Uma batalha foi vencida, mas a guerra ainda não acabou. Este foi o sentimento dos milhares de indígenas que acompanharam o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) acerca da chamada “tese” do marco temporal. Por 9 votos a 2, a Corte decidiu que a demarcação de terras dos povos originários não pode considerar a data da promulgação da Constituição Federal (5 de outubro de 1988) como o marco para definição da ocupação tradicional das terras por eles ocupadas.
A tese começou a ser julgada em agosto de 2021 e contraria o fato de que há comunidades nômades e outras tantas que foram retiradas de suas terras. Portanto, estabelecer o marco de 1988 para a demarcação fere os direitos indígenas. O art. 231 da Constituição Federal estabelece que os povos indígenas têm “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. Por meio da ação judicial (Recurso Extraordinário 1017365, com repercussão geral – Tema 1.031), adveio a discussão acerca do que seria considerado como requisito para a ocupação “tradicional”, num caso concreto entre o povo Xokleng e o Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) por conta de reintegração de posse de área parcialmente localizada na Reserva Biológica do Sassafrás.
Outro ponto de destaque é o indicativo feito pelo ministro Dias Toffoli, apoiado pelo ministro Gilmar Mendes, sobre a necessidade de regulamentação da exploração de recursos (hídricos, minerários e hidrocarbonetos) em terras indígenas. A APIB também criticou esse ponto, afirmando que pode representar ameaças aos direitos dos povos originários, não é objeto do julgamento em curso no STF e deve ocorrer em momento posterior, com a devida participação do movimento indígena, por meio de procedimentos de consulta e discussão adequados. Em outras palavras, a discussão deveria ser feita de forma integrada com os povos indígenas, suas representações e conforme sua cultura, costumes e tradições.
A proposta legislativa não trata somente do marco temporal, mas traz outras ameaças para os povos indígenas e a conservação de suas terras – o que ameaça também o papel fundamental desses territórios no equilíbrio climático. O PL propõe, entre outros pontos críticos, dispensar a liberação de atividades altamente impactantes (construção de estradas, hidrelétricas, linhas de transmissão etc) da realização de consulta livre, prévia e informada às comunidades indígenas afetadas.
Outro PL sobre a exploração de recursos em terras indígenas é o PL 191/2020, que está na Câmara. Ele visa “estabelecer as condições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e para o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas e institui a indenização pela restrição do usufruto de terras indígenas”.
Sem dúvida o julgamento realizado na presente semana é uma das maiores decisões do Poder Judiciário brasileiro, que fortalece direitos, diminui desigualdades e traz, sim, um reparo histórico. Contudo, há duras batalhas pela frente, especialmente no âmbito do Poder Legislativo, o qual tem (e provavelmente terá) propostas que atentam contra tais vitórias.
A tese começou a ser julgada em agosto de 2021 e contraria o fato de que há comunidades nômades e outras tantas que foram retiradas de suas terras. Portanto, estabelecer o marco de 1988 para a demarcação fere os direitos indígenas. O art. 231 da Constituição Federal estabelece que os povos indígenas têm “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. Por meio da ação judicial (Recurso Extraordinário 1017365, com repercussão geral – Tema 1.031), adveio a discussão acerca do que seria considerado como requisito para a ocupação “tradicional”, num caso concreto entre o povo Xokleng e o Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) por conta de reintegração de posse de área parcialmente localizada na Reserva Biológica do Sassafrás.
