(Des) Harmonia entre os poderes

Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 2º, trata da separação de poderes, dispondo que “são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Mas parece que isso não vale para algumas pautas. 

O Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou o julgamento da ação judicial (RE 1017365) que firmou entendimento (repercussão geral) acerca da chamada tese do marco temporal. Na semana passada, a “tese” propriamente dita foi derrubada, prevalecendo o entendimento de direito originário dos povos indígenas às suas terras, independentemente da data da promulgação da Constituição Federal de 1988. Nesta semana, a discussão no STF foi para fixar o entendimento comum (Tema 1.031) acerca das indenizações àqueles que adquiriram de boa-fé áreas que, posteriormente, foram declaradas terras indígenas. Foi fixado o entendimento de que o particular de boa-fé terá “direito à justa e prévia indenização das benfeitorias necessárias e úteis, pela União; e quando inviável o reassentamento dos particulares, caberá a eles indenização pela União (com direito de regresso em face do ente federativo que titulou a área) correspondente ao valor da terra nua, paga em dinheiro ou em títulos da dívida agrária”. Ainda sobre o tema, fixou-se: “Descabe indenização em casos já pacificados, decorrentes de terras indígenas já reconhecidas e declaradas em procedimento demarcatório, ressalvados os casos judicializados e em andamento”.

Porém, nesta semana, foi aprovado no Senado Federal o Projeto de Lei (PL) 2.903/2023, que, dentre outros pontos, busca instituir a tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas na legislação brasileira, dispondo que não são áreas consideradas permanentemente habitadas por povos indígenas, para fins de comprovação da sua tradicionalidade, aquelas com “ausência da comunidade indígena em 5 de outubro de 1988 na área pretendida”. 

Além disso, o PL veda a “ampliação” de terras indígenas já demarcadas, contrariando o entendimento firmado pelo STF de que a instauração de procedimento de redimensionamento de terra indígena não é inconstitucional.

A matéria irá para sanção presidencial, já tendo sido noticiado que deverá haver veto do presidente Lula quanto à tese. A pressão das organizações indígenas e outras entidades da sociedade civil é para que toda a lei seja vetada. Os vetos, se acontecerem, deverão ser analisados pela Câmara dos Deputados, que pode derrubá-los.

Os Poderes da República são, sim, independentes dentro das suas funções. Contudo, mais do que independentes, eles devem ser harmônicos e eficientes. Nesse ponto, a rediscussão de matéria cujo resultado final na interpretação jurídica já foi dada pelo STF pode ser inócua, por mais que esteja dentro da liberalidade do Congresso Nacional continuar com os debates. Cabe ao STF decidir sobre a constitucionalidade (ou não) das matérias, e não ao Poder Legislativo. 

Não cabe ao Poder Judiciário legislar e, nesse caso do marco temporal, a sua atuação foi claramente na estrita análise de constitucionalidade da tese, e não de inovar na legislação brasileira. Contudo, a aprovação do PL conferida pelo Senado Federal, além de ter sido realizada a “toque de caixa”, tendo em vista que poucas horas antes da análise em Plenário ela havia sido aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, também traz enorme insegurança jurídica, ao passo que a matéria já havia sido decidida no Poder Judiciário e, mesmo que aprovada, a tese já tem entendimento pela sua invalidade. Ou seja, existirá no mundo jurídico, mas não terá aplicabilidade (ou, quando muito, será judicializada e, no que já tiver matéria decidida, perderá validade).

Essa queda de braço pode esgarçar ainda mais as relações de Governo. Os argumentos jurídicos para que Lula vete todo o PL estão claros. As consequências políticas de um possível desgaste com parlamentares não tanto. Uma derrocada da decisão do Poder Judiciário seria mais grave ainda, pois estaria se contrapondo a determinações expressas da mais alta Corte do país. 


Despedida no STF

Em meio às tensões entre os Poderes, ocorreu no STF a despedida da ministra Rosa Weber, que completa 75 anos na próxima segunda (2). A presidente do Supremo recebeu homenagens dos colegas e fez um discurso emocionado, ressaltando a defesa dos direitos e da democracia. “Cabe a cada um de nós a defesa intransigente da democracia na luta diária pela construção de consensos e pelo exercício incansável do diálogo, na busca pelo avanço civilizatório”, disse. E relembrou da união dos Três Poderes na simbólica caminhada entre o Planalto e o STF, após os ataques de 8 de janeiro. “Todos nós simbolicamente de mãos dadas, desviando das pedras, dos cacos de vidros, dos cartuchos de bala de borracha que abarrotavam o chão da praça”, afirmou. 


