Energia na NDC: como o Brasil pode responder ao Consenso de Dubai?

Energia na NDC: como o Brasil pode responder ao Consenso de Dubai?

Na COP28, que ocorreu em novembro de 2023, 195 países adotaram o Consenso de Dubai, com os resultados do Balanço Global, o Global Stocktake (GST), que avaliou o progresso coletivo no cumprimento das metas do Acordo de Paris. No parágrafo 28 da decisão, há um apelo para que as Partes cumpram determinados esforços globais levando em conta suas diferentes circunstâncias, trajetórias e abordagens nacionais. A partir deste acordo sobre transição energética, o Instituto Talanoa avaliou como o Brasil pode/deve se alinhar a tais medidas:

Triplicar a capacidade de energia renovável a nível mundial e duplicar a taxa média anual global de melhorias na eficiência energética até 2030.

A Agência Internacional de Energia (AIE) publicou dois trabalhos (Net Zero by 2050 – A Roadmap for the Global Energy Sector e COP28 Tripling Renewable Capacity Pledge) recentemente cujas recomendações foram parcialmente incorporadas ao GST. Eles fundamentam a meta de triplicar a capacidade de geração elétrica a partir de fontes renováveis e a de duplicar a taxa de aumento da eficiência energética global.

Essa primeira meta (triple renewable capacity) não faz muito sentido no contexto brasileiro. 

Nossa capacidade de geração (Aneel, Sistema de Informações da Geração da Aneel (SIGA), em 10/08/2024) em operação é de 206 GW. Somada às outorgas emitidas, aumenta para 369 GW. As renováveis em operação representam 84% dessa capacidade e, incluindo as outorgas, passam para quase 90%.

 Tabela 1: Capacidade Instalada

GW operação outorgadas
Capacidade total 206.043 368.799
Renováveis 173.815 84% 329.373 89%
Hídrica 109.866 53% 111.512 30%
Fóssil 30.239 15% 36.086 10%
Biomassa 17.490 8% 19.774 5%
Eólica 31.570 15% 55.441 15%
Solar 14.888 7% 142.647 39%
Nuclear 1.990 1% 3.340 1%

Isso é corroborado pelo forte crescimento das plantas eólicas nos últimos 10 anos e a aceleração da implantação de fazendas fotovoltaicas. O gráfico abaixo mostra o acréscimo de capacidade por fonte desde 2010 (Em 2016 foram inauguradas as grandes hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio que aparecem no grande pico verde. O pico menor em 2012 foi o começo da operação (parcial) de Belo Monte.).

Uma meta desejável para o país seria ter uma geração 100% renovável. Isso seria fundamental para atingir emissão zero.

Sobre a  segunda meta, de dobrar a taxa anual de aumento de eficiência energética, o indicador de eficiência energética para toda a economia é a relação entre o consumo de energia e o PIB (energia consumida por unidade de PIB).

No trabalho sobre net zero, a AIE diz que: “No caminho de emissões líquidas zero apresentado neste relatório, a economia mundial em 2030 é cerca de 40% maior do que hoje, mas usa 7% menos energia. Um grande impulso mundial para aumentar a eficiência energética é uma parte essencial desses esforços, resultando na taxa anual de melhorias de intensidade energética em média de 4% até 2030 – cerca de três vezes a taxa média alcançada nas últimas duas décadas.”

No Brasil, assim como na maioria dos países tropicais, a queima de combustíveis fósseis tem por finalidade produzir calor, principalmente para processos industriais, e para movimentar cargas e pessoas. Usando o consumo total do Balanço Energético Nacional (BEN 2023) e o PIB (IBGE), o aumento da eficiência cresce a uma taxa média de 6,5% ao ano (A Enerdata acompanha este e outros indicadores no mundo todo. Especificamente para a eficiência, ele adota o dólar americano atualizado como moeda. No caso do Brasil, isso faz com que a eficiência tenha permanecido constante ao longo deste século com uma taxa incremental média abaixo de 0,1.) Esta relação caiu exponencialmente ao longo deste século.