Teoria do fato indígena x Teoria do indigenato
A tese do marco temporal se enquadra na “teoria do fato indígena”, que considera que a data da Constituição de 1988 é o referencial para o reconhecimento das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas. A derrubada da tese no STF nesta semana fortalece a “teoria do indigenato”, segundo a qual há direito originário dos povos indígenas às terras que tradicionalmente ocupam, anterior à criação do Estado brasileiro.O que os ministros do STF ainda vão decidir
Na próxima semana, será retomada a discussão acerca das indenizações àqueles que possuem terras adquiridas de boa-fé em áreas consideradas (ou que venham a ser consideradas) terras indígenas. Há divergência na Corte em torno do tema, a partir de proposta lançada pelo ministro Alexandre de Moraes sobre a possibilidade de indenização prévia da terra nua e benfeitorias aos ocupantes não indígenas que detenham posses comprovadamente adquiridas e mantidas de boa fé. Há críticas de entidades como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), que entende que a indenização não é objeto da ação judicial e, portanto, não deve ser nela discutida. Em nota, a APIB afirma que “a proposta da indenização supõe uma premiação aos invasores ilegais que representam a maioria das propriedades com sobreposição em terras indígenas, portanto, um incentivo à ocupação ilegal de terras paga com dinheiro público”. Essa pertinência da discussão foi debatida no próprio Plenário, pelo ministro Luís Roberto Barroso, que deu indicativos de não ser o momento devido para se debruçar sobre o tema.Outro ponto de destaque é o indicativo feito pelo ministro Dias Toffoli, apoiado pelo ministro Gilmar Mendes, sobre a necessidade de regulamentação da exploração de recursos (hídricos, minerários e hidrocarbonetos) em terras indígenas. A APIB também criticou esse ponto, afirmando que pode representar ameaças aos direitos dos povos originários, não é objeto do julgamento em curso no STF e deve ocorrer em momento posterior, com a devida participação do movimento indígena, por meio de procedimentos de consulta e discussão adequados. Em outras palavras, a discussão deveria ser feita de forma integrada com os povos indígenas, suas representações e conforme sua cultura, costumes e tradições.
A derrubada da tese do marco temporal e a trajetória da nossa descarbonização
O não reconhecimento do marco temporal impacta de forma significativa na trajetória de descarbonização do país, pois amplia-se a possibilidade de demarcação e homologação das terras indígenas ao se retirar uma limitação temporal para que houvesse a comprovada ocupação da área. A expansão das áreas protegidas, que incluem unidades de conservação e terras indígenas, são parte fundamental para efetivação dos cenários de mitigação previstos para esta década. De acordo com o estudo Clima & Desenvolvimento: Visões para o Brasil 2030, o Brasil precisa expandir 17 milhões de hectares, entre UCs e TIs, chegando aos 293 Mha de hectares de áreas protegidas em 2030. Neste ano, com as demarcações realizadas pela atual gestão do governo federal, foram incrementados 612 mil hectares à parcela do território nacional ocupada por terras indígenas. Considerando a meta e o tempo que temos, foi dado um importante passo jurídico no sentido da descarbonização.Batalhas no Congresso
A discussão sobre o marco temporal segue no Poder Legislativo, especialmente na tramitação do Projeto de Lei (PL) 2.903/2023 do Senado (antigo PL 490/2007 da Câmara dos Deputados), cuja votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) está marcada para a próxima quarta-feira (27/09). Foi rejeitada na CCJ a realização de audiência pública sobre o tema, acelerando-se a tramitação. O senador Marcos Rogério (PL/RO) comprometeu-se a solicitar ao presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, a realização de audiência pública no Plenário.A proposta legislativa não trata somente do marco temporal, mas traz outras ameaças para os povos indígenas e a conservação de suas terras – o que ameaça também o papel fundamental desses territórios no equilíbrio climático. O PL propõe, entre outros pontos críticos, dispensar a liberação de atividades altamente impactantes (construção de estradas, hidrelétricas, linhas de transmissão etc) da realização de consulta livre, prévia e informada às comunidades indígenas afetadas.
Outro PL sobre a exploração de recursos em terras indígenas é o PL 191/2020, que está na Câmara. Ele visa “estabelecer as condições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e para o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas e institui a indenização pela restrição do usufruto de terras indígenas”.
Sem dúvida o julgamento realizado na presente semana é uma das maiores decisões do Poder Judiciário brasileiro, que fortalece direitos, diminui desigualdades e traz, sim, um reparo histórico. Contudo, há duras batalhas pela frente, especialmente no âmbito do Poder Legislativo, o qual tem (e provavelmente terá) propostas que atentam contra tais vitórias.