As possíveis tramitações do Mercado Regulado de Carbono

Governar significa fazer escolhas. Estabelecer um mercado regulado de carbono como instrumento para o cumprimento das metas brasileiras de redução de emissão é uma das escolhas – acertada e necessária – que a atual gestão federal fez e anuncia aos quatro ventos. A articulação política no processo legislativo para a normatização do Mercado de Carbono Regulado (ou Mercado Brasileiro de Redução de Emissões – MBRE) no Brasil exigirá mais escolhas. O Governo Federal está resumidamente diante de três caminhos para enviar o Projeto de Lei ao Congresso Nacional: a) por Medida Provisória (MPV); b) por Projeto de Lei Ordinário do Poder Executivo (PL); c) pelo Substitutivo ao PL nº 412/22.

Quais são os prós, contras e desafios de cada um desses caminhos? E qual tem se apontado como aquele que dará mais chances de o Brasil ter, até o fim do ano – a tempo da COP 28, uma lei para iniciar o estabelecimento do MBRE?

  • Medida Provisória (MPV)

As MPVs (ou MPs, abreviação mais comum) são normas jurídicas com status de lei editadas pelo Presidente da República. Criadas para solucionar situações de relevância e urgência, produzem efeitos jurídicos imediatos. Todavia, a MPV precisa da posterior apreciação pelas Casas do Congresso Nacional para se converter definitivamente em lei ordinária.

O prazo de vigência das MPV é de 120 dias (60 dias prorrogáveis por igual período), sendo prorrogado por igual período caso não sejam concluídas as votações na Câmara e no Senado. É comum as MPVs trancarem a pauta da Casa em que estiverem tramitando, já que, passados os iniciais 45 dias a partir da publicação, instaura-se regime de urgência. 

A edição da MPV, nessas condições, resgata ao imaginário políticas palacianas, sem a devida regionalização e aterramento na realidade socioeconômica. À mesma vez, o Governo perde a oportunidade de construir capacidades de debates climáticos e imaginários propositivos junto à sua base de apoio no Poder Legislativo. 

Ainda que as mudanças climáticas exijam urgência de políticas públicas de enfrentamento, mitigação e adaptação, instaurar modelos de mercados na rubrica unilateral do Presidente não percebe lógica política ou adensamento democrático no processo. Não raro, MPVs com essas características são esparsamente aprovadas e desgastam o capital político do governo de forma desnecessária. Some-se que a edição de instrumento jurídico transitório para a construção de mercado de longo prazo afasta investidores em razão da escassa segurança jurídica percebida. Sabota-se o esforço por erro de estratégia. 

Pontos positivos: 

  • Uma MPV tem eficácia imediata quanto aos efeitos jurídicos. Isto é, o Mercado Regulado de Carbono passaria a existir imediatamente e todos seus ditames seriam mandatórios. 


Pontos negativos:

  • Não raro as MPVs são compreendidas como um poder legislativo presidencial com verniz absolutista. A parcimônia no uso do instrumento dita a leitura da intenção presidencial.
  • Sendo o Mercado Regulado de Carbono instrumento economy-wide para descarbonizar a produção de bens, enquanto promove ganhos de competitividade, o usufruto do instrumento legal sem a devida construção mútua com a Sociedade Civil Organizada, com os povos afetados pelos eventos climáticos extremos ou sem o mínimo tato com o setor produtivo impetra no ordenamento jurídico federal tons de rasa democratização do processo de transição à nova economia.  
  • Mesmo que tenha efeitos imediatos, trata-se de um instrumento jurídico transitório, o que não atrai investidores em razão da escassa  segurança jurídica percebida. 


  • Projeto de Lei de Iniciativa do Poder Executivo (PL): 

Os PLs são um tipo de proposta normativa submetida à deliberação de algum órgão legislativo, em vasta maioria objetivam tutelar bens jurídicos, incentivar comportamentos socialmente construtivos ou modificar comportamentos socialmente negativos. No caso específico do Mercado de Carbono Regulado, não se percebe iniciativa privativa do Presidente da República. Portanto, o envio por parte do Poder Executivo é de âmbito discricionário. 

O esforço pela concordância no projeto consumirá mais tempo e café dos gabinetes aliados. Tempo é um luxo que a Sociedade Internacional não oferece a Lula. Promovendo sua política externa ativa e altiva, cobrando incansavelmente o prometido financiamento dos países do Norte Global, e exercendo paying master functions na Declaração de Belém é esperado do Governo Federal a apresentação do Mercado de Carbono Regulado no Brasil, devidamente legislado, na COP 28, em 30 de novembro de 2023. 

Para além do tempo, há outra sinalização negativa com o envio por PL: a desconsideração dos esforços legislativos. O Parlamento brasileiro demonstra tentativas de regular o Mercado de Carbono desde há muito. Naturalmente, distante do corpo técnico de servidores públicos e com horizontes de futuros distintos, não raro se nota desencontros entre o texto aprovado e as necessidades materiais prementes da realidade. Então, no caso do Poder Executivo eleger a estratégia de envio de um novo PL ao Parlamento, perde-se a oportunidade de estreitar laços e fazer valer o conhecimento parlamentar desenvolvido e as opiniões públicas ouvidas, por intermédio de Audiências Públicas.

