As despesas do governo com o combate aos incêndios na Amazônia e no Pantanal, até 31 de dezembro, ficam de fora do cálculo da meta fiscal de 2024, decidiu nesta semana o ministro do Supremo Tribunal Federal, Flávio Dino. Os gastos emergenciais tornados excepcionais e contabilizados fora do estica-e-puxa do “cobertor curto” do orçamento para alcançar o “déficit zero” (ministros Haddad, Tebet e Esther que o digam) são necessários neste momento, e isso não é um “sinal verde” para o governo gastar a perder de vista, como indicamos em nossa análise sobre a decisão do STF.
Porém, acende-se um alerta: se a emergência climática torna os eventos extremos cada vez mais frequentes e graves, os gastos para respondê-los não podem mais ser tratados como imprevistos e os orçamentos precisam de mecanismos para contemplá-los regularmente.
Planejamento, execução e monitoramento do orçamento público devem incluir protocolos sobre como lidar com as respostas a desastres, que requerem gastos inesperados e urgentes.“A eficiência da resposta pós-desastre depende de regras claras e arranjos institucionais para planejar, mobilizar, alocar e executar recursos financeiros para apoiar a ajuda e a recuperação pós-desastre”, afirma um documento do Banco Mundial.
Governos têm ajustado seus sistemas de resposta a desastres para abarcar os riscos climáticos nos planejamentos orçamentários e lidar com mais agilidade aos eventos extremos. Por exemplo, a Agência Federal de Gestão de Emergências (Fema), dos Estados Unidos, anunciou neste ano mudanças para elevar a eficácia no atendimento às vítimas de desastres climáticos.
Enquanto isso, no Brasil, o Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil (Funcap), criado em 2012, carece de regulamentação, como mostrou reportagem do UOL, em maio. E a recorrência segue sendo tratada como emergência inesperada. Um novo rumo no país pode ser dado com a prometida Autoridade Climática e o estabelecimento do Estatuto Jurídico da Emergência Climática.
Fato é que a decisão do STF vale até o final do ano e, quando a última folhinha do calendário virar, o Brasil já precisará ter uma nova forma de pensar orçamento público. O sinal é claro: não teremos mais o “mundo de antes”. Além dos desafios do mundo real, o Estado brasileiro precisa, desde já, superar um desafio interno, estrutural: refundar a própria forma de pensar política pública e realizar investimentos.
Sabendo disso, dias após a decisão de Dino, Lula pediu nova reunião entre os chefes dos Três Poderes, a segunda em menos de 1 mês (lembra do Pacto pela Transformação Ecológica assinado em 21 de agosto?), para nivelar entendimentos sobre a real situação no país e ouvir, de cada Poder, as contribuições para contornar a crise do fogo e da fumaça que tomou conta do país. Nessa ocasião, o Legislativo se mostrou o único Poder fora de tom: embora Arthur Lira (Câmara) e Rodrigo Pacheco (Senado) tenham dito serem sensíveis a gastos emergenciais para o combate às chamas, ambos estavam alinhados em exigir de Lula empenho para negociar extensão de prazo à entrada em vigor do regulamento europeu anti-desmatamento (EUDR), a partir de 30 de dezembro. O motivo? Fazer o setor agropecuário brasileiro escapar o quanto puder das exigências europeias de cadeias de fornecimento limpas, sempre com a alegação de que estaria havendo “protecionismo mascarado de preocupação climática”. Em clara resposta a Barroso (STF), por frisar que as penas para incendiários hoje, no Brasil, “não tem efeito de dissuasão”, Pacheco chegou a classificar projetos de lei que aumentam a gravidade e as penas para o crime de incêndio – há três já tramitando no Senado – como “populismo legislativo”.
Na vez do Executivo, Lula e ministros anunciaram sete medidas – já alinhadas à decisão de domingo – para ampliar a ação governamental em campo e buscar efetividade no controle de incêndios, além da remediação dos prejuízos que já se impõem. Sobre esse “pacote”, a Política por Inteiro trouxe um resumo analítico.
Na noite da última quarta-feira (18), entrou em vigor uma Medida Provisória (MP) que abre créditos na ordem de R$ 0,5 bilhão para reforçar sete Ministérios. Diante da magnitude do que o Brasil enfrenta, não há dúvidas de que é pouco, e outras MPs deverão sair nos próximos dias, mas as rubricas eleitas já dão uma ideia do que o governo considera prioritário (veja nosso gráfico a seguir).
