‘Bad Romance’ é não investir no clima

(O conteúdo que você vai ler a seguir é feito totalmente por humanos, e para humanos)

Cachoeiras de Macacu (RJ) - Vista de antiga área de pasto, à esquerda, reflorestada pelo Projeto Guapiaçu na Fazenda Vital Brazil para restauração da Mata Atlântica. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

No apagar das luzes de abril, os Ministérios da Agricultura e Pecuária (Mapa), Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e da Fazenda (MF), via Secretaria do Tesouro Nacional (STN), trouxeram a público as regras do jogo do 2º leilão do Programa Eco Invest Brasil, o primeiro em 2025. Desta vez, o foco é a recuperação de áreas degradadas nos biomas Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pampa e Pantanal, em apoio ao Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas. A ideia é levantar recursos financeiros públicos e privados – o chamado blended finance – para acelerar e dar escala à recuperação das áreas que perderam vegetação original ao longo das últimas décadas. Na primeira oportunidade, no 2º semestre de 2024, o governo já havia casado quase R$ 7 bilhões ao compromisso de agentes financeiros em agregar, até novembro de 2026, outros R$ 38 bilhões para projetos que se enquadrem nos critérios estabelecidos pelo Eco Invest. Foi considerado “um sucesso”, nas palavras do secretário do Tesouro, Rogério Ceron. 

Agora, a mobilização se volta para um programa capitaneado pelo Mapa – o Caminho Verde Brasil – que, por sua vez, se propõe a colaborar na persecução brasileira à meta de 12 milhões de hectares de recuperação prevista tanto no Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), quanto na NDC verde-e-amarela. O objetivo é alavancar até R$ 10 bilhões nessa leva, e recuperar 1 milhão de hectares de terras degradadas nos biomas mencionados. Amazônia, nas palavras de Ilan Goldfajn, presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) – organismo que é uma das âncoras da parceria – viria em outro momento. 

Mas… Não é só “casar dinheiro”. Há camadas e camadas de desafio operacional para o Eco Invest engrenar. As instituições financeiras, por exemplo, precisarão demonstrar capacidade gerencial e de vazão de recursos; elaboradores de projeto e instituições executoras onde o dinheiro irá aterrissar também precisarão funcionar. É uma engrenagem tão desafiadora quanto essencial para que o país reúna recursos em escala para tirar as metas climáticas do papel. 

Ao longo das últimas décadas, o Brasil acumulou uma lista de romances ruins, que o desviaram de uma corrida para o zero carbono. Alguns deles, tóxicos (literalmente!), ainda persistem, como aquele com o petróleo, outro com o gás… A paixão por pecuária extensiva, monoculturas (que, em tempos de guerras tarifárias pelo mundo, pode gerar ainda mais pressão de desmatamento no Brasil) e garimpo. Haja bad romances! Como sempre há luz no fim do túnel e livramento a quem assim desejar, o Plano Clima e o Plano de Transformação Ecológica constituem o casamento de que o país precisa para encontrar o prumo rumo ao baixo carbono. 

O governo parece já entender que o financiamento climático é o fôlego de que esse casamento precisa para durar. Há poucos dias, o relatório da Política por Inteiro sobre o Orçamento Climático brasileiro para 2025 demonstrou que o país até se esforça para emplacar bons romances, mas ainda apresenta dificuldades em se desvencilhar daqueles casos que, como dizia Maria Bethânia, não têm solução. Ao pôr o Eco Invest adiante, o Estado brasileiro sinaliza que quer esse “caminho de libertação”, de um jeito inteligente: com colaboração de todo mundo. 

E, sim, “Estado brasileiro”, e não “o governo”, já que o Eco Invest evoluiu de Medida Provisória para Lei

Vida longa aos bons romances. 

Bom show da Lady Gaga a quem for. E, antes dele, boa leitura!

TÁ LÁ NO GRÁFICO

A mudança do clima já impacta a salubridade de milhões de trabalhadores ao redor do mundo. O calor extremo enfrentado por aqueles que atuam em ambientes sem refrigeração é mais uma face da crise do clima, lembrando-nos da necessidade de adaptar-nos. Por outro lado, investimentos regenerativos, com foco em mitigação e transição energética, apontam para a criação de novos postos de trabalho, os empregos verdes. Na semana em que se comemora o Dia Internacional do Trabalhador (1º), o Tá Lá no Gráfico mostra como o clima mais quente tem afetado o mundo do trabalho, os efeitos colaterais nas contas públicas – despreparadas para atender às demandas de benefício por afastamento – e perspectivas de criação de novos postos de trabalho em sintonia com a transição justa.

