Análise mensal – Maio 2023

Ter a caneta na mão não basta. Apesar de terem saído mais  atos infralegais (decretos, portarias, instruções normativas e outros) editados pelos órgãos do governo federal favoráveis à agenda socioambiental e climática, o saldo de maio é de ponteiros atrasados no processo de descarbonização da economia brasileira. Os desgastes com o Congresso mostraram que pautas sobretudo relacionadas à política indígena e florestas e uso da terra seguem  sob as velhas concertações, que ignoram a emergência climática e o papel fundamental do componente fundiário nas reduções das emissões de gases do efeito estufa no Brasil e na transição para zero emissões na metade do século. Em maio, dos 41 atos captados pelo Monitor de atos Públicos da Política Por Inteiro, 16 se referem à agenda de adaptação ou ao déficit dela, já que se tratam em sua maioria de normas de reconhecimento federal de situação de emergência ou calamidade nos municípios. Outras 13 medidas mexeram na governança dedicada às questões climáticas, como o decreto que instituiu o Comitê de Finanças Sustentáveis Soberanas; 10 se relacionaram à agenda de mitigação e, por fim, 2 à de financiamento. Sobre o potencial para acelerar ou retardar a nossa descarbonização, foram 15 atos com possíveis efeitos positivos e 2 negativos. Mais da metade dessas normas foi editada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) ou pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI).  
  Apesar das normas que fizeram pender os ponteiros das agendas para a descarbonização, como mostra o Painel das Agendas, que estreamos nesta análise mensal, o contexto político geral e as pressões sobre o Executivo no Congresso fizeram de maio um mês de retrocessos nas políticas socioambientais e climáticas.
 
governanca

Governança climática [“Governança”]

desmatamento

Desmatamento [“Governança”] [“Mitigação”]

precificacao-das-emissoes

Precificação das emissões [“Governança”] [“Mitigação”] [“Financiamento”]

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Indústria/Mobilidade urbana [“Mitigação”] [“Financiamento”]

energia

Energia [“Governança”] [“Mitigação”]

orcamento

Orçamento
[“Financiamento”]

agricultura

Agropecuária
[“Mitigação”]

nota metodológica

Dada a transição do governo federal, a metodologia da POLÍTICA POR INTEIRO passou por uma revisão, na qual foram reformulados temas e classes e inserido mais um nível de sistematização das normas captadas no Diário Oficial da União, relacionado especificamente às agendas de mudança do clima. A partir de agora, os Balanços Mensais contarão com identificações (tags) para cada agenda do clima da qual pertencem as análises.

  • “Mitigação”
  • “Governança”
  • “Financiamento”

Organização dos ministérios
A reestruturação da Administração Pública Federal realizada por Lula via Medida Provisória (MP) 1.154 foi finalmente votada, no limite do prazo de expiração. Na Câmara dos Deputados, o presidente Arthur Lira fez duras críticas ao Governo Federal, especialmente à falta de coordenação política entre Lula e o Legislativo. A aprovação no Congresso foi comemorada pela base governista, ressaltando-se a manutenção dos 37 ministérios. Porém, as alterações incluídas na Câmara a partir do relatório do deputado Isnaldo Bulhões (MDB/AL), e mantidas no Senado, diante da impossibilidade prática de qualquer nova alteração, retiraram competências do MMA e do MPI. O Cadastro Ambiental Rural (CAR), instrumento relevante para o combate ao desmatamento, foi do MMA para o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. A política nacional de recursos hídricos, juntamente com a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), também deixou o MMA para o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MDR). E o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) perdeu a competência de demarcar terras indígenas (que retornou ao Ministério da Justiça). A matéria aguarda sanção do presidente Lula. Não há, até o momento, sinalização de que Lula venha vetar algum desses dispositivos.
[“Governança”]

CONAMA

Na primeira reunião do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) na nova gestão Lula, entidades ambientalistas destacaram que o colegiado carece de paridade. A composição deve ser revista, uma vez que o STF decidiu pela inconstitucionalidade das alterações promovidas na gestão Bolsonaro.
[“Governança”]

ICMBio

A Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, anunciou o novo presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, Mauro Pires. A escolha se deu por meio da lista tríplice formulada pelo Comitê de Busca, instituído em fevereiro.
[“Governança”]

Acordo de Escazú

Foi encaminhado pelo Presidente da República ao Congresso Nacional o texto do Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe, conhecido como Acordo de Escazú. Ele é uma iniciativa da ONU, capitaneada pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL).

