
Sabe dívida antiga? O Estado brasileiro tem, e não são poucas. Não, não estamos falando de dinheiro, mas de compromissos. Em setembro, tratou de saldar algumas. Quatro declaratórias de posse em favor de terras indígenas pra lá, outros quatro reconhecimentos pró-quilombolas para cá… No meio disso, 11 desapropriações para aplacar conflitos e trazer segurança jurídica nos territórios, e esse “pacote” pró-comunidades foi o que mais reluziu em Brasília neste mês.
Assim como quando devemos dinheiro, os compromissos também cobram juros. Eles vêm em forma de conflitos por espaço, demandas de acesso a políticas públicas, ações emergenciais, aumento dos custos orçamentários, pressão constante em órgãos executivos e, claro, custos políticos decorrentes de impasses sociais não resolvidos. O Estado brasileiro funciona mais ou menos como aquela pessoa que, ao final de cada mês, paga o mínimo do cartão de crédito: ela sempre terá uma chance de um dia não dever mais nada a ninguém, mas enquanto esse momento não chega, os juros continuam rolando numa crescente bola de neve.
Até aqui, o governo tem atendido àquelas ligações insistentes de cobrança. São as chamadas respostas, como faz quando dedica recursos para reconstrução pós-tragédia (ex.: caso gaúcho), ou mesmo quando aciona a Força Nacional para contornar conflitos envolvendo indígenas, contra quem o Estado brasileiro já ultrapassou e muito as datas de vencimento de seus débitos. Como sabemos, atender às ligações pode até trazer algum respiro diante do credor, mas não resolve a dívida. Quando o assunto é clima, para quitá-la é preciso investir em mitigação e adaptação na prática. São nessas duas direções que se corre atrás do prejuízo.
Ainda na metáfora financeira, em setembro o governo percebeu o sentido do ditado “o seguro morreu de velho”. O fogo se alastrou pelo país em proporções inesperadas, e sem mecanismos de antecipação do risco, fez as dívidas do governo de uma hora para outra se verem impagáveis dentro do orçamento apertado sob a meta fiscal de déficit zero.
O Supremo Tribunal Federal (STF), como em condições especiais que só se vê de pai pra filho, tratou de decidir que as dívidas contraídas para arcar com esse “imprevisto” de proporções históricas ficariam de fora daquela famigerada planilha de gastos, que nós, meros mortais, conhecemos bem. Mas no caso do devedor Brasil, o STF foi claro nas condições: esse bônus só vai até 31 de dezembro, e só poderá ser gasto com o que for necessário. Supérfluos não serão tolerados, como mais de uma vez frisou a decisão do ministro Flávio Dino. O que o governo fará com esse “aumento do limite do cartão”?
Entendendo a emergência do momento, o governo não esperou nem a fatura fechar para começar a pagar as dívidas com a sociedade que entendeu essenciais. Aliás, anunciou “sete trabalhos” para dar conta de arcar com esse rombo social, ambiental e econômico causado por terceiros, expresso na forma de muito fogo e fumaça Brasil afora. Uma primeira Medida Provisória tratou de irrigar em meio bilhão de reais os ministérios da linha de frente para estancar o caos. Diferentemente da intuição de muita gente, o mais bem aquinhoado deles foi o Ministério da Defesa, que agora tem, novamente com suas Forças Armadas, a chance de mostrar uma eficiência que não se fez presente em 2023, na emergência dos Yanomami, em Roraima.
Mas não acaba aí. Setembro sempre é mês de Assembleia Geral da ONU e, para não correr o risco de ser negativado no “Serasa Internacional” da diplomacia, o governo brasileiro tratou de fazer como manda o figurino: discurso forte para passar compromisso com desafios globais e mensagens firmes para demonstrar que vem fazendo grande esforço para sanar contas sociais, no plano interno.
No entanto, quando os credores são a Natureza e o sistema climático terrestre, ainda é pouco. Para ficar bem na foto, abrindo a casa para receber convidados ilustres no G20, neste ano, e nos BRICS e na COP30, em 2025, será necessário acelerar o ritmo de entregas que deixem o governo “no azul” dentro e fora do país. É uma matemática que influencia também nas contas para 2026 e a inevitável corrida eleitoral.
