
Bonn poderia ser o resumo da terceira carta do presidente da COP30, André Corrêa do Lago. Em tom preparatório para a Conferência da UNFCCC, que ocorre em junho, na Alemanha, o texto lança convocatória aos negociadores, mantendo o tom de mutirão global discutido desde a primeira carta. Dá pra dizer que o embaixador “chamou negociadores pro mutirão”. Mas, diferentemente das mensagens anteriores, quando dizia para “todo mundo vir e trazer o que pudesse para contribuir”, desta vez a mensagem foi mais direcionada. A missão foi além de uma convocação para agir pelo clima para a qual todos e todas foram convidados. O texto sugere que não apenas a emergência climática, mas também o futuro do multilateralismo está nas mãos de quem pode decidir e produzir resultados concretos. “A credibilidade do processo multilateral está nas mãos dos negociadores em Bonn. Convidamos todos os negociadores a atuarem como co-construtores dessa infraestrutura global de confiança. Trabalhando juntos em modo de força-tarefa, os negociadores poderão assegurar avanços significativos no SB62 em junho”, diz a carta.
E os resultados concretos – sustenta – serão vistos na escala mais micro da vida em sociedade. O embaixador brasileiro enfatizou que a diplomacia pode – em regime de urgência – salvar a própria legitimidade à medida em que trouxer soluções para aquilo que chamou de “vida real das pessoas”: a credibilidade das salas de negociação e dos processos diplomáticos será alcançada por meio de resultados práticos, que beneficiem a vida de gente comum que sente na pele que o clima esquentou. “A abstração do nosso trabalho precisa começar a repercutir na experiência concreta. A legitimidade virá da relevância no mundo real e da entrega de resultados. Seria um grande desperdício se o primeiro espaço formal de negociações do ano — os órgãos subsidiários em junho — fosse tomado por procrastinação ou adiamento de decisões. A falta de avanço no cumprimento de mandatos acordados erodirá ainda mais a confiança na capacidade do processo multilateral de produzir os resultados que a humanidade precisa”, argumentou. Com esse chamado, Corrêa do Lago reforça que não temos – nenhum de nós – tempo a perder: os encontros e conversas precisam ser assertivos, ter resolutividade e, sobretudo, partir para o campo da implementação. Quando a agenda é climática, há vida sendo enterrada a cada descrédito diplomático.
O alerta combina bem com as ideias que a presidência da COP já vem defendendo há algum tempo quando sugere reformar os processos da UNFCCC e construir em torno da COP de Belém um ponto de virada da ambição para implementação. Neste sentido, a carta aponta para o movimento de mudança na forma de pensar e de trabalhar e convida os leitores a imaginar um futuro bem sucedido, no qual a agenda de negociação climática seja compreendida como um mecanismo de aceleração do progresso. “Olhando para o futuro, as próximas COPs podem representar uma nova geração de conferências climáticas: não como eventos diplomáticos isolados, mas como plataformas sistêmicas para acelerar resultados, medir o progresso e envolver um ecossistema mais amplo de atores. Elas devem ser concebidas como pontos de convergência – onde a ambição encontra o alinhamento e decisões globais desencadeiam transformações locais”. Um sonho para otimistas, realistas e pessimistas.
No discurso em prol de implementação e resultados concretos, a carta enfatiza que a política climática só funciona quando provoca mudanças na esfera socioeconômica, nomeando – inclusive, o combate à pobreza e a promoção da igualdade social, com olhar atento às populações vulnerabilizadas. “A política climática só será eficaz se promover transformações socioeconômicas. A erradicação e a redução da pobreza, a diminuição das desigualdades dentro dos países e entre eles, a equidade e a justiça para os mais vulneráveis devem embasar todos os fluxos de trabalho e trilhos negociadores nos órgãos da COP. Todas as agendas importam quando o futuro está em jogo”.
Adaptação e transição na mesa
Em termos de agenda de negociação, a carta traz um dos pontos que faltaram nos textos anteriores: a explícita defesa da transição para longe dos combustíveis fósseis (o TAFF estabelecido em Baku). Aliás, se estamos convocando um mutirão global tendo ação e implementação como lemas, o abandono dos fósseis não pode ser preterido. Já o Balanço Global (GST) é abordado como o guia para a missão de conter o aquecimento global em 1.5ºC. “Todos os atores públicos e privados devem cooperar para a plena implementação do Acordo de Paris com base nos resultados do GST. Isso inclui os apelos globais para deter e reverter o desmatamento e a degradação florestal até 2030 e para acelerar a transição energética global. Devemos apoiar uns aos outros para avançar coletivamente nas metas de triplicar a capacidade global de energia renovável, dobrar a taxa média global de melhoria da eficiência energética e promover a transição para o afastamento dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos, de forma justa, ordenada e equitativa”.
Adaptação – que deve ser prioritária na próxima COP – apareceu com força, sendo tratada com centralidade. A necessidade da conclusão das negociações acerca dos indicadores para a Meta Global de Adaptação (GGA) – algo que já propusemos diretamente à presidência da COP – é citada repetidas vezes. “Adaptação, tema central de nossa reunião em junho, é a face visível da resposta global à mudança do clima e um pilar essencial para alinhar a ação climática ao desenvolvimento sustentável. Com espírito de força-tarefa e vontade política, nosso foco será entregar benefícios tangíveis para sociedades, ecossistemas e economias por meio do avanço e da conclusão dos principais mandatos dessa agenda — especialmente o Objetivo Global de Adaptação (GGA) e os Planos Nacionais de Adaptação (NAPs)”, defendeu.
O terceiro documento preenche determinados vazios dos textos anteriores. As cartas da Presidência da COP30 estão estabelecendo um diálogo. Ao analisarmos, destacarmos pontos e os principais sinais políticos, colocarmos o dedo na ferida, apontando aspectos falhos na condução do caminho, pretendemos endereçar mensagens aos tomadores de decisão e provocá-los a agir com olhar engajado, coerente e sobretudo técnico que a política climática exige. Se o diálogo acontecer e esse processo se refletir nas diferentes agendas da COP – negociação, ação e mobilização -, teremos um mutirão global com resultados benéficos a todos nós.