A foz da discórdia

Foto: Canva


O indeferimento, pelo presidente do IBAMA, Rodrigo Agostinho, da licença ambiental solicitada pela Petrobras para pesquisas sobre petróleo na bacia da Foz do Amazonas, anunciada nesta semana, é mais do que uma vitória das organizações ambientalistas que se mobilizaram para tentar brecar a perfuração de novos poços. A decisão traz uma sinalização importante sobre a retomada efetiva das atribuições do instituto como órgão que responde, de forma técnica, ao licenciamento ambiental e à autorização de uso dos recursos naturais do país. E traz como reflexo os embates políticos em torno das chaves que devem ser movidas para a descarbonização.  

Agostinho chancelou o parecer técnico produzido por servidores da autarquia e ressaltou a necessidade de “se retomar ações que competem à área ambiental para assegurar a realização de Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) para as bacias sedimentares que ainda não contam com tais estudos e que ainda não possuem exploração de petróleo”. 

O fato foi a gota d’água para que o senador Randolfe Rodrigues, líder do governo Lula no Congresso, deixasse o partido pelo qual se elegeu, o Rede Sustentabilidade, e rompesse com a Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Marina Silva. Pelas redes sociais, Randolfe acusou o MMA de não ouvir a comunidade nem tampouco o governo do Amapá – seu estado de origem. Em contrapartida, há quem diga que ele já foi tarde, uma vez que defender somente royalties não é um ato compatível com a sustentabilidade. 

No Legislativo, senadores retiraram jabutis (trechos sem relação com o tema principal da proposta em discussão) da Medida Provisória (MP) 1.150, sobre o Programa de Regularização Ambiental. Artigos que abriam brechas para redução da proteção à Mata Atlântica haviam sido inseridos no texto pela Câmara dos Deputados. Aprovada no Senado, a MP volta para apreciação dos deputados. 

No Judiciário, no Supremo Tribunal Federal (STF) encerra-se nesta sexta-feira o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) acerca de um decreto editado no Governo Bolsonaro que modificava a composição do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). A ação questiona a falta de representação e paridade de poderes nas votações (com ampla vantagem do Poder Público nas decisões) no órgão. Até o fechamento deste boletim, havia unanimidade no plenário virtual da Corte, com sete ministros acompanhando o voto da relatora Rosa Weber (incluindo Marco Aurélio Mello, que votou antes da aposentadoria), pela aceitação da inconstitucionalidade do decreto. A ministra já havia emitido decisão liminar em dezembro de 2021, suspendendo as atividades do colegiado, conforme relatamos em post à época. Apesar de o decreto já ter sido revogado no início do ano pelo Governo Lula, é uma importante sinalização do Judiciário em favor da pluralidade nos colegiados socioambientais e climáticos.


Retomada do CONAMA

Esse entendimento do Judiciário sobre o Conama como instância de participação da sociedade civil se concilia com os debates na primeira reunião do CONAMA desde dezembro de 2021, ocorrido nesta semana. A nova composição do CONAMA, ainda que mais plural, carece de paridade, e a ministra Marina Silva afirmou que a questão será tratada: “Há uma demanda da sociedade para que haja paridade dos conselheiros, e já está estabelecido que esse será um trabalho do próprio conselho, em suas câmaras técnicas“. As Câmaras Técnicas são instâncias internas de discussão no CONAMA.

Na reunião, foi aprovada a urgência para a proposta de revogação da medida do governo passado que dificultou o cadastro de entidades ambientalistas. Assim, ela poderá ser analisada na próxima reunião.


Nova estratégia da Petrobras

A Petrobras anunciou nesta semana mudanças na estratégia comercial para definição de preços de diesel e gasolina da estatal. Em um anúncio pouco detalhado, a empresa afirmou que serão usadas referências de mercado como: (a) o custo alternativo do cliente, como valor a ser priorizado na precificação, e (b) o valor marginal para a empresa. Sem a divulgação objetiva da estratégia de precificação, não fica claro como os preços deverão responder a oscilações do mercado, principalmente a altas conjunturais externas. É possível que a conta seja fechada com subsídios ou renúncia fiscal, desacelerando nossa descarbonização. Para entender mais, leia o nosso post.


Licenciamento em Terras Indígenas

O Ministério dos Povos Indígenas revogou, junto com o Ibama, a Instrução Normativa Conjunta nº. 1 de 2021, que tratava do processo de licenciamento ambiental para atividades desenvolvidas em Terras Indígenas por organizações indígenas e mistas. Com isso, os processos de licenciamento solicitados por iniciativa de organizações indígenas serão suspensos. Os processos de organizações mistas, indeferidos. Consta na norma que a Funai e o IBAMA devem regulamentar novamente a matéria no prazo de 1 ano. Devido ao impacto negativo da norma nos direitos territoriais dos povos indígenas, o relatório Reconstrução apontou que a revogação desta IN deveria ser imediata. Apesar de efetivada após os 100 primeiros dias de governo, a revogação representa um avanço importante na revisão do estoque normativo destrutivo deixado pelo governo anterior. 


Novo alerta

Segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM), há 98% de chance de, nos próximos 5 anos, serem atingidos níveis recordes de calor. O alerta trouxe ainda que há 66% de chance de ser um aumento de 1,5ºC acima do período pré-industrial, especialmente pela emissão de gases de efeito estufa e do fenômeno El Niño.


Reestruturação governamental

Está em trâmite no Legislativo a Medida Provisória 1.154, que trata da reestruturação da organização do Governo Federal. Dentre as mudanças em jogo, está a permanência da Agência Nacional de Águas (ANA) e do Cadastro Ambiental Rural (CAR) dentro da estrutura do MMA. Sobre o CAR, foi divulgada Nota Pública (e entregue ao relator da matéria na Câmara dos Deputados) na qual organizações defendem a sua permanência na estrutura do MMA. O Instituto Talanoa é signatário da manifestação.


MONITOR DA RECONSTRUÇÃO

Desde o início do novo governo federal, o Monitor de Atos Públicos captou 230 atos relacionados à política climática, destes, 92  tratam de normas que incidem no processo de reconstrução da agenda climática e ambiental brasileira, conforme os caminhos apontados no relatório Reconstrução da Política por Inteiro. A maioria destes atos são decretos e despachos assinados pelo Presidente da República, em segundo lugar estão os atos publicados pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, seguidos dos atos com origem no Ministério dos Povos Indígenas.

MONITOR DE ATOS PÚBLICOS

Nesta semana, o Monitor de Atos Públicos captou 10 normas relevantes no DOU. O tema mais frequente foi Institucional, com 5 atos. A classe mais captada foi Planejamento, com 4 normas, relativas à instituição do Grupo de Trabalho Setorial (no âmbito do MMA/IBAMA/ICMBio/SFB), instituição do Grupo de Trabalho do Programa Gás para Empregar (no âmbito do CNPE), instituição do Comitê de Finanças Sustentáveis Soberanas (no âmbito do Ministério da Fazenda), e a instituição do Conselho de Transparência, Integridade e Combate à Corrupção (vinculado à Controladoria-Geral da União).




MONITOR DE DESASTRES

Nesta semana foram captados 2 atos de reconhecimento de emergência, envolvendo 33 municípios. Os principais eventos registrados foram estiagem e chuvas intensas.

Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO

Equipe Editorial (Liuca Yonaha, Marta Salomon, Melissa Aragão, Ester Athanásio, Marco Vergotti, Renato Tanigawa, Taciana Stec, Wendell Andrade, Daniel Porcel, Caio Victor Vieira, Beatriz Calmon, Rayandra Araújo e Daniela Swiatek).

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