Novo PPCDAm: 8 aspectos-chave para entender o plano de combate ao desmatamento na Amazônia

Foto: J. Alves/Agência Brasil
No último dia 5 de junho, data que marca a comemoração do Dia Mundial do Meio Ambiente, o governo brasileiro lançou oficialmente um pacote de medidas que estabelecem as prioridades da agenda ambiental brasileira para os próximos anos. A mais robusta delas é a 5ª fase do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia Legal – PPCDAm 2023-2027. Com o Plano, diferentemente da última administração federal, o atual governo recoloca a prevenção e o combate ao desmatamento entre as prioridades do país, num aceno de reconstrução de políticas decisivas aos quase 30 milhões de habitantes da Amazônia Legal, setor empresarial, sociedade civil, parceiros e comunidade internacional.

O novo PPCDAm está estruturado em 4 grandes eixos:

  1. Atividades Produtivas Sustentáveis;
  2. Monitoramento e Controle Ambiental;
  3. Ordenamento Fundiário e Territorial;
  4. Instrumentos Normativos e Econômicos.

Os 3 primeiros eixos seguem o formato das três primeiras fases do Plano (2005-2015), e convergem com a estrutura geral dos planos estaduais equivalentes. O Eixo 4, que passou a integrar o PPCDAm a partir de 2016 e foi mantido nesta nova fase, indica que a retomada de aspectos regulatórios em favor da conservação ambiental e do desenvolvimento da região amazônica – como parte da estratégia de desenvolvimento nacional – ocupa lugar de destaque entre as preocupações do governo federal, no contexto de reconstrução da institucionalidade do país.

A Política por Inteiro preparou uma análise detalhada de 8 aspectos-chave do novo PPCDAm, conectando-os a temas e desafios comuns entre os governos federal e estaduais nos próximos anos:

  1. Amplitude de ações: a nova fase do PPCDAm engloba um conjunto de 194 ações (um salto de 14 ações incorporadas após a fase de Consulta Pública, como a Política por Inteiro demonstrou em abril, aqui), a serem operacionalizadas para o alcance de 38 resultados esperados. Número que ainda pode aumentar, uma vez que uma das propostas de funcionamento do Plano é fazer dele uma “política viva”, isto é, um compromisso público capaz de aglutinar novas ações no decorrer do tempo, conforme a necessidade. Trata-se de um número de ações considerado amplo para uma política de cinco anos. Ao mesmo tempo em que eleva o desafio de coordenação e governança, por outro lado também amplia a capacidade de aproveitamento de esforços dos 9 estados e 808 municípios da Amazônia Legal, além de potencialmente influenciá-los em seus próprios planos de combate ao desmatamento e à degradação florestal, dada a sinergia estimulada pela Lei Complementar 140/11(lei que fixa normas para a cooperação entre entes federativos nas ações para proteção do meio ambiente), e outros instrumentos.

  1. Transversalidade: o Plano chama 19 ministérios à responsabilidade, em diferentes graus e frentes de colaboração, além de convidar 22 outros Ministérios e órgãos, de maneira permanente, a colaborar em sua condução. Este arranjo de múltiplos atores vai ao encontro de uma das premissas de Marina Silva quando do apoio à candidatura de Lula à presidência, ainda em 2022. Além disso, do ponto de vista organizacional, grande parte dos ministérios criou departamentos ou divisões de Meio Ambiente e Mudanças Climáticas em suas estruturas, de modo a transversalizar as agendas ambiental e climática também nos níveis tático e operacional no Governo Federal. O documento Chamado à Transversalidade, publicado em março pela Talanoa, relacionou as 19 pastas que incorporaram essas agendas, seja em estruturas, programas ou competências. Outro elemento que reforça a transversalidade é a definição de coordenação do PPCDAm pela Casa Civil da Presidência da República (CC/PR), retomando a receita das fases 1 e 2 do PPCDAm (2005-2011), que avaliamos como positiva, especialmente em agendas que requerem articulação interministerial e interfederativa.