Em matéria de clima, o Estado brasileiro tem uma grande dívida no meio do caminho, e ela se chama transição energética. E se tem um pedaço desse Estado acostumado a aumentar essa dívida compulsivamente, chama-se setor de Óleo & Gás. Nesse sentido, setembro foi um bom mês para observar e analisar o comportamento da pasta de Energia. No embalo de quem havia fechado agosto lançando uma Política Nacional de Transição Energética sem, no entanto, dar contornos visíveis a essa transição, o Ministério de Minas e Energia (MME) começou e terminou setembro fazendo de conta que não estamos no cheque especial dos limites planetários, com normas que vão da criação de um programa para acelerar a exploração de fósseis até, contraditoriamente, a oficialização de diretrizes para uma dita “descarbonização” dos processos de exploração e produção de óleo & gás.
Como contradição pouca é bobagem, a cereja do bolo foi ver o Brasil sediar (e patrocinar!) a Rio Oil & Gas, uma feira internacional dedicada a fomentar a expansão da exploração de fósseis no planeta, enquanto Lula discursava na ONU prometendo uma meta climática brasileira alinhada à missão 1,5ºC. Dado o fecho contraditório de setembro, foi inevitável pedir emprestado o bordão (e meme) da garota-fã da Xuxa, para perguntar: que política climática é essa?
Setembro mostrou que, sim, é verdade que o governo segue reconhecendo suas dívidas com indígenas, quilombolas, populações tradicionais, biodiversidade e clima, buscando meios para saldá-las progressivamente. Um sinal claro é a redução do desmatamento na Amazônia. No entanto, a “cobrança” do Planeta aponta que o país precisa fazer mais e melhor, porque sobre a conta da não-adaptação correm juros compostos, sem direito a pular parcelas. Resta saber se o Brasil terá bala na agulha para pagar mais do que se endivida, a ponto de um dia sanar suas contas, o que nesse caso equivale a uma Certidão Negativa de Débitos chamada descarbonização com justiça climática.
Ou se deixará a dívida rolar até ser considerado insolvente pelo banco mais importante de todos: a Natureza.
TÁ LÁ NO GRÁFICO
O mês de setembro gerou quatro análises visuais que foram de estiagem a oceano, passando pela péssima qualidade do ar em cidades brasileiras e um raio-X da primeira Medida Provisória do governo para conter o fogo e a fumaça.
MONITOR DE ATOS PÚBLICOS
Em setembro, foram captados 63 atos relevantes para a política climática brasileira. O tema dominante no mês foi Terras e Territórios, com 32normas, levado em parte por uma série de declarações ligadas a desapropriações para reconhecimento de territórios quilombolas e posses permanentes de indígenas no PA e no MT, além de reconhecimentos de comunidades quilombolas no Nordeste e no Sul, e criação de assentamentos no TO e em SC.
Entre as classes, mantém-se o sobe-e-desce. Regulação volta a ser a mais frequente, com 29 das 63 normas. Quase o dobro das de Resposta (15) e o triplo das de Planejamento (11), que havia liderado em agosto. Por esse ângulo, o comportamento de setembro é animador, já que regulação faz mais sentido para que os ciclos de política pública progridam. As demais classes tiveram colaboração residual em setembro.
Em termos de agenda, normas de Governança (31) lideram em setembro, seguidas de Mitigação (24) e Financiamento (6). Um sinal negativo fica para Adaptação, com apenas 2 normas. Esperamos que os próximos meses tragam mais sobre adaptação. O Brasil precisa.
Acesse o Monitor de Atos Públicos e acompanhe diariamente a atualização das medidas relevantes para a política climática nacional.

TOP 3 DESTAQUES DO MÊS
Em ano de Olimpíadas, todo o mundo volta os olhares para Paris. Na Política por Inteiro, nosso pódio olha para o Acordo de Paris. Elegemos como os destaques de setembro três medidas que aproximam o Brasil das metas estipuladas no Acordo, no seguinte pódio:
🥈
Ministério do Meio Ambiente (MMA),
ao emplacar junto à Presidência 9 importantes alterações na regra de infrações e sanções ao meio ambiente no Brasil (Decreto Federal nº. 6.514/2008). Essa reforma na aplicação de multas e sanções tem potencial para endurecer o combate ao crime ambiental no Brasil e, até agora, é a mais transformacional dentre “as Sete Medidas” anunciadas em setembro, pelo Executivo, para responder à crise do fogo no país.
🥇
Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP),
com o “pacote” de declarações como territórios de posse permanente 4 territórios onde estão Terras Indígenas no PA e no MT, quebrando um período de 6 anos sem portarias declaratórias. A última havia sido em 2018, ainda no governo Temer;
🥉
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA),
com o “pacote” de reconhecimentos oficiais de 4 Territórios Quilombolas (TQ), nas regiões S e NE. Um dos reconhecimentos é do TQ de Alcântara/MA, palco de conflitos há 4 décadas, e sobre o qual o Brasil já havia sido denunciado na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Neste mês, o INCRA também criou 2 assentamentos, em SC e TO.
