Roteiro Baku-Belém propõe plano de ação global para destravar financiamento climático

Roteiro Baku-Belém propõe plano de ação global para destravar financiamento climático

Versão em Português

|

O Roteiro Baku-Belém envia um sinal inequívoco ao ecossistema financeiro global — que inclui ministérios da Fazenda, bancos multilaterais de desenvolvimento (BMDs), instituições financeiras internacionais (IFIs) e investidores privados e filantrópicos — de que, com ações reforçadas e reformas financeiras, é possível alcançar os US$ 1,3 trilhão da Nova Meta Global Quantificada (NCQG) de Financiamento Climático. Fazer isso acontecer é agora fundamental para preservar a credibilidade do processo da UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima).

Elaborado conjuntamente pelas presidências das COPs de Baku e de Belém, o Roteiro lançado nesta quarta-feira (05) não é um documento mandatório. Isso significa que não impõe obrigações formais às partes da UNFCCC. Em vez disso, funciona como um plano de ação orientativo, apresentando um conjunto de recomendações estratégicas para impulsionar o financiamento climático global.

O Roteiro deve ser adotado e impulsionado na COP30, e traz mensagens políticas claras direcionadas a três grupos-chave:

  1. Governos
    O documento propõe uma expansão significativa do financiamento climático público internacional destinado a países em desenvolvimento, com ênfase em doações e financiamentos altamente concessionais que tenham efeito catalisador e mobilizem recursos adicionais. Também recomenda integrar as prioridades climáticas às políticas fiscais e orçamentárias nacionais, de forma a facilitar investimentos e alinhar esforços com iniciativas como a Coalizão de Ministros das Finanças para a Ação Climática.
  2. Bancos Multilaterais de Desenvolvimento (BMDs) e Instituições Financeiras Internacionais (IFIs)
    O Roteiro conclama essas instituições a priorizarem a redução do custo de capital nos países em desenvolvimento. Para isso, propõe reformas nos marcos de adequação de capital e a ampliação dos fluxos concessionais, além de expandir garantias, mecanismos de compartilhamento de riscos e instrumentos de proteção cambial voltados à energia limpa — em consonância com a Revisão do Marco de Adequação de Capital do G20.
  3. Setor privado e filantrópico
    O documento enfatiza a importância de fortalecer o engajamento em finanças combinadas (blended finance) e fomentar a inovação em instrumentos de adaptação e transição energética, com o objetivo de destravar investimentos em larga escala nos países em desenvolvimento.

DESTAQUES 

  1. O Roteiro descreve como os países desenvolvidos podem fortalecer a previsibilidade do financiamento climático: elaborando um plano de entrega para a meta de US$ 300 bilhões, assumindo novos compromissos públicos de financiamento climático e compartilhando-os em suas próximas comunicações do Artigo 9.5 em 2026. Também sugere que o Secretariado estabeleça um registro para essas informações prospectivas. Essas etapas são fundamentais para reforçar os princípios centrais do Acordo de Paris, especialmente o da CBDR-RC (responsabilidades comuns, porém diferenciadas e capacidades respectivas).

  2. O documento destaca a urgente necessidade de ampliar o financiamento para adaptação, incluindo uma mudança de mentalidade para enxergá-la como investimento econômico estratégico, com fortes retornos de longo prazo. Ressalta oportunidades importantes para o financiamento privado apoiar a adaptação, ao mesmo tempo em que reafirma o papel central do financiamento público, inclusive ao propor uma substituição para o Compromisso de Glasgow, que previa duplicar o financiamento para adaptação.

  3. O Roteiro propõe diversas ações para reduzir o custo de capital, incluindo um passo imediato: agências de classificação de risco devem estabelecer um diálogo estruturado com Ministérios das Finanças para aperfeiçoar metodologias de classificação. Isso é crucial para corrigir riscos mal precificados e garantir que aumentar a ambição climática (como decidir não desenvolver novos campos de petróleo e gás) não impacte negativamente as notas de crédito.

  4. Sobre a transição energética, o Roteiro reconhece a necessidade urgente de reduzir as emissões relacionadas à energia e destaca, com razão, as vantagens de custo e o papel central da expansão das energias renováveis. De forma importante, também reconhece o desafio representado pelos subsídios aos combustíveis fósseis: uma menção bem-vinda que abre espaço para ações mais firmes. A partir disso, as Partes agora têm a oportunidade de se comprometer com um caminho claro para a eliminação gradual desses subsídios, uma etapa crítica para acelerar a transição para longe da dependência fóssil e liberar valiosos recursos públicos. Um redirecionamento gradual e bem planejado dos subsídios aos combustíveis fósseis permitiria mobilizar financiamento doméstico significativo para a ação climática, incluindo a expansão de energia limpa e os esforços de resiliência nos países em desenvolvimento.

  5. O Roteiro também reconhece o potencial das finanças combinadas (blended finance, em inglês) como mecanismo facilitador essencial, descrevendo como o financiamento público internacional pode ser usado de forma mais estratégica para mobilizar capital privado, e não apenas como fonte direta de recursos. Observa que mais de 60% das necessidades de financiamento público dizem respeito a intervenções que reduzem riscos e atraem investidores institucionais, reforçando que alavancar recursos públicos é essencial para fechar a lacuna global de investimentos.