Segundo o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, o montante destinado nesse “pacote” dependerá, ainda, de conversas com governadores da Amazônia e do Cerrado, que precisam dizer onde dói e apresentar suas demandas. A fala de Rui Costa não deixa de ser uma senha para demonstrar que o compromisso não é somente do governo federal. Resta saber se União, estados e municípios conseguirão compartilhar responsabilidades e meios para superar o desafio do momento.
Enquanto o Brasil não priorizar, na prática, seu federalismo de cooperação, pedra angular sobre a qual a República se organiza, não haverá planejamento que dê conta de colocar o país no trilho da descarbonização e da adaptação climática.
Ou faremos todas e todos, ou nada feito.
TÁ LÁ NO GRÁFICO
Nesta semana, a Medida Provisória nº. 1.258/24 abriu crédito orçamentário de R$ 514,4 milhões para ampliar as ações do governo no combate a incêndios nos biomas Amazônia e Cerrado. Os recursos foram distribuídos em 7 ministérios. Apesar de cada linha de custeio e de investimento ter sua razão de ser no contexto de caos multidimensional enfrentado pelo Brasil – com prejuízos que vão da saúde pública ao risco de inflação, passando pela imagem reputacional do setor agropecuário diante do mundo – é possível perceber algumas disparidades de alocação entre as pastas.
FRASE DA SEMANA
“Aqui nós não tratamos de anunciar o fim do mundo. Aqui nós tratamos de evitar o fim do mundo”
ABC DO CLIMA
Ansiedade Climática – Refere-se ao “medo crônico do colapso climático”. Assim como outras emoções, a ansiedade climática interage com todo o espectro de emoções humanas alterando-as, causando desde elevação dos níveis médios de estresse até síndromes clínicas, tais como depressão, estresse pós-traumático e ideações suicidas. As mudanças do clima geraram uma crise global de saúde mental. A propagação do termo “ansiedade climática” começou em meados de 2010, quando a Associação Americana de Psicologia publicou sobre os “impactos psicossociais das mudanças climáticas, adaptação e estratégias de enfrentamento”.
Diante dos eventos extremos ocorridos nas semanas passadas, inúmeros relatos de aceitação do fim do mundo foram vistos. Mais do que memes virtuais, são uma clara verbalização de sintomas de ansiedade climática. Desistir da vida e de sua melhoria, a dessensibilização da esperança, não é recomendado a nível pessoal e possui efeitos deletérios no campo político.
Enquanto especialistas trabalham para a construção de uma “Taxonomia das Emoções Climáticas”, agir, tanto de forma individual quanto coletiva, contribui para mitigar os efeitos negativos na saúde mental. A ação individual tem demonstrado aumentar o bem-estar subjetivo, ao passo que interações coletivas são mais eficazes do que ações individuais isoladas, pois contribuem para pontos de inflexão sociais que pressionam por mudanças essenciais. Cuide-se, mantenha a esperança, e engaje-se. Afinal, não há lugar para fugir.
MONITOR DE ATOS PÚBLICOS
O Monitor de Atos Públicos captou 23 normas relevantes para a agenda climática entre os dias 16 a 20 de setembro. O tema mais frequente da semana foi Terras e Territórios, devido aos decretos de desapropriação em territórios quilombolas. A classe mais frequente foi Regulação, com 14 atos, puxada pelos decretos de desapropriação e também pela criação de uma RPPN no estado do Rio de Janeiro. Resposta ficou com 6 normas, a maioria em decorrência das ações do executivo a fim de conter os impactos dos incêndios e da estiagem severa nos biomas brasileiros.
AGU propõe ação especializada no combate a ilícitos ambientais
Nesta semana, a Advocacia-Geral da União (AGU) criou, por meio de portaria, um grupo especializado interinstitucional especializado da advocacia pública federal para atuar na responsabilização de ilícitos ambientais não só na esfera penal, mas também cível e administrativa. O grupo também se propõe a cooperar com sistemas de segurança pública estaduais e com a Polícia Federal. O ato se mostra alinhado à orientação governamental de aumentar o cerco a detratores do clima. O grupo, que será coordenado pela Procuradora Nacional para Clima, criada no âmbito da AGU em 2023, se compromete a publicar reportes semestrais de avanço.
Territórios Quilombolas avançam em direitos
Na sexta-feira (20), foram publicados 10 decretos que desapropriam imóveis rurais em áreas declaradas como territórios quilombolas, em seis estados brasileiros. A desapropriação para fins de interesse social é um passo importante no processo de titulação definitiva desses territórios – no mundo jurídico e no mundo real – pois garante os direitos coletivos, fazendo valer o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal. Ele determina que comunidades remanescentes de quilombos devem ter as áreas ocupadas como sendo de “propriedade definitiva”.