AGENDAS
nota metodológica
Dada a transição do governo federal, a metodologia da POLÍTICA POR INTEIRO passou por uma revisão, na qual foram reformulados temas e classes e inserido mais um nível de sistematização das normas captadas no Diário Oficial da União, relacionado especificamente às agendas de mudança do clima. A partir de agora, os Balanços Mensais contarão com identificações (tags) para cada agenda do clima da qual pertencem as análises.
- “Mitigação”
- “Adaptação”
- “Governança”
- “Financiamento”
O ordenamento territorial foi o destaque da agenda de governança do Brasil em setembro. Seis acionamentos de Força Nacional de Segurança Pública (mais do que um por semana, frequência considerada alta), uma prorrogação do Gabinete de Crise para o caso Guarani-Kaiowá (MS), além da criação de uma iniciativa interna da AGU para enfrentamento de crimes ambientais deram o tom do que foi o 3º mês consecutivo sob o caos do fogo e sem que a comissão especial coordenada pelo STF sobre o marco temporal para terras indígenas tenha superado impasses.
Em compensação, felizmente o STF saiu exitoso em uma conciliação entre indígenas e fazendeiros no Mato Grosso do Sul, avanço que também contou com a colaboração do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e que acende uma luz de esperança na capacidade do Estado brasileiro de encontrar saídas constitucionais para temas urgentes.
Na agenda de mitigação, predominou o avanço na oficialidade de reconhecimentos, declarações e criações de assentamentos. Do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), vieram declarações em favor das terras indígenas Cobra Grande, Maró e Sawré-Muybú, no PA, além de Apiaká do Pontal e Isolados, no MT. Do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), vieram reconhecimentos de comunidades quilombolas no PR, no PI e no MA – com destaque para Alcântara – além de novos assentamentos em SC e no TO. Ainda que pontuais em comparação com o passivo existente, esses atos oficiais merecem ser comemorados em matéria de política climática, já que, como havíamos trazido em agosto, o país atravessa um momento de acirramento das tensões pela terra, dado o contexto de indefinição do chamado marco temporal, que, se mantido, irá repercutir direta e negativamente no reconhecimento de terras indígenas no país.
A segurança jurídica estimulada a partir dos atos do Estado brasileiro deve funcionar como assegurador de direitos às populações tradicionais, as quais, em consequência, colaboram para conservar a biodiversidade que é chave na transformação ecológica do país, além de refrear os efeitos das mudanças climáticas.
Mas o caminho ainda é longo. Vencer o processo de demarcação de terras indígenas no Brasil não é uma tarefa simples. De 2018 para cá, muitos processos se acumulam no MJSP. Os atos de setembro são o início de uma vazão de casos para os quais já há estudos de identificação, laudos antropológicos aprovados e não-contestações de estados e municípios. É somente quando vencidas estas etapas que se podem publicar as portarias declaratórias, que por sua vez destravam a fase de demarcação física pela própria FUNAI. Após a demarcação – e já não havendo mais propriedades privadas na poligonal, o que, quando ocorre, obriga o estado a indenizar e desapropriar – é que vem a chamada homologação de Terra Indígena, seguida de registro na Secretaria de Patrimônio da União, em cartório local e atualização das bases fundiárias. Ainda falta muito, mas como diz o ditado cuja autoria é incerta: “caminhar é a metade de toda ação”. Há sinais de movimento.
O mês de setembro foi fraco em matéria de adaptação. Apenas uma norma e um sinal foram detectados. A norma veio do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) e diz respeito a uma adequação temporária de regras do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) para facilitar a compra de alimentos nos estados de AM, AC e RO, que sofrem com severa estiagem dos rios da região. O sinal também veio do Norte: o DNIT determinou suspensão temporária do tráfego na BR-319 (Manaus-Porto Velho) “até que haja evolução nas cheias dos rios na região”.
O mês também foi acanhado em matéria de financiamento, mas, diferentemente de agosto, que havia trazido sinais ruins, como a SUDAM aprovando financiamento para (mais) uma termelétrica, setembro trouxe sinais positivos: o Programa de Parcerias e Investimentos (PPI) voltou a dar as caras no tema climático, de onde estava sumido desde fevereiro. Foi incorporada uma Unidade de Conservação (Floresta Nacional do Bom Futuro, em Rondônia), além de duas hidrovias – nos rios Madeira e Tocantins, justamente dois dos que mais têm sofrido com a estiagem na Amazônia. A partir de agora, essas áreas estarão na “primeira vitrine” do governo para captar investimentos privados.
