Governo revoga “mercado que nunca decretou”

Recomendação do Reconstrução:  13. Regular o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões
Método da Desconstrução:Obstrução das negociações legislativas e publicação de decretos diversionistas

Um sinal importante sobre a disposição do Executivo federal para avançar na agenda da regulação de emissões e constituição de um mercado de carbono foi emitido entre os atos assinados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na segunda-feira (5), Dia Mundial do Meio Ambiente: a revogação do Decreto nº 11.075, de 19 de maio de 2022, por meio do Artigo 16 do Decreto 11.550.

A norma revogada estabelecia os “procedimentos para a elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas” e instituía o “Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa e altera o Decreto nº 11.003, de 21 de março de 2022”.

O governo anterior editou o 11.075 com vistas a “criar o mercado regulado brasileiro de carbono“. Oficialmente, esse seria “o mais moderno e inovador mercado regulado de carbono, com foco em exportação de créditos, especialmente para países e empresas que precisam compensar emissões para cumprir com seus compromissos de neutralidade de carbono”.

A Política por Inteiro incluiu o decreto como um daqueles a serem revogados, dentre os 401 atos indicados para revogação ou re-regulação listados na primeira edição do documento Reconstrução, entregue ao presidente eleito e ao governo de transição ainda em novembro de 2022. Em nossa avaliação, os principais problemas de tal ato eram:

  • Sem força regulatória: ainda que o governo de então tenha indicado que “decretaria” a existência do mercado brasileiro de carbono, o conteúdo da norma não continha diretrizes aos agentes econômicos. Por isso, na Metodologia da POLÍTICA POR INTEIRO, esse decreto foi classificado de “Planejamento”, e não uma “Regulação”.
  • Natureza facultativa: como estratégia orientadora dos planos setoriais, o decreto não definiu um prazo de apresentação e tampouco definiu penalidade em caso de não cumprimento de metas reforçando o caráter voluntário de adesão;
  • Escopo setorial inadequado: o decreto também estendeu a apresentação de planos por todos os setores cobertos pela Lei 12.87/2009, inclusive serviços de saúde e agropecuária, cuja inserção é questionável em mecanismo de mercado.
  • Conflito de interesses: um grave problema do decreto era facultar aos setores regulados a apresentação de suas próprias metas e deixar para o Executivo o compromisso de unir “as peças setoriais” e checar se sua soma atenderia às metas da NDC brasileira. A auto-regulação, neste caso, poderia resultar em baixa ambição e baixa eficiência do mecanismo de mercado, já que estimularia mínimo esforço dos setores e colocaria enorme pressão sobre o Executivo para distribuição de limites setoriais. Entendemos que um plano de alocação, caso adotado um modelo de comércio de emissões, seria mais adequado, já que menos propenso a conflito de interesses;
  • Conflito com a lei que dispõe sobre a natureza jurídica de créditos de carbono: o decreto inseria um entendimento distinto da lei 12.187/2009 que instituiu a Política Nacional de Mudança do Clima (PNMC), gerando insegurança quanto à definição válida;
  • Não integração dos créditos voluntários com mercado obrigatório: No coração do decreto, estava o registro único de projetos e créditos de carbono nacionais, que seguiria as transações e aposentadoria dos créditos (não obrigando registro de todos os créditos). A central de registro de créditos e projetos poderia ser positiva em termos de visibilidade dos créditos voluntários gerados no Brasil, mas a sua implementação dependeria de capacidades e competências de alto nível do Ministério do Meio Ambiente, uma vez que o Sinare ficou sob sua competência;
  • Risco à integridade ambiental: Cria Unidades de Estoque de Carbono, isto é, ativos atrelados a estoque de carbono, principalmente florestal, sem especificar se seriam fungíveis com ativos medidos em CO2eq propriamente. Cria o crédito de metano, também diferente dos ativos mensurados em CO2eq. 
 

No geral, entendemos que o decreto serviu mais como empecilho ao avanço da regulação de um sistema mandatório de regulação e comércio de emissões no Congresso Nacional, do que efetivamente como um instrumento regulatório de boa qualidade. Sua implementação não foi realizada e os prazos relativos à elaboração de trajetórias de descarbonização – por parte dos setores ou apresentação pelo Executivo – não foram cumpridos.

Nossa recomendação ao novo governo foi traçar uma estratégia de apoio à regulação de sistema de comércio de emissões por meio de projeto de lei e/ou então a regulamentação mais cuidadosa da Lei 12.187/2009, que institui a PNMC.

A revogação do 11.075/2022 é um sinal político importante sobre os rumos que a agenda da regulação de emissões e uso de instrumentos de mercado pode tomar no Brasil. É importante que os problemas identificados com a norma revogada sejam considerados “lições aprendidas” para a regulação em tela.  

Esperamos que o próximo passo nesta agenda seja a proposição de um projeto de lei substitutivo que efetivamente regule emissões e promova o comércio naqueles setores cabíveis em um instrumento de mercado do tipo “cap-and-trade”, integrado à NDC brasileira e a outros instrumentos econômicos e financeiros.

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