FRASE DA SEMANA

“Não dá pra discutir combate às mudanças climáticas no Brasil sem trazer Sistemas Alimentares pra mesa. 74% das emissões brasileiras e em torno de 22% das emissões globais passam pelo tema.”

Francine Xavier, Mestre em Desenvolvimento Sustentável e diretora do Instituto Comida do Amanhã, organização que apoia a transição para sistemas alimentares sustentáveis, saudáveis e inclusivos, para o podcast “Entrando no Clima”, do portal ((O))Eco. (Foto: Reprodução/LinkedIn).

ABC DO CLIMA

Baixo Carbono: Termo utilizado para qualificar formas de produção, tecnologias e comportamentos que emitam menos gases de efeito estufa do que os padrões mais difundidos após a Revolução Industrial. Quando um processo é tido como sendo “de baixo carbono”, significa que ele passa a depender menos – ou a não depender – de combustíveis fósseis. Um termo similar e com sentido parecido é descarbonização, que também expressa transformar o modo “tradicional” como encaramos o que é desenvolvimento, o que, até a década de 1970, não levava em conta os limites naturais do planeta e as emissões de gases estufa para a atmosfera. Outros termos, como net zero e neutralidade climática – que já foram tema de uma análise visual detalhada feita pela Política por Inteiro – também são mencionados com frequência quando se fala em baixo carbono.

MONITOR DE ATOS PÚBLICOS

Em uma semana mais curta, nosso Monitor de Atos Públicos captou 6 atos relevantes para a política climática. A classe mais frequente da semana foi Regulação, com 4 normas. Já os temas mais captados ficaram distribuídos entre Florestas e Vegetação Nativa e Finanças, com 2 atos cada.

Emergências e financiamento em municípios: questão delicada

Um decreto estabeleceu tratamento diferenciado a municípios em situação de emergência ou estado de calamidade pública em consequência de inundações e enxurradas ou que estejam em cadastro de municípios suscetíveis a esse tipo de eventos, desobrigando-os do alcance de critérios mínimos de que trata a Lei Federal nº. 11.445/2007 (Lei do Saneamento Básico, atualizada em 2020) – para o recebimento de recursos públicos federais e/ou operados por entes da União. Análise do Blog da Política por Inteiro mostra a importância de mecanismos que garantam recursos para municípios vulneráveis a riscos climáticos, mas alerta sobre a necessidade de pactuação de critérios técnicos transparentes com contrapartidas de execução bem delineadas aos impactos desejados.

Um GT para o Plano Safra da Agricultura Familiar 2025-26

Nesta semana, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) instituiu um Grupo de Trabalho para elaborar propostas e monitorar o próximo ciclo do Plano Safra da Agricultura Familiar, que terá início em julho deste ano. Além de 12 representantes do MDA, o GT terá a participação de 16 representantes da sociedade civil. 

O Plano Safra vigente disponibilizou R$ 76 bilhões para apoiar a produção de agricultores familiares, incluindo comunidades quilombolas, indígenas e assentados da reforma agrária. A agricultura familiar tem papel fundamental na adaptação dos sistemas alimentares à mudança do clima e na garantia de segurança alimentar, como reconhecido na Estratégia Nacional de Adaptação. Nesse sentido, os recursos destinados pelo Plano Safra devem ser alinhados às ações que contribuam para que o setor faça o país progredir em adaptação climática.

BRASIL

STF manda União desapropriar terras de criminosos ambientais

A União e os Estados devem desapropriar terras alvos de incêndios florestais ou desmatamento ilegal caso seja provada a responsabilidade dos proprietários nesses crimes ambientais. É a síntese da determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) em duas decisões do ministro Flávio Dino, no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 743, que trata de crimes ambientais perpetrados na Amazônia e no Pantanal. O entendimento do Supremo é de que deverão ser adotadas medidas que impeçam a regularização de terras em que tenham ocorrido crimes ambientais. E o Poder Público também deverá buscar indenização contra os proprietários. 

Na mesma ação, o STF autorizou que os estados continuem a usar sistemas próprios para emitir autorizações para retirada de vegetação (Autorizações de Supressão de Vegetação, as “ASVs”), desde que as informações estejam integradas ao Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor).

