Não admirável licenciamento novo

(O conteúdo que você vai ler a seguir é feito totalmente por humanos, e para humanos)

Foto: Canva

Vocês que fazem parte dessa massa, é duro tanto ter que caminhar sabendo que entrará na pauta desta semana, no dia 16 ou 17 de julho, o PL 2159/2021, que altera o licenciamento ambiental no Brasil. Chamado de “Novo Licenciamento Ambiental”, o projeto de lei representa a matriz  de Todas as Boiadas . Com perdão das analogias à composição de Zé Ramalho, se aprovado, o projeto põe em risco as políticas climáticas adotadas até aqui e torna o desafio da adaptação climática ainda mais difícil, enfraquecendo um instrumento de gestão e de previsibilidade tão central, como é o licenciamento.

O PL do Licenciamento Ambiental configura um profundo retrocesso institucional para o Brasil, representando a ruína de mais de quatro décadas de construção da legislação ambiental nacional. Na redação atual, compromete princípios constitucionais basilares da política ambiental e afronta direitos fundamentais, como o acesso à saúde e a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, sem falar na sustentabilidade econômica a longo prazo e a dificuldade do país em honrar com  acordos e instrumentos internacionais, como o Acordo de Paris. Falamos recentemente no assunto, em uma análise no blog, mas não custa frisar o quanto o PL representa um retrocesso claro na agenda ambiental do país. De forma resumida, podemos pontuar:

  1. Enfraquecimento da Governança Climática: O PL promove a perda de institucionalidade, enfraquecendo um instrumento central de gestão e previsibilidade, que é o licenciamento ambiental. Isso dificulta o controle das emissões nacionais e a adaptação climática nos territórios.

  2. Flexibilização Perigosa: A proposta inclui a modalidade de Licença por Adesão e Compromisso (LAC), uma licença autodeclaratória que pode ser emitida sem análise prévia pelo órgão ambiental,  inclusive em áreas públicas e territórios de povos indígenas. Além disso, o texto lista diversas atividades que seriam dispensadas de licenciamento, como o cultivo de espécies agrícolas e a pecuária extensiva, que têm impactos significativos no meio ambiente e na contribuição brasileira nas emissões de GEE. 

  3. Impacto nos Compromissos Internacionais: A aprovação do PL pode impedir o Brasil de cumprir os compromissos assumidos nas Conferências do Clima e da Biodiversidade, afastando o país do desmatamento zero e da restauração dos ecossistemas, o que agravaria os impactos das mudança do clima.

  4. Risco Econômico e Comercial: A flexibilização das normas ambientais pode prejudicar a imagem do Brasil no cenário internacional, dificultando o acesso a mercados exigentes e afastando investidores preocupados com a sustentabilidade e o compliance ambiental. Aliado a isso, temos o aumento da judicialização. 

  5. Desalinhamento com a Ciência: Enquanto o multilateralismo busca  moldar suas normas para sufocar práticas desalinhadas da ciência, o Brasil, com esse PL, estaria indo na direção oposta, o que é contraproducente tanto para a política climática quanto para o desenvolvimento econômico sustentável a médio e longo prazos.

  6. Riscos à Saúde Pública: O licenciamento ambiental também é uma medida de saúde pública que garante que empreendimentos não causem danos à saúde e ao bem-estar das comunidades, principalmente as mais vulneráveis. A flexibilização pode comprometer essa proteção.

Sociedade Civil pede adiamento da votação

Na última semana, nove organizações, entre elas a Talanoa, o Instituto Ethos e o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), entregaram ofício ao presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, requisitando o adiamento da votação do projeto. Durante audiência pública na Câmara dos Deputados, quinta-feira (10), Caio Magri, do Instituto Ethos, defendeu o adiamento da votação. “Dada a sensibilidade, complexidade e importância da matéria e suas implicações, defendemos o adiamento da votação por 90 dias para que se abram diálogos, consultas e audiências públicas buscando maior entendimento sobre medidas que aperfeiçoem o processo de licenciamento ambiental no Brasil sem os retrocessos de leis ambientais que foram conquistadas pela sociedade ao longo de décadas”, disse.  

Vale registrar que o ‘novo’ licenciamento ambiental não é tão novo assim. O tema vem sendo analisado pelo Congresso Nacional desde 2004. O texto aprovado pela Câmara em 2021 foi alterado no Senado e voltou para análise final dos deputados. 

Um dos argumentos de quem defende o projeto atual, o de que haveria mais de 5 mil obras paradas no Brasil por problemas do modelo atual de licenciamento ambiental, é incipiente. Investigação da jornalista Giovana Girardi não encontrou respaldo para o dado que é repetido como um mantra pelos parlamentares ruralistas. Ninguém sabe de onde vem o número. Ainda, na audiência pública da semana passada, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, rebateu o discurso sobre as obras paralisadas serem em razão do licenciamento ambiental. “É muito importante que a gente trabalhe de forma estruturante o país para melhorar a qualidade de projetos e de estudos. Uma grande parte das obras paralisadas do país estão paralisadas por projetos mal feitos. Não é por falta de licença – porque a obra nem é para começar sem licença.”

Na COP30, o Brasil poderá ser percebido sob duas perspectivas distintas: como uma nação comprometida com a ação climática e a promoção da sustentabilidade, ou como um país que está regredindo em suas políticas ambientais. A eventual aprovação do PL do Licenciamento Ambiental, da forma como está, poderá gerar a impressão de que o país adota uma postura mais permissiva em relação à proteção ambiental, o que tende a impactar negativamente sua credibilidade e liderança nas negociações climáticas internacionais, sobretudo em um contexto no qual diversas nações estão reforçando seus marcos regulatórios ambientais para enfrentar a crise climática global.

Equipe Editorial (Liuca Yonaha, Marta Salomon, Melissa Aragão, Ester Athanásio, Marco Vergotti, Renato Tanigawa, Taciana Stec, Wendell Andrade, Daniel Porcel, Caio Victor Vieira, Beatriz Calmon, Rayandra Araújo e Daniela Swiatek).

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