Ou seja, já é maior do que a meta proposta pela IEA e indiretamente adotada no GST.

Tanto o parque gerador de calor em indústrias quanto o setor de transporte apresentam uma gama grande de tecnologias, desde as mais avançadas até outras bastante datadas e, portanto, passíveis de melhoria. Por exemplo, a frota de caminhões pesados é formada de motores novos até motores de 20-25 anos de idade e uma taxa de renovação que sofreu pouca variação neste século. O ganho de eficiência, neste caso, depende muito mais da idade média da frota do que de novidades tecnológicas.

Acelerar os esforços no sentido da redução gradual (Phase Out: to gradually discontinue or eliminate it over a set period; Phase Down: to gradually reduce the level or extent of it, rather than eliminating it entirely) da energia a carvão sem controle de emissões;

O Brasil tem poucas grandes térmicas a carvão mineral com uma divisão clara em dois grupos distintos:

  • As antigas em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul queimam o carvão de baixa qualidade e são ineficientes e caras. Apesar da mobilização para fechá-las, há um lobby forte no Congresso que posterga eternamente seu fechamento.

  • As mais novas no Nordeste e Norte importam carvão da Colômbia e tem contratos valendo até 2045 e não costumam fazer parte das campanhas de fechamento em curso.

Há outras 4 menores gerando eletricidade para plantas de alumínio e de metalurgia. Elas representam menos de 10% do parque a carvão. E há uma pequena no Paraná que também resiste apesar de campanhas para fechá-la.

Acelerar os esforços globalmente em direção a sistemas de energia com emissões líquidas zero, utilizando combustíveis de zero e baixo carbono antes ou por volta da metade do século.

No começo do século, os combustíveis fósseis representavam 60% do consumo de energia do país. Nos últimos 4 anos, a relação entre fontes renováveis X fósseis ficou mais equilibrada.

Os principais drivers desta relação são:

a) A hidrologia, já que chuvas abaixo do “normal” implicam no maior despacho das térmicas a combustíveis fósseis. Neste sentido, é possível reduzir o impacto de estações mais secas através de uma mudança no papel das hidrelétricas com reservação, passando a usá-las como se fossem baterias complementando as eólicas e fotovoltaicas. Isso reduziria substancialmente a dependência das térmicas fósseis. É importante frisar que uma mudança dessas requer mudanças importantes em como o setor é regulado, inclusive com implicações importantes para o equilíbrio financeiro do setor elétrico e de seus agentes.

b) O preço internacional do petróleo e do gás natural, que altera a relação dos derivados com os biocombustíveis. O próximo item discute esse ponto.

Transição para longe dos combustíveis fósseis nos sistemas de energia de maneira justa, ordenada e equitativa, acelerando ações nesta década crítica, a fim de alcançar a neutralidade de carbono até 2050, de acordo com a ciência

Reduzir gradativamente a presença dos combustíveis fósseis na matriz energética nacional, até chegar a abandoná-los por completo é, necessariamente, um processo multifacetado com impactos importantes na vida e na economia nacionais. Uma matriz zero fósseis terá que ser baseada fortemente em eletricidade renovável e, em certa medida, biocombustíveis. Há três transições a serem percorridas:

  • A geração de calor, principalmente para a indústria, através de fornos e caldeiras elétricas e/ou a hidrogênio (quando o ponto de uso estiver próximo da produção de H2);

  • O transporte de passageiros através da troca substancial dos modos individuais por um transporte público de qualidade conjuntamente com a eletrificação deste último;

  • O transporte de carga é discutido no item 7, abaixo.


