desencadeiem emissões na prática anulam investimentos para reduzi-las, fazendo com que o país perca tempo, dinheiro e reputação em uma década decisiva para o clima global. A Política por Inteiro analisou o novo PAC em detalhes e seguirá atenta.
Fundo Amazônia: após um período de dormência imposto pelo governo anterior, o Fundo Amazônia voltou a figurar como um dos instrumentos brasileiros para estimular a conservação do bioma amazônico e acelerar a descarbonização do país. Em julho, seu Comitê Orientador (COFA) se reuniu para aprovar diretrizes e critérios para a utilização de recursos aportados no fundo nos próximos dois anos e o Brasil exercitou sua diplomacia para prospectar, com êxito, mais três novos apoios internacionais oficiais: Suíça, EUA e União Europeia. Além disso, a Dinamarca está em processo e a Noruega, principal doadora da história do fundo, anunciou novo aporte, desta vez de R$ 250 milhões, durante a COP28, em dezembro. Após quatro anos sem novos projetos apoiados e valores repassados, em 2023, foram mais 5 projetos e R$ 108 milhões, totalizando historicamente 107 projetos e R$ 1,856 bilhão. Para ficar de olho em 2024 estão: a aceleração da operacionalização do fundo, sobretudo para o país otimizar resultados no período pré-COP30 e formulações de política que podem descredibilizar o Fundo Amazônia, a exemplo da proposta de investimento das obras da BR-319, rodovia amazônica que na Câmara recebeu “etiquetagem especial” para agilizar licenciamento, já no apagar das luzes de 2023. À parte o debate sobre a rodovia, fato é que o Fundo Amazônia não foi concebido para virar asfalto.
Arcabouço nacional para títulos soberanos sustentáveis: aprovado em agosto pelo Comitê de Finanças Soberanas Sustentáveis, o arcabouço estabelece o quadro conceitual de investimentos e obrigações a que o país se compromete, a partir da captação de recursos derivados da emissão de títulos soberanos. Esses títulos (bonds) são uma importante forma de atrair investimentos ao país, porque têm o diferencial de “amarrar” compromissos ambientais e sociais tanto por quem emite o título, quanto por quem o toma. Uma análise do arcabouço indica que o país está em linha com princípios adotados globalmente e é mais uma entrega – ainda que inicial – do Ministério da Fazenda. Há, ainda, um sinal político e diplomático no estabelecimento do arcabouço, já que as finanças verdes cresceram mais de 100 vezes na última década e o Brasil precisa se colocar “dentro da sala”, demonstrando que está pronto e ansioso para ancorá-las. Essa ancoragem deverá ter o protagonismo do Fundo Clima. Em novembro, às vésperas da COP 28, o Tesouro Nacional anunciou a captação de US$ 2 bilhões (cerca de R$ 10 bilhões) com a emissão dos títulos verdes no mercado internacional.
Desastres
No ano em que o El Niño e o colapso climático se encontraram, o Brasil conviveu com os desastres, nada naturais, quase que diariamente. Ciclones no Rio Grande do Sul, seca extrema na Amazônia, incêndios florestais no Pantanal, inundações e volumes de chuvas históricos em Minas Gerais e em toda a região Sul, recordes de seca no Nordeste e temporais no Sudeste causaram muitas tragédias, sempre evidenciando as desigualdades sociais e a falta de uma política de prevenção, gestão e resposta aos desastres, algumas vezes com os próprios gestores passando recibo de apatia e “mais do mesmo” para um problema que se impõe com cada vez mais força e frequência.
Em 2023, foram publicados pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil 2.836 reconhecimentos de emergência por desastres, causados por eventos meteorológicos extremos, atingindo 2.066 municípios, o equivalente a 38% de todo o Brasil. Seguindo a tendência já observada no ano de 2022, em que foram registrados 3.286 reconhecimentos, 2023 foi o segundo ano consecutivo com desastres acima da média (2.219) da série histórica do monitor de desastres, que teve início em 2002. O número de tempestades ocorridas em 2023 ocupou o 2º lugar no ranking, ficando atrás apenas de 2022, sendo 195% superior à média histórica. O Nordeste foi a região mais atingida, registrando 1.069 ocorrências, das quais 795 resultantes de estiagem. A região Sul ficou em 2º lugar, com 935 eventos registrados, dos quais 495 foram referentes a chuvas intensas e tempestades.