O governo tem seus desafios, como garantir integridade e viabilidade que tornem possível celebrar parcerias público-privadas. Em um estado com forte pressão de desmatamento, como historicamente é Rondônia, a Floresta Nacional precisa se manter conservada para desenvolvimento de atividades de manejo florestal, estoque e remoção de carbono, enquanto as hidrovias precisam de que os rios não sequem.
As medidas do governo se mostram acertadas. O PPI poderia ser mais estimulado, já que o desafio da transformação econômica do país pela via ecológica é, também, um dever do setor privado. A profusão de eventos extremos têm indicado que não há como caminhar em direção à descarbonização das atividades humanas investindo no mesmo “tipo” de desenvolvimento que nos trouxe até aqui.
No corre-corre do governo para apagar as chamas e conter a fumaça que tomaram de assalto o país, uma Medida Provisória regulando o socorro da União a estados e municípios para a prevenção e o combate a incêndios entrou em vigor. É uma das respostas emergenciais de Brasília e deve fazer com que os entes federados ganhem confiança para que gastos imediatos sejam reembolsados logo adiante pela União, que deve se mover com novos apoios federativos em outubro, como já sinalizado pelo ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa.
MUNDO
Troika exibe roteiro para a “Missão 1.5º”, mas não anima em Nova York
A Troika do Clima, iniciativa que reúne a presidência das COPs 28, 29 e 30 (Emirados Árabes, Azerbaijão e Brasil), divulgou em setembro três questões-chave que considera essenciais para os países formularem suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC). A ideia do trio era estimular a elaboração de NDCs condizentes com o objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5ºC em relação aos níveis pré-industriais – o que se convencionou chamar “Missão 1,5ºC”. As perguntas norteadoras foram:
- Como sua próxima NDC contribuirá com a meta global de manter alcançáveis o 1,5º e a resiliência global?
- Seu país está progredindo em setores específicos que particularmente apoiam essas metas? Quais condições são necessárias para implementar o novo ciclo de NDCs?
- Como seu país está garantindo ação climática e NDCs inclusivas? Como você está fazendo a próxima rodada de NDCs mais conectada e coerente com planos de desenvolvimento nacionais?
Já no final do mês, em Nova York, no encontro promovido pela Troika, nem ela própria demonstrou sinais fortes de compromisso, o que repercutiu negativamente sobre a capacidade de liderança e persuasão do grupo.
Ainda que o Brasil tenha anunciado o adiantamento da entrega da nova NDC para este ano, não houve qualquer sinal forte ou demonstração de liderança robusta que alavancasse o conjunto de países rumo à escalada de ambição climática. A avaliação geral dos espectadores foi de “mais do mesmo”. Nada novo foi dito, nenhuma convocação foi feita, nada disruptivo foi proposto.
Mas o tempo não pára: os países signatários do Acordo de Paris só têm até o final de fevereiro para depositar oficialmente seus novos compromissos climáticos para os próximos 5 e 10 anos.
China promete mais de US$ 50 bi em investimentos para África
Um encontro do Fórum de Cooperação China-África (FOCAC), realizado a cada três anos entre o gigante asiático e países africanos, trouxe novos posicionamentos chineses no continente, especialmente com relação a investimentos em infraestrutura. O presidente chinês, Xi Jinping, ofereceu a generosa quantia de US$ 51 bilhões para financiar projetos, dentre os quais 30 de energia renovável e tecnologias verdes, no pacote denominado “Ação de Parceria para o Desenvolvimento Verde” entre China e África. O anúncio vem no contexto de aceleração chinesa em transição energética, que agora em 2024 bateu metas de capacidade instalada para energias solar e eólica que estavam programadas apenas para 2030.

Em setembro, foram emitidas 43 normas de reconhecimento de situação de emergência e calamidade pública, atingindo 385 municípios brasileiros. A estiagem dominou o país de Norte a Sul, bastante concentrada nas regiões Norte e Nordeste. A seca, ocorrência ainda mais crítica que a estiagem, ocupou o segundo lugar dos eventos mais registrados neste mês, impactando principalmente os estados de Minas Gerais e Piauí. Os incêndios florestais atingiram 99 municípios, a maioria em Mato Grosso e Rondônia, incluindo as fronteiras agrícolas do Matopiba e da Amacro. Além desses casos extremos, foram registrados diversos episódios de fogo, distribuídos por todo o Brasil. As tempestades e as situações alocadas na classe outros (erosão e movimento de massa) foram registradas de forma muito pontual.