Sabe-se que a Esplanada dos Ministérios investiu tempo, servidores e lideranças políticas na escritura da versão a ser encaminhada ao Legislativo. Em adendo, a criação do Órgão Regulador deverá vir sob a rubrica da iniciativa presidencial. Quiçá, por consequência, seja compreensível o ensejo de carimbar o próprio mérito enviando o PL de iniciativa presidencial – entretanto, em um Governo de reconstrução com esforços notórios de aproximar-se do Congresso Nacional, optar pelo ensimesmamento pode custar aproximações políticas caras demais.  

Pontos positivos: 

  • Ganho político do envio ao Congresso por esse instrumento, mostrando a capacidade do presidente de solucionar problemáticas relativas à governança do mercado. Refiro-me ao Órgão Regulador do Mercado Regulado de Carbono, cujo, idealmente, servirá a credenciar metodologias de captura de carbono; dirimir as alocações de tetos de emissão; e normatizar os aspectos infralegais. Em razão do texto constitucional, é competência privativa do Presidente dispor sobre: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; e b) prover e extinguir os cargos públicos federais, na forma da Lei. Logo, seja por rearranjo de funções, cargos e competências existentes ou por criação de novas, exige-se a rubrica presidencial. Ou seja, a proposição de um PL por membro do Poder Legislativo careceria de vício de iniciativa caso abarcasse o tema em mérito. 


Pontos negativos:

  • O envio de Projeto de Lei Ordinária deve ser iniciado pela Câmara dos Deputados, onde o Planalto conta com maior número de objetores. 
  • Será exigido mais tempo e esforço de articulação do Executivo com o Congresso.


  • Substitutivo ao PL nº 412/22: 

Em ambas as Casas do Congresso Nacional, há projetos que almejam normatizar a construção do Mercado Regulado de Carbono Brasileiro. Entre eles, o Projeto de Lei nº 412/22, relatoriado pela senadora Leila Barros (PDT-DF), presidente da Comissão de Meio Ambiente (CMA). Sabe-se que o Governo Federal considera acordar o substitutivo ao PL nº 412/22, consideradas as contribuições recolhidas no extenso ciclo de Audiências Públicas encabeçadas pela própria senadora. 

Mesmo a tramitação relativamente tranquila que se espera no Senado forçará a senadora Leila Barros e os articuladores do partido do presidente a trabalharem em conjunto. Por essa simples necessidade, o projeto transmuta-se em um projeto da base aliada, não de Lula. 

Em caso de confirmação da estratégia, a relatora apresentará seu substitutivo – cujo texto é o costurado em consenso com o Poder Executivo – à CMA,  a qual provavelmente o aprovará pelo mapeamento realizado pelo Instituto Talanoa. Visto o mérito conclusivo da tramitação no Senado, não será necessária a aprovação no Plenário e a proposta seguirá à Câmara dos Deputados, a Casa Revisora nesse caso. Uma vez na Câmara, o Projeto será despachado às Comissões de Mérito. Caso o texto seja aprovado sem alterações, será encaminhado à sanção presidencial. Tramitado à Câmara, em seu natural rito de tramitação, esperam-se maiores empecilhos do que no Senado. Todavia, feitos os devidos esclarecimentos com os partidos no Senado e densamente envolvendo a base aliada no processo, a concertação na Câmara tende à facilidade. 

Pontos positivos: 

  • O PL 412/2022 está em fase avançada de tramitação e é reconhecido por estrategistas políticos como uma das formas “ganha-ganha” de avançar a legislação.
  • O texto do que seria o substitutivo foi elaborado com ampla participação na Esplanada, circulando por: Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC); do Ministério do Meio Ambiente e de Mudanças Climáticas (MMA); do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa); e do Ministério de Relações Exteriores (MRE).
  • Colocando o PDT no centro da articulação, no Senado, o Planalto expande a capacidade de espraiamento de informações e de diálogo. Adensa-se a sincronia e a aproximação com a base aliada no Senado. 


Pontos negativos:

  • Ao envolver articuladores externos à influência direta do PT, facilita-se a possibilidade de perda de controle de conveniência pelo núcleo palaciano.
  • Possíveis divergências em outras pautas (Arcabouço Fiscal/Reforma Tributária, novo PAC, eólicas offshore etc) podem ser transferidas para as negociações do PL do Mercado de Carbono, estropeando o azeitamento do processo. 


Conclusão

As assessorias parlamentares do Legislativo e do Executivo terão muita sola de sapato a gastar no segundo semestre. Simultaneamente à tramitação da Regulação do Mercado de Carbono no Congresso, estarão em voga o Arcabouço Fiscal, itens precípuos da Reforma Tributária, o Novo Programa de Aceleração do Crescimento, e a questão das eólicas offshore. Ora, nos sete meses em que Lula governa, não houve tamanho momentum de concertação e necessidade de sincronia na base aliada do Governo.

Mas governar é escolher, e escolher significa assumir riscos. O Executivo, até o presente momento, soube mitigá-los com alguma diplomacia. O fez em 8 de janeiro, o fez com as idas e vindas de Zelensky, o fez com a própria Reforma Tributária. No tocante ao Carbono, escolherá o controle aparente da técnica legislativa – cujo melhor caminho que se desenha é atuar pelo Substitutivo do PL 412/2022, na CMA do Senado, ou acionará a articulação da Frente Ampla?

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