  1. Cooperação Federativa: o PPCDAm se propõe a resgatar o compromisso federativo que qualifica a União ao ter seu arranjo funcional alinhado à Constituição Federal (art. 23) quanto ao compartilhamento e à integração de competências, bem como à Lei Complementar nº. 140/2011, já que tem como uma das bases de sua governança o estabelecimento de objetivos de articulação com estados e municípios. Ainda, reconhece a existência de coalizões subnacionais formais, como o Fórum de Secretários de Meio Ambiente da Amazônia Legal, o Consórcio Interestadual da Amazônia Legal e a Força-Tarefa de Governadores para o Clima e Florestas. Além disso, dois dos doze objetivos do Plano referem-se explicitamente à articulação federativa para demonstrar que o PPCDAm buscará firmar conexões concretas com as ações dos demais entes federados. O apoio direto à implementação do Plano de Recuperação Verde (PRV, instrumento regional do Consórcio Interestadual da Amazônia Legal), além de reuniões com frequência bimestral entre Ministérios e Secretarias Estaduais de Meio Ambiente – uma demanda histórica de governos subnacionais em relação a Brasília – são duas metas pactuadas nesta 5ª fase de PPCDAm (agrupadas dentro dos objetivos 3 e 8, respectivamente). Também merece destaque o compromisso do Novo PPCDAm a auxiliar os governos estaduais a manter revisados, atuais e vigentes os seus Planos de Prevenção e Combate ao Desmatamento (PPCDs). Atualmente, dos 9 Estados da Amazônia Legal, apenas 5 (Amapá, Mato Grosso, Pará, Roraima e Tocantins) estão com planos atualizados e vigentes. Para estimular essa pactuação federativa, a Talanoa propôs, entre suas contribuições na consulta pública do PPCDAm, a criação de um novo componente: fortalecer o federalismo ambiental e alinhar incentivos, com a estruturação de um sistema o qual estados e/ou municípios sejam recompensados pelos resultados alcançados por meio de estímulo financeiro e político para cooperação com o governo federal.

  1. Áreas Protegidas: outra medida positiva trazida pelo PPCDAm diz respeito ao novo vigor injetado na agenda de Áreas Protegidas do Brasil. Isto pode ser constatado quando se compara a correlação entre os 12 Objetivos do PPCDAm (OPs) e as possibilidades de interface direta deles com as Unidades de Conservação na Amazônia. Nossa análise demonstra que todos os 12 OPs têm correlação com as Unidades de Conservação (UCs). Isto é, todos os assuntos objetivados pelo novo PPCDAm perpassam pela implementação das UCs, em diferentes graus e conforme categorias e particularidades locais. Esta convergência denota compromisso de institucionalidade necessário para que o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) seja reavivado e demonstre seu potencial em aliar contenção do desmatamento e da degradação à indução de desenvolvimento local e regional em bases sustentáveis. De quebra, traz efeitos positivos ao compromisso nacional perante a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), para ações de conservação da biodiversidade. Aliás, a comunidade internacional espera bom exemplo e retomada de liderança por parte do Brasil. Além disso, merecem destaque as ações de fomento ao turismo – em suas diferentes tipologias – e o compromisso federal de designar 3 milhões de hectares como Unidades de Conservação federais até 2027, o que pode colaborar decisivamente para a superação dos problemas de manejo e governabilidade nas chamadas Terras Públicas Não-Destinadas (TPND), áreas nas quais as taxas de desmatamento têm sido altas nos últimos anos. Vale lembrar que a estagnação no número de áreas protegidas oficialmente criadas e/ou ampliadas pelo governo federal, nos últimos anos, foi de certo modo “acompanhada” pelos governos estaduais, tímidos na decisão de instituir novas áreas protegidas, de 2018 para cá. O novo PPCDAm joga luz e disposição para uma postura diferente nos próximos anos.

  1. Aspectos regulatórios: quase 1/3 (30%) das ações do PPCDAm estão concentradas no eixo Instrumentos Econômicos e Normativos, o que demonstra a especial atenção que o Governo Federal tende a prestar para o resgate do vigor regulatório – diretamente atacado pela administração anterior – para o êxito do Plano. Destacam-se, neste subtema, ações voltadas para ampliação de crédito produtivo para atividades relacionadas à Economia Verde; implementação da Política Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais (PNPSA); e reforma de atos infralegais, componente que embora apresentado com vagueza no Plano – indicando que a atual administração ainda estuda os impactos da desregulamentação da gestão anterior (segundo o Monitor de Atos Públicos da Política por Inteiro, foram 74 atos infralegais de desregulação e 105 de flexibilização entre 2019 e 2022) – denota esforço do governo em direção a um ambiente regulatório coeso e seguro. Há também variados trechos que sugerem articulação com o Congresso, indicando que leis também deverão ser reformadas.

  1. Integração de bases de dados e “diálogo” entre sistemas de informação: para além da reaproximação política que se propõe entre União, Estados e Municípios, o PPCDAm visa a realizar complexa tarefa de unir esforços na integração das bases de dados nacionais e, a partir dela, buscar meios para integrar e aperfeiçoar sistemas de informação dos entes federativos. Do ponto de vista da relação federativa, como nos últimos anos foi claro o desalinho entre governos subnacionais e Brasília – o que resultou em iniciativas próprias de alguns governos estaduais – há agora uma espécie de “passivo de integração” a ser sanado, por exemplo, em relação a temas como Cadastro Ambiental Rural (CAR), origem de produtos florestais e rastreabilidade de produtos agropecuários. A chamada interoperabilidade (“diálogo”) entre sistemas é um caminho para, entre outros benefícios, evitar que iniciativas estaduais tomadas em razão da inoperância federal nos últimos anos sofram prejuízos pela ausência de uma interface direta. Em face disto, o novo PPCDAm traz ações específicas em seu 2º Eixo (Monitoramento e Controle Ambiental), que, entendemos, devem ser mais amplamente debatidas com os governos estaduais, em um processo de aperfeiçoamento a partir da escuta e da avaliação das experiências subnacionais nos últimos anos.