Esquentou… todo o cuidado é pouco
Pesquisas para a exploração de petróleo na Foz do rio Amazonas: o assunto tomou repercussão nacional em maio, quando o Ibama anunciou o indeferimento da licença ambiental para o desenvolvimento de pesquisas do Bloco FZA-M-59, que visam a subsidiar a exploração de petróleo em uma extensa região da costa brasileira, abrangida pela Foz do Rio Amazonas. Em agosto, a Advocacia-Geral da União (AGU) emitiu parecer em que fundamentou não ser necessário o cumprimento de um item importante que o Ibama havia defendido, e que foi apenas uma das “inconsistências técnicas” que justificaram o indeferimento da licença, no primeiro semestre: a apresentação de uma Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS), por parte da Petrobras. Trata-se de um assunto que merece atenção em 2024 e nos próximos anos, já que a posição da AGU fragiliza a autonomia do Órgão Licenciador, e demonstra com clareza o “cabo de guerra” existente dentro do próprio governo, no qual de um lado estão MMA e Ibama, e de outro Ministério de Minas e Energia e Petrobras. No ínterim, foi intensa a movimentação de parlamentares de estados amazônicos envolvidos, como Randolfe Rodrigues (Amapá), além de governadores, como Helder Barbalho (Pará).
Ainda sobre o petróleo, no segundo semestre, Lula sinalizou positivamente à entrada do Brasil na OPEP+, alegando ser esta uma oportunidade para exercer convencimento junto a países petroleiros. Este movimento geopolítico soa contraditório e pouco explicado o suficiente para ter rendido ao Brasil um Fóssil do Dia durante a COP 28. Atenção redobrada no caminho até a COP 30, em Belém.
Plano de Transformação Ecológica: O Plano de Transformação Ecológica (PTE) consiste num conjunto de iniciativas agrupadas em 6 grandes eixos, que buscam superar limitações estruturais em diferentes setores – com destaque para a indústria – e colocar o país em linha com os pressupostos de Economia Verde e condições para ampliar a inclusão social. No entanto, da forma como foi publicizado até o momento, há lacunas elementares de política pública: diagnóstico, ações específicas por eixo/programa, o “como fazer”, definição de metas claras, orçamentarização, indicadores e cenários de impacto sobre emissões. Embora seja compreensível quando o governo afirma tratar-se de um “plano dinâmico”, que se molda às circunstâncias, a análise do plano sugere que, até aqui, o PTE é mais um gesto político e um quadro referencial do que uma política econômica conectada à agenda climática.
Novas Unidades de Conservação: O Cadastro Nacional aponta que somente nove Unidades de Conservação foram criadas em 2023, sendo três municipais, três privadas, duas federais e apenas uma estadual. Das federais, apenas o Parque Nacional (Parna) Serra do Teixeira (PB) e a Floresta Nacional (Flona) de Parima (RR). É verdade que há esforços também para a ampliação de UCs, como são os casos da Resex Chocoaré-Mato Grosso (PA), o Parna do Viruá e a Esec do Maracá (ambas em RR). Mas o apetite, no geral, ficou aquém do esperado. E analisar esse apetite governamental para a criação de Unidades de Conservação é importante para a agenda climática por dois motivos: o primeiro é a política nacional de áreas protegidas ser sabidamente um instrumento eficaz para a contenção das emissões por desmatamento e degradação florestal, dadas as regras especiais de uso desses espaços, a fiscalização pelos órgãos gestores e a participação social na implementação da unidade; o segundo motivo é o potencial de remoção de carbono das UCs brasileiras, que conforme indica estudo de Unterstell & La Rovere (2021), pode representar até 423 MtonCO2eq, ou seja, 57% de um total de 747 MtonCO2eq de estimativa-pico até 2030, considerando todas as possíveis classes de remoção.
Para 2024, o desafio da implementação de UCs segue implacável, já que a experiência prática de órgãos gestores e uma auditoria do TCU demonstram que, na Amazônia, por exemplo, em que pese esforços como os do ARPA, mais de 50% das UCs estão em níveis abaixo da metade da régua de implementação, que leva em conta critérios como planos de gestão, infraestrutura física, manejo comunitário e uso público adequados, pesquisa científica, sustentabilidade financeira para administração mínima, entre outros. Redução do desmatamento nessas áreas significa menor emissão e maior chance de o Brasil cumprir sua NDC. Importante pontuar o papel dos estados, que merecem cobranças, sobretudo os de Amazônia e Cerrado. Isso porque o protagonismo de governadores desses biomas na agenda ambiental – adquirido nos anos de Bolsonaro – não se converteu em apetite para a criação de novas áreas. Ao contrário, multiplicaram-se processos de redução ou de recategorização das UCs existentes. Grande parte dos governadores da Amazônia Legal se reelegeu em 2022, ou já integrava o governo anterior, o que significa tempo suficiente para o amadurecimento de uma agenda séria para áreas protegidas. Um filtro do CNUC reforça o ponto: com exceção de uma única UC paraense, simplesmente não há registros de criação de UCs estaduais em toda a Amazônia Legal em 2023. É grave.
