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A Quinta Carta da Presidência da COP30, divulgada nesta terça-feira (12), direciona-se às pessoas. Mais do que convocar um mutirão global no qual todos e todas estão convidados a participar, desta vez a presidência brasileira dedicou esforços para enaltecer o papel de grupos considerados marginalizados na contribuição para soluções contra a emergência climática.
“Somos uma comunidade de povos antes de sermos uma comunidade de nações”, afirma logo no início do texto, lembrando que “ação climática não é apenas um desafio científico ou técnico – é, sobretudo, um desafio humano”. Essa perspectiva dialoga diretamente com o pensamento da liderança indígena, Ailton Krenak, que nos convida a repensar nossa relação com o mundo natural. Para ele, não somos apenas um povo entre muitos, mas parte de um todo maior, que engloba a terra, os rios, as florestas e os animais. Essa conexão profunda é o que define uma comunidade, antes mesmo de qualquer divisão territorial ou política. Afinal, a terra não é só propriedade, é ancestralidade, é um vínculo vivo que mantém a vida pulsando. Ao frisar os aspectos humanos envolvidos, desde a causa do aquecimento global até a superação de suas consequências mais drásticas, o presidente da COP30 faz uma reflexão sobre a natureza e as estratégias empregadas na ação climáticas por meio dos aspectos técnico e científico. Teriam eles se esgotado?
A carta adota um tom narrativo mais sensível (e até poético) do que aqueles vistos nos textos anteriores. Embora a justiça climática e a menção a povos socialmente negligenciados apareçam desde a segunda carta, é nesta quinta carta que a liderança brasileira investe maior espaço e argumentos na construção dos vínculos entre clima e desigualdade social. O maior destaque é a transposição das barreiras do impacto sobre as pessoas, avançando para a nomeação do protagonismo das pessoas no enfrentamento organizado contra a crise climática. As pessoas sempre reagiram às mudanças climáticas, muitas vezes sem nem conhecer o termo. Comunidades tradicionais, povos indígenas e moradores de favelas e comunidades urbanas têm sido essenciais para a conservação e resistência ao longo da história da humanidade. Hoje, eles são os verdadeiros protagonistas da resiliência e da luta pela vida. “Não são vítimas passivas da mudança do clima, mas líderes vivos do cuidado, da resiliência e da regeneração”, afirma.
A partir de um estilo literário mais emotivo, há no texto um aceno à ancestralidade, que conecta o presente ao passado, para sensibilizar e convocar a ação olhando para o futuro: “À medida que a mudança do clima emerge como uma crise global, os vínculos humanos em nível local também emergem como nosso recurso mais poderoso […] É hora de lembrarmos que justiça climática começa com pessoas. Que território não é apenas terra, mas memória, identidade, governança e futuro. Que ancestralidade não é passado, mas uma inteligência que orienta”.
É verdade que as soluções estão com as pessoas, as comunidades e os povos que vivem em conexão direta com seus territórios. Desde que o desenvolvimento sustentável passou a nortear o debate ambiental, cuidar das futuras gerações é um princípio fundamental. Mas essa responsabilidade não é apenas teórica, é uma urgência concreta, o futuro está conectado ao presente e ele já chegou. Está com a gente a bola para resolver o problema e limitar o aquecimento planetário em 1,5ºC. A janela está se fechando – para sensíveis e insensíveis; movidos pela empatia ou mero interesse pessoal. Seja por nós, pelos que vêm ou pela oportunidade de fazer negócios inteligentes, é hora de agir.
A quinta carta da Presidência da COP30 lembra que não haverá transição energética justa sem que desigualdades estruturais sejam enfrentadas e, por isso, as pessoas, que já então na linha de frente, devem estar no centro das decisões. Porque são parte interessada, mas também porque suas ideias são interessantes. A carta assume que “os impactos são sentidos de maneira mais aguda por aqueles já em situação de vulnerabilidade, seja por fatores geográficos, pobreza, gênero, idade, raça, etnia, pertencimento a povos indígenas ou a minorias, nacionalidade ou origem social, nascimento ou deficiência” e que “embora a crise climática tenha impactado de forma desproporcional os menos responsáveis pelo problema, essas pessoas demonstram liderança excepcional”.
A escuta ativa dessas soluções é sinal positivo: Agora é a hora de enfrentar o aquecimento global colocando pessoas no centro da nossa resposta. Agora é a hora de demonstrarmos humanidade – individual e coletivamente. Inspirados por essa visão, o recado final da carta é o agir orientado por escolha e não por imposição do medo. “Para além da dor e do sofrimento, o desafio climático oferece uma oportunidade de evolução”.
Belém é (também) sobre pessoas
Em uma semana decisiva para permanência de Belém enquanto sede da Conferência do Clima em 2025, a carta indiretamente apresenta razões para que as negociações aconteçam na capital paraense. “Trazer a COP30 ao coração da Amazônia significa dar espaço aos vulneráveis e periféricos como líderes genuínos, que tomam decisões corajosas todos os dias e que agora devem ocupar o centro da tomada de decisão global”, argumenta a presidência da COP30, que pretende “fazer de Belém um ritual de passagem para marcar e celebrar com sobriedade a nossa transição para um futuro mais promissor e próspero”.
Se por um lado a centralidade das pessoas, a justiça climática e as desigualdades são razão suficiente para defesa de Belém como cidade-sede da Conferência da ONU, por outro, os mesmos argumentos – sobre centralidade das pessoas e imperativa inclusão das populações mais vulnerabilizadas pela mudança do clima – realça a urgência para que as questões logísticas que assombram a COP na Amazônia brasileira sejam superadas imediatamente. O brilho – e todos os efeitos positivos que uma Conferência do Clima na Amazônia poderiam agregar ao enfrentamento da emergência climática não podem ser apagados por ações abusivas de poucos e falta de liderança e autoridade de outros. Não se trata, portanto, apenas do risco de se alterar o endereço das negociações ou de fatiar o quórum. Excluir países e suas populações vulnerabilizadas; bem como limitar o acesso da sociedade civil é um resultado que a liderança brasileira autora da carta certamente não quer contabilizar. Seria o primeiro degrau para o fracasso. Não só da COP, nem só do Brasil, mas dos esforços pelo clima.
Se a convicção é para “implementação acelerada”; se o mutirão transborda as decisões formais tomadas nas mesas de negociação e a mobilização é para todos e todas, que tenhamos todas as condições favoráveis para que “o encontro onde a autoridade formal caminhe lado a lado da liderança genuína” seja concretizado.
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