Formulado em 2018, o tratado tem como principal objetivo garantir o acesso à informação ambiental, ampliando assim a participação pública nos processos de tomada de decisões e o acesso à justiça em questões ambientais. Em março deste ano, organizações da sociedade civil enviaram uma carta ao Itamaraty e mais nove ministérios destacando que ratificar o Acordo de Escazú sinaliza a disposição do Brasil de cooperar regionalmente para a proteção do meio ambiente e de defensores e defensoras ambientais.
[“Governança”]

NDC

O pleito de correção e aumento de ambição da NDC brasileira continua em aberto. Houve reunião entre o MMA e jovens que são autores de uma das ações judiciais que questiona a chamada “pedalada climática” (artifício utilizado pelo último governo para alterar o cálculo das metas brasileiras e, assim, trazer a aparência de maior ambição nacional quanto à redução das emissões de gases de efeito estufa quando, na verdade, possibilitou-se mais emissões em valores absolutos – confira nosso material sobre o tema). No Dia Mundial do Meio Ambiente, já no mês de junho, Lula afirmou que a NDC será mesmo revista. O prazo para que a atualização seja incluída no relatório da COP 28, deste ano, é exíguo: o país tem três meses para formular, com transparência e participação, uma nova NDC ambiciosa.
[“Governança”]

Em queda
Após um primeiro trimestre devastador, o segundo pior da série histórica – perdendo apenas para 2022, os dados de alertas do DETER indicam uma queda expressiva no desmatamento da Amazônia nos meses de abril e maio. A agenda de combate ao desmatamento do governo ainda não está em pleno curso, visto que o PPCDAm passou por consulta pública e sua versão final foi apresentada somente no Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho).
[“Mitigação”]



Marco temporal
Em mais um sinal da ofensiva da Câmara sobre a agenda socioambiental e climática, os deputados aprovaram o Projeto de Lei (PL) 490/2007, que estabelece o chamado “marco temporal”, segundo o qual são terras indígenas tradicionais passíveis de demarcação aquelas ocupadas pelos povos indígenas até a data da promulgação da Constituição Federal, ou seja, 05/10/1988. A proposta está agora no Senado Federal, onde seu presidente, Rodrigo Pacheco, afirma não ter pressa para analisá-la. Pacheco recebeu a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, que escreveu no seu twitter: “Em reunião o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, se comprometeu em reanalisar a constitucionalidade do PL 490 e a conduzir a tramitação com a devida escuta aos povos indígenas, ouvindo ambos os lados e as comissões. Essa é uma importante conquista  dos direitos indígenas.” Antes do Senado, caminhará, provavelmente, a análise da matéria no Supremo. O julgamento de uma ação sobre o tema (Recurso Extraordinário 1017365), com repercussão geral (ou seja, a sentença direcionará todos os processos sobre o tema na Corte), está na pauta da primeira semana de junho. 
[“Mitigação”]

Terras Indígenas: Em edição extra, no final do mês de abril e conforme havia se comprometido no acampamento Terra Livre – ATL , o presidente Lula oficializou a demarcação de 5 Terras Indígenas (TIs), sendo elas: Arara do Rio Amônia em Marechal Thaumaturgo, Acre,  Rio dos Índios em Vicente Dutra, no Rio Grande do Sul, Tremembé da Barra do Mundaú em Itapipoca no Ceará, Uneiuxi em  Santa Isabel do Rio Negro e Japurá, no Amazonas, Avá-Canoeiro em Minaçu e Colinas do Sul, em Goiás e Kariri-Xocó em Porto Real do Colégio e São Braz em Alagoas.

A área total demarcada é de 609.351,29 hectares. A expansão das áreas protegidas, incluindo terras indígenas e unidades de conservação, é peça chave para a descarbonização e aliada na promoção da justiça climática. No entanto, o ritmo precisa acelerar: é necessário expandir 17 milhões de hectares até 2030.

Além destes atos de demarcação do mês de abril, em maio foram publicados dois despachos decisórios de reconhecimento dos estudos de identificação e delimitação da Terra Indígena Krenak de Sete Salões, de ocupação tradicional do povo indígena Krenak (MG) e da Terra Indígena Sawre Ba’pim, de ocupação tradicional do povo indígena Munduruku (PA).
[“Mitigação”]

Reconhecimento e Titulação quilombola: Em maio cinco normas reconheceram terras remanescentes de quilombos, os seguintes quilombos foram titulados,. A proteção destes territórios é um instrumento importante de justiça climática e abre espaço para ferramentas de mitigação.
[“Mitigação”]

Mata Atlântica
Outra frente de ataque do Congresso foi a MP 1.150, que recebeu “jabutis” (propostas que não têm relação com o objeto da norma em análise, mas que foram inseridos por parlamentares) que reduziram a proteção da Mata Atlântica. Após comprometer-se com a ministra Marina Silva de que vetaria os trechos na sanção, Lula o fez também no dia 5 de junho. O tema está igualmente no STF: uma ação discute a prevalência (ou não) do Código Florestal sobre a Lei da Mata Atlântica, a qual está em pauta para ser julgada no mês de junho.
[“Governança”]