O Pará, por exemplo, criou apenas duas UCs em 5 anos do mesmo governo até aqui, o que revela um indicador ruim (1 UC ou 62 mil hectares a cada 2,5 anos, mesmo com pelo menos 7,2 milhões de hectares em terras públicas não-destinadas) para um estado que se apresenta como liderança regional em matéria de clima. É muito pouco.
Minerais críticos: a mineração estratégica – assim chamada por tratar de metais importantes para o desenvolvimento tecnológico do país, como lítio, nióbio, silício, tungstênio – está presente no PAC, assim como no Eixo 2 do Plano Plurianual (PPA), porém não se tem clara a estratégia que o governo busca implementar. O “Pró Minerais Estratégicos”, programa criado em 2022 no Governo Bolsonaro, ainda está de pé, assim como a listagem dos minerais essenciais para a economia do país, incluindo aqueles que se encontram em regiões de grande sensibilidade socioambiental, como terras indígenas e unidades de conservação na região amazônica. Para a agenda climática será essencial conciliar uma estratégia de aproveitamento da capacidade desses minerais (importantes, aliás, para a nova industrialização brasileira) à proteção de ecossistemas e da biodiversidade do país. Com tecnologia e inteligência aplicada, há caminhos para fazer essa conciliação, mas os formatos tradicionais de exploração não estão entre eles.
Plano AMAS: criado por decreto em julho, o ‘Plano Amazônia: Segurança e Soberania” é uma resposta institucional do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) que surge a partir da concepção de que a questão ambiental deve ser enfrentada de maneira conjugada para o combate ao crime organizado, em especial o narcotráfico e os chamados narcogarimpos. Em novembro, como forma de melhorar a relação interfederativa, o MJSP abriu o Plano AMAS para adesão voluntária de estados da região. Acre, Amapá, Amazonas e Pará já aderiram ao plano. No entanto, não há resultados concretos publicizados e muito pouco se sabe sobre seu andamento. Para 2024, é importante que a coordenação dê transparência aos primeiros resultados do plano, até porque a ele foram destinados cerca de R$ 2 bilhões iniciais em 2023, via Fundo Amazônia. É natural que, tendo componentes de comando (fiscalização) e de inteligência (prévia às operações) um plano dessa natureza seja mais discreto. Todavia, os resultados já alcançados podem ser tornados de fácil acesso à sociedade, e não devem se resumir a meras notícias esparsas sobre “fiscalização”. No site do MJSP, por exemplo, um filtro de agosto a novembro exibe apenas cinco notícias relacionadas ao plano, todas sobre investimentos, nenhuma sobre resultados. Diferentemente do que fez a Casa Civil, com o PAC, o MJSP sequer mantém uma página específica com conteúdo dedicada ao AMAS. O plano pode ser uma excelente alternativa para ajudar a reduzir emissões provenientes de desmatamento e degradação florestal.
Agrotóxicos: Ainda no apagar das luzes de 2023, o Governo Lula sancionou com vetos a chamada Lei nº 14.785, chamada de Lei Geral dos Agrotóxicos. Entre os vetos está a exclusão de dispositivo que afastava a Anvisa e o Ibama de atividades de fiscalização, em prestígio exclusivo ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Considerada uma das principais fontes de emissão mundiais, o consumo de proteína animal só poderá ser substituído se a população sentir confiança em fontes alimentares vegetais, o que depende, entre outros fatores, de alimentos com menor carga de químicos, do solo à mesa.
Adaptação: O MIDR estabeleceu novos procedimentos para o envio de alertas à população sobre a possibilidade de ocorrência de desastres e, via lei, o Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil (Funcap) passou a receber aportes oriundos do pagamento de multas por crimes e infrações ambientais. Também via lei, a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil foi alterada, incorporando conceitos importantes na perspectiva de adaptação climática e a classificação de desastre natural, foi substituída sendo agora tratada apenas como desastre. Para 2024, são esperadas a conclusão do GTT adaptação, responsável pela atualização do Plano Clima, assim como a versão consolidada do Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil, potencialmente estruturando uma agenda articulada e transversal.
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