O STF dá não apenas respaldo jurídico para que União e Estados atuem com rigor contra crimes ambientais, mas também os empurra nessa direção. É possível que haja reações da minoria de proprietários rurais que responde pela maior parte do desmatamento e dos incêndios no país – e costuma atuar com força em frentes como os Legislativos. Que Executivos federal e estaduais estruturem, a partir do aval da Justiça, respostas sistêmicas para manter a bem sucedida desaceleração das taxas de desmatamento.

O Climainfo trouxe outros detalhes.

MUNDO

Presidência da COP 30 firma parceria com Bloomberg Philanthropies

Em encontro na última terça-feira (29), o presidente da COP30, André Corrêa do Lago, e o enviado especial da ONU para Ambição e Soluções Climáticas, Michael Bloomberg, firmaram uma parceria para consolidar a COP30 como um novo marco de crescimento econômico vinculado ao uso de energias limpas e em soluções resilientes e de baixo carbono. 

A parceria apoiará três grandes objetivos da Presidência da COP: fortalecer o multilateralismo, conectar as negociações climáticas à realidade das pessoas e dos negócios e promover ajustes estruturais para acelerar a implementação do Acordo de Paris, para além da Convenção do Clima. Uma movimentação importante para trazer atores privados e financeiros e subnacionais para o jogo, possibilitando seu envolvimento em grandes desafios multilaterais deste ano, como a submissão de NDCs dos países, e a meta de aumentar o financiamento climático para 1,3 trilhões de dólares anuais até 2035.

Direitos Humanos e Clima na América Latina 

Em seu tradicional informe anual sobre a “Situação dos Direitos Humanos no Mundo 2025”, a organização Anistia Internacional ressaltou a estreita relação entre mudanças climáticas e violações de Direitos Humanos. Ao analisar a situação na América Latina e Caribe, o informe aponta a negligência dos governos da região, ao não atuarem para reduzir os impactos das mudanças climáticas, que afetam especialmente povos indígenas, afrodescendentes e comunidades rurais. O alerta é ainda mais preocupante para a situação dos defensores e defensoras de direitos humanos na região. O Brasil é mencionado no informe, junto do Equador e da Venezuela, por aumentar a exploração de petróleo e a queima de gás, mas também pelas queimadas extremas e pelas inundações ocorridas no Rio Grande do Sul. 

O mundo está de olho, presidente Lula.

MONITOR DE DESASTRES

O Monitor de Desastres captou 7 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos extremos, que alcançaram 17 municípios. Estiagem foi dominante – mais uma vez – na semana, ocorrendo em 14 (82%) dos municípios que decretaram situação de emergência.

Para consultas detalhadas, visite nosso Monitor de Desastres.

Nota explicativa: os dados registrados no Monitor de Desastres referem-se única e exclusivamente às situações de emergência ou calamidade pública reconhecidos oficialmente pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil/MDIC nesta semana. Eventualmente, é possível que desastres ocorridos na mesma semana não sejam contabilizados, dado que o reconhecimento do governo federal leva alguns dias para ser publicado.

TALANOA POR AÍ

O especialista em políticas climáticas Caio Victor Vieira representou a Talanoa no lançamento da plataforma “Así Va La Energia”, um monitor da transição energética justa dos países da América Latina. De iniciativa de uma coalizão de organizações socioambientais liderada pela Transforma Global (Colômbia), a ferramenta indica o avanço em indicadores estratégicos de aferição da transição energética justa em quatro países da região (Brasil, Chile, Colômbia e México): entrada de renováveis, saída dos fósseis, eficiência energética, eliminação de subsídios, investimentos estáveis em transição energética e justiça energética.

O monitor serve ao propósito de identificar oportunidades para melhoria na concepção e avaliação de políticas públicas, bem como do cumprimento das metas de descarbonização. Clique e conheça a plataforma.

TALANOA NA MÍDIA

O Globo Editorial que trata da COP30 traz posicionamento de Natalie Unterstell, presidente da Talanoa.
Folha de S. Paulo Participamos de uma coletiva de imprensa sobre COP30 e comentamos sobre o desafio que a conferência na Amazônia tem de avançar na implementação de antigos acordos.
Valor Econômico Reportagem mostra como a matriz brasileira deve ser mais ambiciosa e atenta a segurança energética, progredindo com renováveis.

Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO

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