  1. Exequibilidade: há pontos positivos e negativos que saltam na análise do novo PPCDAm. Pró: diferente das versões anteriores, o novo PPCDAm foi projetado para execução em um horizonte temporal de 5 anos (2023 a 2027), o que o “acopla” inteiramente ao próximo Plano Plurianual do Brasil, principal regra administrativa e orçamentária do país. Trata-se de uma medida avaliada como acertada, posto que evita a repetição, em 2027, da mesma dificuldade orçamentária vivenciada neste 2023, em que o Plano, mesmo recém-lançado, está subjugado a limites orçamentários definidos pelo Governo anterior. Contra: apesar da multiplicidade de mecanismos financeiros disponíveis hoje, no Brasil, o PPCDAm não fornece estimativa de custos de implementação, nem detalha de onde sairão os recursos para sua execução, tampouco os modos de operacionalização de receitas para resultado efetivo. Nesse contexto, recomenda-se que a Coordenação do Plano, com a contribuição da Subcomissão Executiva e avaliação da Comissão Interministerial, desenvolva um exercício detalhado ainda este ano para estabelecer um orçamento para o PPCDAm. Tal exercício visa: (1) evitar que “faltem pernas” e o Plano se torne apenas uma “lista de desejos” sem meios para sua execução e (2) facilitar o processo de captação de recursos junto a instituições financeiras nacionais, internacionais, filantropias e organismos multilaterais.

  1. Sustentabilidade Financeira: a despeito das limitações orçamentárias atuais, a coordenação do Plano parece atenta à necessidade de um exercício de sustentabilidade financeira da política pública que mescle diferentes mecanismos financeiros, ao propor a ação 12.1.4. “Estabelecer ações de coordenação e governança inter-fundos e projetos especiais (Fundo Clima, FNMA, FNDF, FNRB, FNO, FDD etc.) para viabilizar a implementação dos programas e projetos decorrentes das linhas de ação do PPCDAM”. No entanto, o Plano não detalha como se dará a vazão de recursos financeiros para investimento/custeio das ações. Como não pode ser diferente, o destaque gira em torno do Fundo Amazônia (FA), citado em apenas 3 ações e 1 meta no documento. Dada a responsabilidade do PPCDAm em compor com ações em níveis estadual e municipal, e considerando que o governo brasileiro tem prospectado novos aportes para o FA, com alguns acenos positivos de países até aqui, espera-se que a estratégia de operacionalização do PPCDAm auxilie o Fundo Amazônia, de maneira diferente do passado, descentralizar a alocação de recursos de modo a fortalecer ações em nível local, sem no entanto, perder a capacidade de controle de contas para esses recursos e monitoramento de sua efetividade por estados e municípios. Como apontamos no item 3, acerca da cooperação federativa, incluímos na sugestão enviada em consulta pública a sugestão da estruturação de um sistema de estímulo financeiro em que estados e municípios possam ter seus desempenhos auferidos para a destinação de recursos, na forma de pagamentos por resultados. Estimou-se que R$ 3 bilhões por ano seria um montante capaz de induzir estados e municípios a melhores comportamentos em relação à conservação florestal, por meio de transferências intergovernamentais (Estudo feito a pedido do Ministério do Meio Ambiente em 2012 e realizado por Raul Velloso, Marcos Mendes, Natalie Unterstell e Jorge Hargrave). Outras fontes de recursos podem ser alavancadas para garantir sustentabilidade fiscal. Por exemplo, via abatimento da dívida dos entes com a União, vinculações ao Fundo de Participação dos Estados (FPE) ou Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e até mesmo pagamentos por resultados obtidos junto à comunidade internacional.

Críticas e lacunas: O PPCDAm é, sem dúvida, um passo importante para enfrentar a maior fonte de emissões de gases de efeito estufa no Brasil: a mudança do uso do solo. Mas algumas metas vieram acanhadas. Segundo o documento, há mais de 60 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas – onde se concentrou boa parte do desmatamento nos últimos quatro anos. A meta até 2027 é destinar 29,5 milhões de hectares. Ou seja, menos da metade. Desse total, 3 milhões de hectares virariam UCs. Seria um acréscimo de quase 2% na área total de unidades de conservação no Brasil. É pouco. A questão fundiária na Amazônia é bastante sensível para o combate ao desmatamento por conta da grilagem de terras.

Além do que foi apontado nos itens Cooperação Federativa e Sustentabilidade Financeira, faltam menções ao pagamento por serviços ambientais no PPCDAm. O Bolsa Verde, paralisado em 2017, foi restabelecido no orçamento, com R$ 200 milhões, mas ainda sem execução. O Floresta+, bancado com dinheiro do Fundo Verde do Clima, engatinha com projetos pilotos.

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