Plano Nacional Anual de Proteção Ambiental: O anexo do Plano foi alterado para inclusão de ações de fiscalizações e inteligência ambiental assim como previsão de equipes para compor grupo de combate ao desmatamento ilegal na Amazônia. Investir na fiscalização é um importante instrumento para cumprimento da meta de zerar o desmatamento até 2030.
[“Mitigação”]

À espera

Com a recriação do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), outro decreto assinado por Lula no Dia Mundial do Meio Ambiente, já em junho, o Executivo deve acertar os detalhes para o envio do novo projeto de lei para a regulação do mercado brasileiro de carbono.
[“Mitigação”] [“Financiamento”]

Concessões florestais

Sancionada com apenas um veto, a Lei que altera regras da lei de gestão de florestas públicas por concessão, permitindo a exploração de atividades não madeireiras e a comercialização de créditos de carbono de forma mais ampla.
[“Governança”] [“Mitigação”] [“Financiamento”]

Sem ousadia
Seguimos sem um plano de eletrificação da frota com metas de transição. O aguardado pacote para baratear o preço dos carros populares sinalizado em maio foi detalhado pelo governo federal, sem grandes avanços para a descarbonização. Perde-se mais uma vez a oportunidade de o Brasil avançar na transição nos transportes e mobilidade e se livrar do risco de virar destino de máquinas e fábricas obsoletas.
[“Mitigação”] [“Financiamento”]
Petróleo na Bacia da Foz do Amazonas
Apesar de toda a pressão exercida sobre o IBAMA, o presidente Rodrigo Agostinho indeferiu o pedido de licença da Petrobras para iniciar pesquisas sobre petróleo na bacia da Foz do Amazonas, região ambientalmente sensível. O indeferimento se deu por questões técnicas. O presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, sinalizou que a empresa reapresentou o pedido de exploração no final do mês de maio. Haverá, portanto, nova análise por parte do IBAMA em relação ao projeto proposto. 
[“Mitigação”]

ANP
A criação da Superintendência de Tecnologia e Meio Ambiente (STM) na Agência Nacional do Petróleo e Gás pode ser vista como um sinal de alerta. A principal função da STM, de acordo com a norma, é realizar a interlocução com os órgãos ambientais na obtenção de pareceres e processos de licenciamento ambiental das atividades de exploração e produção de petróleo e gás. Um braço da ANP que articule com órgãos responsáveis por licenças  pode vir a ser uma nova fonte de pressão?
[“Governança”]
Revisão
Os anexos da Lei nº 13.971, de 27 de dezembro de 2019, foram alterados para incluir as previsões orçamentárias para Mudança do Clima, Agropecuária Sustentável, Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade e dos Recursos Naturais. Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas.
[“Financiamento”]
Fertilizantes Nitrogenados
Foi instituído o Grupo de Trabalho do Programa Gás para Empregar, sendo o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima integrante do GT. Parte da estratégia do programa visa aumentar a disponibilidade de gás natural para a produção nacional de fertilizantes nitrogenados e integrar o gás natural à estratégia nacional de transição energética. Fertilizantes nitrogenados são muito utilizados na produção de milho, cana-de-açúcar e soja, três maiores culturas do país, apesar de aumentar a produtividade, a aplicação é responsável por uma parte significativa das emissões da agricultura. Em emissões médias, a cada 100 quilos aplicados no solo, são emitidos cerca de uma tonelada de gases causadores do efeito estufa. Dessa forma, a medida caminha na contramão da descarbonização apesar de estar inserida na agenda de transição energética.
[“Mitigação”]
Em maio, o Monitor de Desastres contabilizou 14 atos de reconhecimento de emergência e  de calamidade pública. Somando 182 municípios afetados por eventos extremos, 126 só no estado de Minas Gerais, atingidos pela seca. Além da seca, os eventos mais recorrentes foram por estiagem na região sul e nordeste.  As chuvas intensas, tempestades e alagamentos estão menos frequentes, com o avanço da estação seca.




TERMÔMETRO DO MÊS

Maio

Olhando-se somente os atos do Monitor de Atos e a intersecção com Nossa Descarbonização, diríamos que foi um mês que o ponteiro pendeu mais à descarbonização. Porém, ao observar o contexto político geral, com a pressão sobre o Executivo no Congresso, sobretudo nas demandas socioambientais e climáticas, temos uma leitura de que foi um mês desastroso para as agendas que acompanhamos. É possível que os sinais dos retrocessos surjam por meio de atos infralegais mais à frente. Para frear esse processo e manter os avanços necessários, o governo federal deve responder com força nos discursos e ações. O que se viu na abertura de junho, no Dia Mundial do Meio Ambiente, sinaliza que o Executivo reconhece que recuar nos seus compromissos nesse campo significa arranhar severamente sua credibilidade.

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