Os decretos abrangem áreas nos estados de Rio Grande do Norte, Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina, nas quais se espera uma redução dos conflitos pela posse das terras. Veja outros detalhes em nosso Monitor de Atos Públicos.
No mesmo dia, um decreto reconheceu oficialmente o Território Quilombola de Alcântara, no Maranhão, um caso antigo que se arrastava há pelo menos quatro décadas. Julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por violar direitos das comunidades, o Estado brasileiro chegou a pedir desculpas formais como parte das medidas.
BRASIL
Pior índice de chuvas desde 1950 e horário de verão: qual a relação?
Nesta semana, o CEMADEN informou que o Brasil atravessa seu pior índice pluviométrico desde 1950. A informação foi considerada por autoridades nacionais do setor de energia que, entre outros fundamentos, avalizaram o retorno do horário de verão. A medida visa a reduzir a pressão sobre o sistema elétrico nacional, que tem tido dificuldades em produzir energia hidrelétrica, já que a estiagem compromete o nível dos rios. A redução do volume de chuvas, intensificada pela crise climática, traz ainda um efeito colateral ruim para o clima: para suprir a demanda de energia, o país aciona suas usinas termelétricas, que funcionam à base de carvão mineral ou de gás natural, ambos emissores de gases de efeito estufa.
MUNDO
Discurso de Lula é aguardado na Assembleia Geral da ONU
A poucos dias de ter início a Sessão de Alto Nível da Assembleia Geral da ONU, são grandes as expectativas de que o presidente Lula faça um discurso que coloque o Brasil como um efetivo líder da geopolítica climática global. Para isso, no entanto, precisará abandonar velhas convicções que não se sustentam mais no mundo atual, como o desenvolvimento econômico a todo custo ambiental. Seu discurso em 2023 foi marcado por um apelo justo e necessário sobre a fome e a desigualdade no mundo. Desta vez, dada a nova realidade climática enfrentada em todo o globo, é esperado que Lula se coloque como um líder que enxerga a sinuca de bico em que está o planeta, em linha com sua defesa por um novo multilateralismo no mundo. Sua autoridade virá, sobretudo, de fazer o dever de casa. Sobre isso, a Política por Inteiro preparou uma análise sobre o que está em jogo.
Troika: o roteiro para a Missão 1.5
A Troika, que reúne a presidência das COPs 28, 29 e 30 (Emirados Árabes, Azerbaijão e Brasil), divulgou nesta semana as três questões-chave que devem guiar as discussões do evento de alto nível que promoverá na Assembleia Geral da ONU na próxima quinta-feira (26). No Roteiro para a Missão 1.5, o grupo quer estimular os países a elaborar NDCs condizentes com o objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5ºC em relação aos níveis pré-industriais. As perguntas vão direcionar os debates são:
- Como sua próxima NDC contribuirá com a meta global de manter alcançáveis o 1,5º e a resiliência global?
- Você está progredindo em setores específicos que particularmente apoiam essas metas? Quais condições são necessárias para implementar o novo ciclo de NDCs?
- Como você está garantindo ação climática e NDCs inclusivas? Como você está fazendo a próxima rodada de NDCs mais conectada e coerente com planos de desenvolvimento nacionais?
MONITOR DE DESASTRES
O Monitor de Desastres captou 11 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos extremos, que atingiram 48 municípios. A semana foi marcada pela estiagem, distribuída por todas as regiões, mas com maior frequência no Nordeste. A tipologia incêndios florestais tem reconhecimentos, ainda que em ritmo e volume abaixo do que ocorre no país.
Ainda nesta semana, em função do fogo e da estiagem severos, foi a vez de o estado do Pará decretar situação de emergência em todos os 144 municípios de seu território, que se estendem por 125 milhões de hectares. O governo local também apresentou um plano de combate às chamas, que pelos números parece insuficiente: “24 viaturas, 180 bombeiros e 15 frentes de combate”, disse o governador paraense. A íntegra com detalhes do plano ainda não foi disponibilizada.
TALANOA NA MÍDIA
ClimaInfo | Reportagem sobre financiamento climático cita a Talanoa e Natalie Unterstell, presidente da Instituição |
Nexo Jornal | Mais uma reportagem da série “O Clima e as Eleições Municipais”, uma parceria do Nexo com a Talanoa |
InfoAmazônia | Reportagem cita o monitoramento da Política por Inteiro |
Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO