Coerência para sair da “inércia”

(O conteúdo que você vai ler a seguir é feito totalmente por humanos, e para humanos)

Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil, 2023.

Não sei se você também tem a sensação de que já estamos presos em 2025 há uns dez meses, tamanhas a variedade e a intensidade de acontecimentos até aqui. Mas, se essa sensação está rolando por aí, certamente abril colaborou bastante para isso. Durante o mês, fomos das esquisitices tarifárias do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e equipe (que não perdoaram nem uma ilha com pinguins), até a prisão de um ex-presidente da República, passando pela aprovação de uma lei federal sobre comércio exterior que mira o gato e o peixe ao mesmo tempo (calma, a gente explica mais adiante). E, infelizmente, pela perda de um Papa diplomata do clima. 

Abril foi “o mês das finanças” para clima, até aqui, no Brasil. Isso porque março passou zerado em normas relevantes sobre financiamento climático, enquanto janeiro e fevereiro até tiveram movimentos, só que pouco expressivos. Neste mês, o Ministério da Fazenda tratou de movimentar o Programa Eco Invest – uma das principais apostas do governo para ampliar o fôlego financeiro para a agenda climática –, com dois aperfeiçoamentos regulatórios, um via resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN), outro por portaria própria. Além disso, anunciou um novo leilão do programa, desta vez para ampliar a ação climática em biomas como a Mata Atlântica, o Cerrado e o Pantanal (detalhes aqui). 

Como o céu não é perto e o antagonismo é uma constante na jornada pela descarbonização no Brasil e no mundo, o mês também sinaliza preocupações. E pior: vindas da própria Esplanada dos Ministérios. 

Anos atrás, quando mais jovens, aprendíamos nas aulas de Física o conceito de força resultante, aquela que deriva da interação entre forças em direções, sentidos e intensidades próprias. A aula ia além, e explicava que quando a soma dessas forças são nulas, o objeto analisado tende a não sair do repouso ou não alterar seu movimento: a famosa inércia. Na Economia, há outro raciocínio similar, ligado à Teoria dos Jogos, que chama de “Soma-Zero” a situação em que, para alguém ganhar algo, outro tem que perder algo na mesma medida. Em ambos os casos, tanto na Física, quanto na Economia, os conceitos ilustram que pelo menos um dos atores fracassa ou termina descontente com o resultado da “força aplicada”. 

Pedindo a devida licença poética a Isaac Newton, von Neumann e John Nash, a Política por Inteiro entende que os movimentos institucionais precisam de coordenação, coerência e coesão se o governo quer mesmo que a Transformação Ecológica se mova para frente. Se, para cada avanço da política energética, a política climática (e, com ela, a política social) perder na mesma medida, qualquer projeto de desenvolvimento nacional já está fadado a não sair do lugar, ou, pior que isso, ser contraproducente. 

Brasília foi concebida para não ter muros a separar seus ministérios. Enquanto o Plano Clima tem buscado fazer passarelas e pontes entre os ministérios, decisões equivocadas – como a expansão de óleo e gás, em marcha pelas mãos do Ministério de Minas e Energia (MME) – que não colocam os riscos climáticos na ponta do lápis, põem a perder uma NDC e a reputação do Brasil na geopolítica climática. Trata-se de momentum precioso, que não voltará. Não temos tempo a perder e nem a desfigurar a arquitetura livre de muros idealizada por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, no centro do poder político nacional.

Um dos muros da vez atende pelo nome de Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2025-2034. Ele define as linhas que o Brasil vai seguir nos próximos anos em matéria de política energética e passa muitos sinais à sociedade. 

Lançado oficialmente no dia 8 de abril, o PDE foi elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e validado pelo MME, e traz em seu entendimento que a expansão de oferta de energia a partir de fontes fósseis nos próximos 10 anos não é exatamente um grande problema nacional. Em vez disso, preferiu chamar a situação (da expansão de fósseis versus o compromisso climático brasileiro na Contribuição Nacionalmente Determinada – NDC) de “particularmente desafiadora”, já que a expansão prevista é “significativa”. O argumento é que o Brasil teria emissões por habitante muito inferiores a EUA, China e Europa: enquanto o Brasil emite cerca de 2,1 toneladas per capita de CO2 equivalente, e até 2034 saltará para 2,4 tCO2eq, as emissões atuais de EUA (13,8 tCO2eq), China (7,5) e Europa (5,4) estariam em patamares mais elevados, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA). 

Ora, mas veja só: não faz sentido apresentar compromissos próprios ao mundo e prometer que vai “liderar pelo exemplo”, quando na realidade está se balizando em ser “menos pior” com base numa régua aferida no comportamento dos outros. O compromisso do Brasil é com a sua própria NDC, preferencialmente com o “piso da banda”, e casos exemplares não se baseiam em olhar para os coleguinhas ao lado. Nem para os de trás. Embora o PDE afirme estar fundamentado em premissas válidas e legítimas – o enfrentamento da pobreza energética, a melhoria no acesso à energia e a redução de desigualdades regionais – o “como fazer” importa tanto quanto o “o que fazer”. Felizmente, no mesmo mês, para escancarar a realidade, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) divulgou uma Nota Técnica revelando que menos de 0,2% da receita gerada pelo petróleo no Brasil é direcionada à transição energética. Um escárnio. 

O problema não é a expansão da oferta de energia, algo inevitável em um país com população ainda crescente e com graves problemas de acesso a direitos básicos, mas a origem dessa oferta. Na prática, não há como falar em justiça na transição se os investimentos proporcionais para promovê-la seguirem sendo pífios. 

O PDE 2025-2034 carrega controvérsias pesadas, que atestam o quanto o setor de energia desconsidera a gravidade da emergência climática já vivenciada no Brasil. Chega ao absurdo de afirmar que “o gás natural contribui para a redução do efeito estufa”, quando é de notório conhecimento científico sua origem fóssil e, portanto, nociva ao clima. Ser chamado de “natural” é contra-intuitivo e possivelmente intencional, para confundir. A expansão da exploração de gás joga contra o preceito de transformação ecológica adotado pelo governo e mancha o propósito de liderar pelo exemplo, com o requinte de um ano de COP no Brasil. É claro que é inviável zerar da noite pro dia a exploração de fósseis, dada a enorme dependência econômica em relação à energia proveniente dessas fontes. O problema é que o plano nacional de expansão de energia deveria vislumbrar uma trilha (e instrumentos) para reduzir progressivamente essa dependência em não-renováveis, em vez de confirmar que o Brasil vai ampliá-la. O Programa de Incentivo e Revitalização das Atividades de Exploração e Produção de Petróleo e Gás, que atende pelo nome de Potencializa E&P, é a prova de que o MME está devotado em destravar ainda mais carbono enterrado, incluindo “áreas de novas fronteiras exploratórias”, como registrado no programa. É contramão. 

Na mesma Esplanada, enquanto o Ministério da Fazenda lança mais um leilão do Programa Eco Invest, desta vez específico para casar recursos públicos e privados que repercutam nas metas do Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas, fomentando um ator que historicamente nunca foi de entregar para a política climática – o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) – o MME e o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) vão mantendo a construção do muro que impede enxergarmos um setor energético menos carbono-intensivo no horizonte. 

Esse muro vem sendo levantado com constância. Um de seus vários tijolos já havia surgido em março, quando uma portaria do próprio MME pôs como compromisso regulatório, até 2027, revisar normativas que levem a uma “eventual dispensa” da necessidade de apresentar a Avaliação Ambiental de Áreas Sedimentares (AAAS), um dos documentos técnicos que fundamentam a análise de órgãos ambientais quanto ao licenciamento de atividades potencialmente poluidoras. Atualmente, no caso da Margem Equatorial, a AAAS é exatamente um dos pontos da discórdia do conflito entre o MME e o MMA, e suas vinculadas. 

Ainda há tempo de o governo relembrar (e aplicar) as lições de Física e de Teoria dos Jogos. Só forças aplicadas no mesmo sentido vencem a inércia e aceleram um movimento. E geram benefícios e oportunidades para todos. Até mesmo para os que hoje não as enxergam. 

O poeta nos lembra que faz parte da jornada ter pedras no meio do caminho. Muro já é demais. 

Boa leitura!

Tá Lá no Gráfico

Durante o mês de abril, nossa série Tá Lá no Gráfico completou 32 edições! Mostramos o desafio brasileiro para conter o desmatamento (e sua “irmã” discreta, mas tão perniciosa quanto: a degradação), e entramos nas escolas para mostrar que adaptação climática é necessária também para a aprendizagem de nossas crianças e jovens, que, aliás, virão a ser aqueles que viverão e trabalharão no mundo cada vez mais quente e, espera-se, numa economia de baixo carbono. Além disso, a série fez abordagens especiais mostrando como (e o quanto) o enfrentamento à mudança do clima precisa dos saberes e da vitalidade dos povos indígenas, e, após um ano dos eventos climáticos extremos que afetaram o Rio Grande do Sul, apresentamos uma radiografia dos prejuízos naquele estado, destacando os desafios de reconstrução para a população gaúcha, e a dificuldade de a conta fechar para os governos estadual e federal. 

Confira e, se quiser, compartilhe!

(clique nas capas para ir direto aos infográficos!)

Monitor de Atos Públicos

Em abril, foram captadas 38 normas relevantes para a política climática brasileira. O tema mais frequente foi Terras e Territórios, com 14 atos, representando sozinho quase 40% das normas do mês. Desses, a maior parte dos atos (10) foi de acionamentos à Força Nacional de Segurança Pública, resultantes de conflitos por terras. Em seguida, o tema Institucional vem com 6 atos, com destaque ao Planejamento Estratégico do ICMBio para os próximos 3 anos, e à criação de grupos técnicos para tratar das chamadas “estratégias transversais” do Plano Clima, uma das quais a transição justa. Por fim, os temas Energia, Florestas e Finanças empataram, com 4 atos cada

Nas classes, um equilíbrio entre Regulação, Planejamento e Resposta, com 13, 12 e 10 atos, respectivamente. A agenda Governança, assim como em março, foi predominante, ocorrendo em 22 dos 38 atos.

Agendas

Governança 

Infelizmente, os acionamentos à Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) para atuação em regiões conflituosas foram destaque em abril: ao todo, 10 acionamentos no mês, número 150% maior que o registrado no mês anterior. Em “ano 3” de governo, é importante que as terras indígenas – motivos bastante frequentes dos acionamentos da FNSP – tenham suas demarcações e homologações agilizadas pelo Estado brasileiro, sob o risco de esses acionamentos, que não custam barato aos cofres públicos, se intensificarem. Os números de abril depõem contra a governança territorial de que o Brasil precisa para perseguir a redução de emissões na casa das 850 milhões de toneladas de CO2e, prevista na principal meta da NDC brasileira, até 2035. 

Também captamos governança em outros assuntos: 

Vai dar tempo de algo? O Fórum Nacional de Transição Energética (Fonte) andou mais alguns centímetros – ao concluir a seleção de representantes da Sociedade Civil para suas cadeiras. O processo havia se iniciado em janeiro e só terminou em abril. Enquanto isso, a principal tarefa de competência do Fonte, a elaboração do Plano Nacional de Transição Energética (Plante), que reflete na respectiva Política Nacional (PNTE), não iniciou para valer. Esse ritmo precisaria ser outro se o atual governo deseja entregar algo consistente nessas políticas, minorando os efeitos de desregulamentação e implosão da governança que possam vir de uma eventual alternância de poder a partir de 2027. 

Nem só de adaptação e mitigação vive o Plano Clima: as chamadas estratégias transversais do Plano Clima passaram a ganhar grupos de trabalho dedicados dentro do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM). No âmbito do MMA, um GT Carbono Florestal foi criado para trabalhar na regulamentação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), tanto para mercado regulado quanto para mercado voluntário. 