  6. O documento dá grande ênfase ao apoio inicial a tecnologias emergentes como o CCUS (captura, utilização e armazenamento de carbono), com financiamento público. Embora reconheça seu potencial para lidar com emissões industriais difíceis de reduzir, o foco excessivo é preocupante, já que o texto oferece pouca clareza sobre viabilidade, custos e riscos de prolongar o uso de ativos fósseis. Há risco de que essa ênfase desvie recursos de soluções de energia limpa comprovadas, que oferecem impactos climáticos mais rápidos e seguros.

O CAMINHO ADIANTE

Grande parte do contexto e das oportunidades apresentadas já era conhecida. O teste real do Roteiro será sua capacidade de gerar ação concreta: se ele vai além do diagnóstico e oferece um plano crível de implementação e acompanhamento.

Nesse sentido, o Roteiro cumpre seu papel dentro de suas possibilidades. Ele apresenta ações específicas e construtivas para uma ampla gama de atores, desde governos, instituições financeiras, fundos climáticos multilaterais, agências de rating e credores ao setor privado. Também destaca, na Seção III, oportunidades de curto prazo (2 a 3 anos) que podem impulsionar o início da implementação. Esta é a parte mais significativa do relatório, pois representa a maior oportunidade para ação real e acompanhamento.

Os próprios autores – as Presidências do CMA 6 e CMA 7 – fazem um compromisso explícito de acompanhamento, afirmando que convocarão um grupo independente de especialistas e uma série de diálogos em 2026 para impulsionar a implementação. Isso é crucial, pois sem o engajamento dos autores, é improvável que haja continuidade por parte de outros atores.

No entanto, nem o Brasil nem o Azerbaijão podem garantir o acompanhamento sozinhos. Os demais Países-Partes precisam agir na COP30 e endossar explicitamente o Roteiro e sua implementação. Isso começa com integrar suas principais áreas de ação nas avaliações de progresso do NCQG e do próximo GST (Balanço Global), e continua com compromissos concretos de governos, setor privado e instituições financeiras para atuar sobre as recomendações e integrá-las à Agenda de Ação.

CONCLUSÃO

O Roteiro sintetiza de forma competente as principais análises e o pensamento mais recente sobre como ampliar o financiamento climático para economias em desenvolvimento. É especialmente sólido em estratégias para mobilizar capital privado e melhorar a coerência entre bancos multilaterais de desenvolvimento e instituições financeiras. Reconhece apropriadamente, ainda, a lacuna histórica no financiamento da adaptação e o papel central que a COP30 pretende desempenhar ao elevar a adaptação a uma prioridade global.

No entanto, o documento permanece fraco em alguns temas críticos para a agenda climática. Embora reconhecer a reforma dos subsídios aos combustíveis fósseis seja um passo na direção certa, o Roteiro não estabelece expectativas claras quanto a um cronograma de eliminação gradual e atribui uma ênfase desproporcional ao CCUS como principal prioridade de investimento. Isso é preocupante, pois o financiamento público deve ser cuidadosamente protegido para evitar o bloqueio em tecnologias caras que prolongam o uso de combustíveis fósseis. Diversas submissões ressaltaram que a eliminação dos subsídios é uma condição necessária para alinhar o financiamento climático às metas de mitigação; sem essa clareza, o Roteiro corre o risco de enfraquecer os esforços para acelerar a transição rumo a sistemas de energia limpa.

Apesar dessas limitações, o Roteiro é um documento importante, que estabelece um programa de ação robusto para alcançar a meta de US$1,3 trilhão por ano até 2035 em investimentos climáticos nos países em desenvolvimento. Ele deve ser acolhido na COP30, com compromissos claros de implementação e acompanhamento.

O principal desafio do Roteiro é, e sempre foi, sua execução. O compromisso limitado das Presidências da CMA 6 e CMA 7 é relevante, mas insuficiente por si só. O progresso real depende da liderança dos Países-Partes e de outros atores, dentro e fora do processo da UNFCCC. A comunidade internacional mais ampla precisa assumir o bastão. Caso contrário, o Roteiro corre o risco de ser percebido como mais um sinal político vazio, aumentando a turbulência em um momento em que estabilidade e unidade são essenciais para garantir avanços.

A COP30 em Belém é mais do que apenas outra conferência climática: é um teste para o multilateralismo e para a capacidade do sistema internacional de transformar compromissos em ação real. Em um contexto de instabilidade global e crise de confiança nos mecanismos de cooperação, a agenda climática só avançará se demonstrar resultados concretos na vida das pessoas. Isso exige redobrar esforços para alinhar finanças e ação climática. O Roteiro oferece uma oportunidade concreta para isso, e os Países-Partes precisam agir na COP30 para endossá-lo e operacionalizá-lo.

A meta de US$1,3 trilhão é o destino. Agora é a hora de governos, setor privado e instituições financeiras mostrarem que estão dispostos a realizar as ações e reformas necessárias para chegar lá.

Equipe Editorial (Liuca Yonaha, Marta Salomon, Melissa Aragão, Ester Athanásio, Marco Vergotti, Renato Tanigawa, Taciana Stec, Wendell Andrade, Daniel Porcel, Caio Victor Vieira, Beatriz Calmon, Rayandra Araújo e Daniela Swiatek).

Assine nossa newsletter

Compartilhe esse conteúdo

Apoio

Realização

Apoio