TÚNEL DO TEMPO
Nossa viagem nos leva a setembro de 2020. A análise mensal da Política por Inteiro trazia entre os seus destaques o lançamento da Agenda de Sustentabilidade do Banco Central (BC), que, ao que consta no placar do banco, teve avanço moderado até então. De lá para cá, a influência do BC em medidas pró-agenda climática foi esparsa, com aproximadamente uma dúzia de adequações importantes ao Manual de Crédito Rural (MCR) e, em 2023, seu ponto alto: a Resolução nº. 5.081/23 do Conselho Monetário Nacional (CMN) – órgão superior do Sistema Financeiro brasileiro, do qual o BC é um dos integrantes – estabelece “travas” para a concessão de financiamentos bancários a imóveis rurais inconformes com regras ambientais e territoriais. Pela norma, não pode receber financiamento o imóvel rural sem inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR) ou com CAR suspenso ou cancelado; ou, ainda, imóveis situados dentro de Unidades de Conservação cuja categoria não permita a coexistência com domínios privados – caso dos Parques e das Reservas Biológicas. Agora, prestes a trocar de presidência, o BC terá uma nova possibilidade de reavivar o compromisso com a sustentabilidade e se tornar um player influente para que o Brasil acelere sua trajetória de descarbonização, evitando a marcha à ré em política climática.
TERMÔMETRO DO MÊS
Setembro é um mês que termina mais animador do que agosto, mas inspira preocupações ligadas a movimentos de política energética que não dão match com uma ambição climática alinhada ao transitar para longe de fósseis, do Consenso de Dubai. Se por um lado, a decisão do STF em deixar de fora da meta fiscal os gastos do governo para dar conta da emergência do fogo permitiu irrigar a capacidade operacional do Estado para se fazer mais presente, por outro, o centro de governo não ofereceu resistências e deixou o MME dançar solto na sala, editando normas que ampliam a exploração de petróleo & gás. O patrocínio master da Rio Oil & Gas em plena semana em que o mundo busca fazer da questão climática uma pauta prioritária na mesa da Assembleia Geral da ONU pode ser considerado um requinte de crueldade que denota o desejo do governo de seguir em frente com os fósseis. Esse comportamento naturalmente desmancha qualquer possibilidade de “nota verde” em nosso termômetro mensal.
No campo do estímulo, seguimos sem sinais concretos em temas caros à política climática. Não se ouve nada muito diferente de preocupações com seguro rural pelos lados do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), que deveria estar numa cruzada setorial importante para acelerar a implementação do Plano Agricultura de Baixo Carbono (ABC+). Tampouco temos novidades sobre o Plano Nacional de Desenvolvimento da Bioeconomia (por mais um mês).
A alta frequência de normas de resposta em setembro (o dobro da quantidade do mês anterior) sinaliza que muito do que o governo vem fazendo acaba ficando na conta do correndo para apagar incêndio, expressão que, pelo terceiro mês consecutivo, pode ser entendida tanto no sentido figurado, quanto agora também no sentido literal.
Um outubro em ano par significa um país tomado pelo assunto Eleições, o que tende a esfriar a atividade legislativa, posto que parlamentares dedicam tempo, energia e (muito) dinheiro de emendas para seus redutos eleitorais. O resultado geral após o 1º turno aponta um agudo crescimento dos partidos de centro, situação que deve fortalecer ainda mais o Congresso e “encarecer” a articulação em favor das pautas ansiadas pelo Executivo. Com 2º turno confirmado em 15 capitais, é bom não esperar muitos avanços no Congresso. Inclui-se aí o Projeto de Lei sobre o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE).
É bom lembrar que o tempo passará mais rápido a partir de agora. Em Nova York, Lula anunciou que o Brasil terá sua NDC apresentada ao mundo ainda neste ano. Ainda não há certeza de que as consultas públicas sobre o Plano Clima ocorram de fato neste mês que antecede a próxima COP. Seria uma iniciativa relevante para que o Brasil chegue altivo a Baku. Promover transparência e participação conferem credibilidade à ambição brasileira e ajuda o país a saldar suas dívidas. É necessário também discutir sobre dinheiro de fato, não só nacionalmente, mas de maneira global. E esse debate precisa de resultados concretos na COP 29.
O mundo espera um Brasil que mostre em novembro o quão alta a barra pode ser colocada em 2025.
(O conteúdo desta Análise Mensal é feito totalmente por humanos. E para humanos)