A gente não conhecia… E vocês? Uma novidade veio das bandas do Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (MEMP), que criou o grupo de trabalho “Empreender Clima”, em uma parceria com o Sebrae e a Organização de Estados Íbero-Americanos para a Educação, Ciência e Cultura (OEI), um organismo multilateral de cooperação. Desde 2024, o ministério e parceiros mantêm uma plataforma digital de mesmo nome, que diz ter como objetivo “impulsionar o empreendedorismo climático no Brasil”, para isso “reunindo informações, ferramentas e recursos para empreendedores transformarem desafios ambientais em oportunidades de negócios com impacto no clima”. É bom ficar de olho nos próximos meses. 

UCs e clima: o ICMBio, órgão gestor das Unidades de Conservação (UCs) brasileiras, divulgou seu Planejamento Estratégico 2025-27, que determina a inclusão do tema mudança climática nos instrumentos de planejamento e gestão da autarquia, com destaque para a intenção de realizar ações de adaptação climática nas UCs. Apesar de o ritmo de criação de UCs ter desacelerado muito no Brasil nos últimos anos, as áreas já criadas e em implementação exercem papel essencial no controle do clima e na manutenção dos serviços ecossistêmicos que entregam qualidade de vida e economia funcionando.

Mitigação 

A agenda de mitigação foi bastante variada em abril. No tema Indústria, uma regulamentação do Programa MOVER, que neste mês chegou a 170 habilitações de empresas ligadas ao setor automobilístico no Brasil. Em Energia, os sinais preocupantes de expansão de Óleo & Gás do Plano Decenal de Expansão de Energia 2025-2034 (leia a análise de abertura de nossa análise mensal), além de alterações pontuais na Política Nacional de Biocombustíveis (Renovabio), especialmente para aumentar o poder sancionatório da Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), quando de descumprimentos das metas anuais de redução de emissões de gases estufa para a comercialização de combustíveis. Uma espécie de assoprada em meio a tantas mordidas. 

O segmento resíduos & saneamento apareceu com um sinal relevante, vindo de um decreto que regulamenta os casos excepcionais de importação de resíduos sólidos, outrora completamente proibida no Brasil pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), de 2010. O decreto determina que essa flexibilização brasileira para importar resíduos deva ocorrer quando se tratar de insumos importantes para indústrias de transformação de materiais e para suprimento de minerais estratégicos. 

Diferentemente de outros meses nos quais roubou a cena, o tema Territórios em abril foi tímido. Foram criados apenas um assentamento e uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) – ambos na Paraíba – enquanto no Amapá um território quilombola foi ampliado.

Adaptação 

Abril foi discreto em matéria de adaptação, tendo apenas dois sinais relevantes captados. O mais expressivo deles foi a entrada em vigor do decreto que determina a inclusão de medidas de adaptação climática entre as métricas consideradas pela União para amortização de dívidas dos estados, no âmbito do Programa de Pleno Pagamento das Dívidas dos Estados, o PROPAG. O decreto regulamenta a Lei Complementar nº. 212/2025, que instituiu o programa. Ainda, a lei criou um novo fundo, o FEF – Fundo de Equalização Federativa, que, entre outros eixos, se dedicará ao enfrentamento da mudança climática e a investimentos na melhoria (queremos crer que baseada em ciência para a adaptação) da infraestrutura nos estados. 

O outro sinal do mês veio do Conselho para o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), que via Resolução sugeriu ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva a adoção de uma política público-privada de investimentos para recuperação e manutenção de rodovias estaduais, além da realização de concessões para serviços conexos à operação rodoviária. Para tanto, “mudanças climáticas e segurança viária” é um dos eixos sugeridos para canalizar investimentos. As manifestações do Conselho de PPI foram ad referendum, isto é, não têm efeito imediato e carecem de aprovação superior (nesse caso, presidencial) para ganhar força de norma.