Acelerar tecnologias de baixa e de zero emissão, incluindo, entre outras, energias renováveis, nuclear, tecnologias de mitigação e remoção, como captura e utilização e armazenamento de carbono, particularmente em setores de difícil mitigação, e produção de hidrogênio de baixo carbono;

O Brasil oferece condições quase que únicas no planeta: muito sol, muito vento e, ainda, muita água. Temos, em tese, uma área agricultável e o conhecimento para atingir produtividades que nos permitem zerar completamente o desmatamento em todos os biomas. Diferentemente de países mais isolados energeticamente como Japão e Coreia do Sul, podemos – e devemos – prescindir da energia nuclear. Há um parque importante de indústrias com processos ”hard to abate” e, portanto, precisamos das remoções de CO2 atmosféricos para atingir emissão líquida zero. Mas talvez possamos prescindir de tecnologias caras e ainda não provadas de capturar e armazenar CO2 por muito tempo. Temos um estoque enorme de áreas onde as florestas nativas devam ser restauradas, removendo carbono da atmosfera e armazenando-o na forma de árvores e zeladas para que seu carbono não volte para a atmosfera.

Acelerar e reduzir substancialmente as emissões de outros gases de efeito estufa em todo o mundo, incluindo as emissões de metano até 2030

Nossas emissões de metano vêm dos vazamentos e processos do setor de óleo e gás e da fermentação entérica e da decomposição de dejetos do nosso rebanho de ruminantes. Sua redução, portanto, passa pela transição de dois dos mais fortes setores econômicos do país: petróleo e pecuária. Medidas marginais que reduzam vazamentos e aumentem a eficiência de um lado, e, de outro, que adensem rebanhos e reduzam a idade de abate são importantes, mas não atacam a questão central – precisamos de uma economia de zero emissão de metano.

Acelerar a redução das emissões do transporte rodoviário por meio de uma variedade de abordagens, incluindo o desenvolvimento de infraestrutura e a rápida implantação de veículos de zero e baixa emissão 

O transporte de carga é talvez nosso maior obstáculo. A solução se dará por meio de uma combinação de diferentes estratégias: multiplicação de modais, eletrificação, biocombustíveis e um planejamento logístico de longo prazo. Aqui vale uma observação: associamos gargalos logísticos a caminhões atolados nas estradas amazônicas. No entanto, o grosso da carga transportada circula em torno de SP, RJ e BH e das cidades ao redor. É neste círculo que a questão da carga precisa ser resolvida, pois é nele que a parte importante das emissões ocorrem. É nele que os grandes investimentos precisam ser feitos maximizando a eficiência da transição. As estradas amazônicas podem impactar o preço dos grãos e minérios que nelas transitam e sua relevância para algumas pautas setoriais, mas são pouco relevantes para os esforços de mitigação.

Eliminar o mais rápido possível os subsídios a combustíveis fósseis ineficiente e que não abordam a pobreza energética ou as transições justas

O país subsidiou, entre 2015 e 2023, mais de R$260 bilhões no setor de óleo  e gás. Em 2022, os subsídios diretos ao óleo diesel representaram quase metade do total. Este é um dado importante porque, por mais que esta fração varie anualmente, esse combustível impacta diretamente o transporte de carga e, portanto, a taxa de inflação. Desde há pouco, o GLP também passou a ser diretamente subsidiado. No entanto, há renúncias fiscais que beneficiam apenas empresas do setor criando uma espécie de lock-in fiscal, garantindo a permanência de atividades que, ao longo da transição energética, precisam desaparecer.

Há, ainda, mais de R$1 bilhão para o setor de carvão mineral. O peso deste último na matriz energética mal aparece nas contas e, apesar dos esforços de partes do governo e da sociedade civil, não só se mantém como se garante por décadas pela atuação de um forte lobby no Congresso, integrante da base do sul do país. Contra o argumento do impacto social de se parar atividades carvoeiras, existem estudos demonstrando que a realocação deste subsídio em prol de famílias e de atividades econômicas não carvoeiras nos locais seriam o suficiente para uma transição suave ao longo de mais de uma década. Os únicos verdadeiramente perdedores seriam os empresários do setor e os interesses políticos por eles sustentados.

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