Bolsa Verde

Após 7 anos paralisado, foram retomados os pagamentos do programa Bolsa Verde (Programa de Apoio à Conservação Ambiental), cujo valor trimestral de R$ 600 será repassado a 6.251 famílias que vivem em Unidades de Conservação de Uso Sustentável, assentamentos ambientalmente diferenciados da Reforma Agrária, reservas extrativistas e territórios ocupados por povos e comunidades tradicionais. Segundo informado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, “R$ 3,7 milhões serão desembolsados na primeira etapa de pagamentos, que beneficiarão 174 projetos de assentamentos e 21 Unidades de Conservação”. O Programa se destina a famílias em situação de pobreza que desenvolvam atividades de conservação ambiental em áreas específicas como Unidades de Conservação e Projetos de Assentamento Agroextrativista. 55.812 famílias já foram indicadas e 31.837 estão aptas para assinar o termo de adesão.


PPCerrado

Está aberta, até dia 13 de outubro, a Consulta Pública para a 4ª versão do Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas no Bioma Cerrado – PPCerrado. As sugestões podem ser enviadas pelo site. Já foram apresentadas mais de 15 contribuições. 


Causas do apagão

O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) apontou em relatório que o apagão ocorrido em agosto deste ano foi causado por uma falha no desempenho de equipamentos em usinas eólicas e solares, levando ao chamado efeito dominó, desligando linhas de transmissão. 

O resultado não deve ser interpretado como uma “culpa” das energias renováveis pelo apagão, mas, sim, como uma indicação de que novos investimentos nessas plantas podem aumentar a segurança do sistema. Com melhorias na funcionalidade e na coordenação, para que possa responder a tais eventos de forma rápida. Precisamos de um sistema bem mais inteligente e coordenado.


Eventos extremos

Como visto nas últimas semanas, o Rio Grande do Sul foi atingido por ciclones. Segundo reportagem da Agência Pública, especialistas apontaram que o governo de Eduardo Leite “vem investindo pouco em prevenção e monitoramento ambiental para redução de impactos de eventos extremos piorados pelo aquecimento global. O estado chegou a encomendar um Plano de Prevenção de Desastres, finalizado em 2017, mas que nunca saiu do papel”. Ainda segundo a reportagem, mais de 40% dos municípios do RS têm uma capacidade de resposta e ajuste a eventos extremos (ou capacidade adaptativa) considerada baixa ou muito baixa pelos dados do Adapta Brasil, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

Enquanto o sul é castigado por chuvas intensas, ciclones e inundações, a Região Amazônica sofre com a estiagem severa, que está afetando os seus rios. Segundo nota do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad), teremos um final de ano (outubro, novembro e dezembro) mais seco na região Norte. Especialistas avaliam que há a conjunção entre evento do Atlântico Tropical Norte e o El Niño, que faz com que as águas do Oceano se aqueçam mais que o normal e que o ar mais quente inibe a formação de chuvas na região.


Mercado regulado de carbono

Nesta semana, a presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal e relatora do PL 412/22 – que regulamenta o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) –, Leila Barros, recebeu um novo pedido de adiamento da votação – dessa vez por requisição da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), intermediado pela senadora Tereza Cristina. Até a sessão, havia 20 emendas propostas, as quais foram todas parcialmente incorporadas dentro do novo texto. 

A senadora Leila se manifestou dizendo que ainda que não houvesse instrumento regimental para solicitar o adiamento, ela atenderia o pedido em nome do diálogo. Porém, ela e o senador Contarato acreditam que o parecer está robusto o suficiente para ser devidamente aprovado. 

O PL 412/22 entrará em pauta novamente na próxima semana, conjuntamente com o PL da liberação de itens cancerígenos em agrotóxicos vendidos no Brasil.
Nesta semana, foram publicadas 2 normas referentes aos caminhos apontados no relatório Reconstrução da POLÍTICA POR INTEIRO, somando até agora 162 medidas de reconstrução da agenda climática.

As medidas foram a abertura de processo de consulta pública da proposta da 4ª versão do Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas no Bioma Cerrado – PPCerrado e a criação do Gabinete de Crise, no Ministério dos Povos Indígenas, para acompanhar a situação de violação de direitos humanos do povo Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul.

Acompanhe aqui o andamento da reconstrução da agenda climática.

TALANOA NA MÍDIA

Agência Amazônia Países precisam diminuir CO2 para controlar temperatura, aponta climatologista
Jornal Valor Econômico Regulação do mercado de carbono avança no Congresso
YouTube – Canal Olá, Ciência Série Soluções para o Brasil



MONITOR DE ATOS PÚBLICOS

Em uma semana de importantes eventos internacionais e julgamento do marco temporal, o Monitor de Atos Públicos captou somente 5 normas relevantes para a agenda climática no DOU. O tema mais frequente foi Terras e Territórios com 3 atos. A classe mais captada foi Resposta, com 4 normas, abrangendo os reconhecimentos de situações de emergência e emprego da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) em apoio à Funai na na Terra Indígena Cachoeira Seca, no Pará.




MONITOR DE DESASTRES

Nesta semana, foram captadas 2 normas de reconhecimento de emergência por eventos extremos, abrangendo 2 municípios no Rio Grande do Sul, atingidos por enxurrada e granizo.

Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO

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