Financiamento

Para além das movimentações puxadas pelo Ministério da Fazenda relacionadas a regramentos do Programa Eco Invest, em abril também tivemos o Plano Anual de Aplicação de Recursos (PAAR) do Fundo Clima aprovado para 2025 – depois de uma primeira tentativa de aprovação em março. Após recomendação do Comitê Gestor, será formado um grupo para elaborar critérios de custo-efetividade climática, com o objetivo de melhorar a performance em termos de redução de emissões. Publicada no mês passado também uma lei que abriu espaço de R$ 938 milhões no orçamento da União para que sete ministérios mantenham as ações de enfrentamento à emergência climática na Amazônia e no Pantanal, dentro do “guarda-chuva” da ADPF nº. 743, no Supremo Tribunal Federal (STF). 

No entanto, em matéria de financiamento climático, nem tudo foi positivo em abril: um decreto ligado ao tema Desastres estabeleceu tratamento diferenciado a municípios (1) em situação de emergência ou estado de calamidade pública e (2) que sofram com eventos extremos nas tipologias inundações e enxurradas, desobrigando-os do alcance de critérios mínimos de que trata a Lei que estabelece o Marco Legal do Saneamento Básico no Brasil. A medida objetiva facilitar aos municípios o recebimento de recursos públicos federais e/ou operados por entes da União.

Na visão da Política por Inteiro, o modo como a flexibilização da regra se apresenta abre campo para incentivos contraproducentes ao clima, fluindo recursos para prefeituras que façam pouco caso da agenda climática, principalmente para adaptação. O recebimento de recursos por municípios suscetíveis a inundações e enxurradas precisa estimular a ambição – e não a estagnação – local por saneamento básico e adaptação climática. Preparamos uma análise especial sobre esse movimento orquestrado entre Executivo e Legislativo.

👎 DESTAQUES DO MÊS 👍

👎 DESTAQUES DO MÊS 👍

👎 Atravessou o samba!

  • Aceitar mais gás não pode ser algo natural: a pasta de Energia segue atravessando o samba da transformação ecológica do Brasil. O Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2025-2034, apresentado à sociedade em abril, promete que o Brasil seguirá acompanhando os movimentos que vêm ocorrendo desde o período Bolsonaro, de expansão de fontes fósseis de energia, a pretextos de enfrentar a pobreza energética e minorar desigualdades regionais. Como a História do Brasil bem ensina, utilizar pretextos legítimos não é necessariamente garantia de compromisso com os interesses coletivos. O documento solta “pérolas”, como a de que “o gás natural contribui para redução do efeito estufa”, quando a Ciência afirma o oposto: gás é fonte fóssil, retirada das entranhas da terra, e que libera grandes quantidades de gases-estufa, intensificando a mudança do clima. O gracejo está em ficar chamando-o de gás “natural”, passando ao público a (equivocada) ideia de que seria uma saída sustentável.

👍 Tá afinado! 

  • Financiamento climático: Ministério da Fazenda (MF) e Secretaria do Tesouro Nacional (STN) soltaram novo leilão Eco Invest. O objetivo é captar recursos e alavancar até R$ 10 bilhões nessa leva, voltados para recuperação de áreas degradadas em 1 milhão de hectares, nos biomas Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pampa e Pantanal (falamos mais sobre aqui). É perceptível que a dupla vem fazendo boa troca de passes com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), desde 2023, quando do nascimento do Eco Invest. Por mais triangulações assim.

BRASIL

“Reciprocidade” faz Congresso mirar o gato e o peixe ao mesmo tempo

Sabe o ditado de estar com “um olho no peixe e outro no gato”? Foi mais ou menos o que fez o Congresso, ao aprovar a chamada Lei da Reciprocidade, que passa a ditar, desde já, o comportamento brasileiro nas relações comerciais com o mundo. A gente explica: apesar de a motivação de momento envolver uma resposta “de soberania” às aloprações tarifárias de Trump, o texto legal se encaixa intencionalmente para ser utilizado contra a União Europeia, mais precisamente contra medidas no âmbito do Regulamento Europeu Anti-Desmatamento (EUDR). Isso porque a lei brasileira se diz aplicável a qualquer “medida unilateral” com base em requisitos ambientais “mais onerosos do que os parâmetros, as normas e os padrões de proteção ambiental adotados pelo Brasil”. Esse é exatamente o caso da regra europeia para uma série de condutas de exportadores globais (e importadores locais) naquele continente, medida que a Política por Inteiro, em 2024, avaliou como uma oportunidade ao próprio empresariado brasileiro de se fortalecer em padrões de sustentabilidade elevados e, de quebra, acelerar a descarbonização nacional. Ao que parece, ainda não enxergam a oportunidade, ou não estão muito a fim. 

A rapidez com que o projeto de lei foi tramitado, votado, e a lei sancionada, dá a dimensão da leitura política feita pelo Congresso Nacional, cujas Casas abrigam alguns de interesses empresariais sem leitura de mundo contemporâneo, estagnados no século passado. As evidências indicam que a lei encontrou um “pretexto perfeito” (Trump) para funcionar como um infeliz “antídoto” para que mercados mais exigentes em sustentabilidade (União Europeia) aumentem o sarrafo de exigências para o Brasil. Isso abre um precedente perigoso para que, se outros concorrentes pelo mundo avançarem nos padrões de sustentabilidade, o Brasil perca competitividade e estacione nos andares de baixo. Um prejuízo que pode favorecer interesses de poucos particulares a curto prazo, mas jogar contra o interesse público, a curto, médio e longo prazos. 

Na dimensão política, a aprovação da lei significa que Câmara e Senado desperdiçam mais uma chance de demonstrar empenho no enfrentamento à mudança do clima, supostamente uma de suas prioridades institucionais desde que o Pacto pela Transformação Ecológica entre os Três Poderes foi assinado, em agosto de 2024. 

A Lei da Reciprocidade, portanto, transcende a dimensão econômica e deve repercutir negativamente em matéria climática, o que tem potencial suficiente para atrapalhar a trajetória de redução de emissões pretendida com a NDC brasileira. Sobretudo em relação à expansão na produção de commodities, que guardam sérios “problemas de convivência” com os principais setores de emissão nacionais (uso da terra e florestas, agropecuária e energia). 

Acaso nossos parlamentares sabem que, quanto menos se mitiga, mais difícil é se adaptar?

Bom sinal: Cofiex segue se movimentando pelo clima

A Comissão Nacional de Financiamentos Externos (Cofiex), vinculada ao Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO), publicou resoluções autorizando que entes nacionais contraiam empréstimos com objetivos climáticos. Os avais totalizam US$ 730 milhões (mais de R$ 4 bilhões, em cotação atual). Desde janeiro/2024, a Política por Inteiro monitora as aprovações da Cofiex para a questão climática no Brasil. Já chega a quarenta a quantidade de operações de crédito externas (OCEs) liberadas para clima no período, totalizando R$ 47,3 bilhões de margem para empréstimos, um valor quase equivalente ao orçamento para Emendas Parlamentares em 2025. 

A Política por Inteiro preparou uma análise detalhada acerca.

Sinal amarelo: Senado se movimenta para regulamentar mineração em Terras Indígenas 

Um grupo de trabalho para discutir pesquisa e regulamentação da mineração em Terras Indígenas foi criado pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, em abril. O argumento apresentado para sua criação é apresentar uma proposta “tecnicamente fundamentada e livre de contaminações ideológicas”, que deverá culminar em um projeto de lei que regulamente tais atividades. 

A mineração sobre terras indígenas é um tema que vem ganhando espaço na agenda política nacional, frente à crescente demanda por minerais críticos e estratégicos no mundo, especialmente no contexto de transição energética. Recentemente, uma proposta de regulamentação de terras indígenas foi apresentada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, no contexto da Câmara de Conciliação sobre o Marco Temporal. Do ponto de vista climático e ambiental, preocupa a possibilidade de aumento no desmatamento nas TIs, precedente que a regulamentação poderia trazer. Estamos de olho.

MUNDO

Papa Francisco, um diplomata do clima

Em abril, morreu Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco, primeiro latino-americano a se tornar o maior expoente da Igreja Católica no mundo. Jesuíta, escolheu o nome do padroeiro dos animais e da ecologia – São Francisco de Assis – para seu pontificado. O assunto repercutiu fortemente no mundo, não raro entre não-católicos, muitos dos quais admiravam suas mensagens e postura. Francisco foi lembrado pelo compromisso com os pobres e pelas ações pioneiras em defesa da justiça climática. 

Ao elevar a Ecologia em suas mensagens (como a encíclica Laudato si’, em 2015), Francisco chamou atenção para os prejuízos que o consumo desenfreado traz à nossa Casa Comum e, especialmente, aos mais vulneráveis. Em 2022, fez do Estado católico um signatário do Acordo de Paris, com posição de negociador na UNFCCC. Em 2024, anunciou na carta apostólica “Irmão Sol” a transição energética do Vaticano, com sustentação na energia solar. Seu discurso genuíno se espalhou pelo mundo provocando movimentos que aliam fé e ação em prol do clima. 

A Política por Inteiro preparou uma análise especial sobre a trajetória de Francisco enquanto diplomata do clima.

Tabelinha Lula-Guterres e China prometendo NDC abrangente

A Reunião de Líderes sobre Clima e Transição Justa, convocada pelo presidente Lula e pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, buscou engajar países a submeterem suas NDCs. Até o momento, apenas 22 das 196 Partes da UNFCCC enviaram seus compromissos climáticos. Em função dessa “flopada”, o prazo original, esgotado em fevereiro, teve de ser elastecido até setembro. China, União Europeia e representantes dos SIDS (Small Island Developing States, pequenos “estados-ilha” em desenvolvimento, em tradução livre) marcaram presença. Duas das mensagens-chave do evento estiveram na chamada (mais uma!) para que os países desenvolvidos dupliquem o financiamento climático em 2025, e na responsabilidade global em construir um roteiro confiável para alcançar US$ 1,3 trilhão anual para clima até 2035. Esperta na leitura política e no timing, a China aproveitou o ensejo da reunião para anunciar que a NDC do país, maior emissor de gases do efeito estufa no mundo atualmente, abrangerá todos os setores e todos os gases de efeito estufa – ou seja: no “climatiquês”, será economy-wide, o que gera expectativas positivas de analistas em clima e política internacional. Embora a NDC ainda não tenha sido oficialmente apresentada nos registros da Convenção-Quadro do Clima na ONU, espera-se que o movimento chinês seja exemplo a outras potências. Guterres considerou o anúncio “extremamente importante”. A ver.

MONITOR DE DESASTRES

Em abril, o Monitor de Desastres captou 45 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos extremos, que atingiram 233 municípios, um salto de 12,5% em relação à quantidade de municípios envolvidos no mês de março. 

Em termos de comportamento dessas ocorrências, abril foi um “mês gêmeo” a março: Estiagem no Nordeste e no Sul, com Chuvas Intensas de maneira esparsa no restante do país, especialmente no Norte. Inundações e Alagamentos ocorreram de maneira pontual.

TÚNEL DO TEMPO

A edição de abril de 2021 destacava o andamento do Projeto de Lei que se propunha a regulamentar o então chamado Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), de autoria do agora ex-deputado Marcelo Ramos (PL/AM). À época, o projeto até parecia que ia vingar, mas o tempo se encarregou de mostrar que não seria daquela vez. Foi arquivado tempos depois. No entanto, os debates sobre precificação do carbono e estabelecimento de tetos de emissões – que essa e outras iniciativas, independentemente da qualidade, ajudaram a puxar – resultaram na aprovação do marco legal que instituiu o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), no final de 2024. Agora que a lei está em vigor e precisa passar por uma série de regulamentações, coincidentemente no mesmo mês de abril, só que em 2025, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) criou um Grupo de Trabalho sobre Carbono Florestal. O GT tem a função de gerar elementos técnicos para a regulamentação do SBCE, tanto para o mercado regulado, quanto para o mercado voluntário. O mandato mínimo é até abril de 2026, mas pode ser prorrogado sucessivamente, até que cumpra seus objetivos.

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