(O conteúdo que você vai ler a seguir é feito totalmente por humanos, e para humanos)

Esta é uma semana difícil. Isso porque, em matéria de política climática, usualmente cada semana costuma trazer um destaque “setorizado”: às vezes, energia; noutras, questões territoriais; outras ainda, movimentos na indústria. Mas agora a coisa está indo longe demais. A bola (fora) da vez é um tema “coringa”, que afeta direta e decisivamente todos os setores, como um strike no boliche: o licenciamento ambiental. Mais precisamente um Projeto de Lei que busca enfraquecê-lo e pode derrubar, em uma só jogada, os pinos que importam para política climática. As movimentações no Senado indicaram, desde a semana passada, que o PL 2159/2021 poderia ser votado em Plenário a qualquer momento, após passar pelas Comissões de Meio Ambiente (aprovado nesta terça-feira) e de Agricultura e Reforma Agrária (em pauta).
O licenciamento ambiental é, antes de tudo, uma medida de saúde pública, que busca trazer garantias a indivíduos, suas famílias e toda coletividade, de que um empreendimento não causará danos aos modos e condições mínimas de nossa existência. A garantia de as cidades terem água para beber para sempre, ou comunidades respirarem um ar minimamente decente e até a própria mesa da sua casa receber um alimento de boa procedência, que não lhe faça mal. É uma sólida engrenagem, consolidada há mais de 40 anos, chamada licenciamento ambiental, que nos garante, por meio de um controle essencialmente técnico, que nos mantenhamos vivos e funcionais em sociedade.
Numa segunda camada, o licenciamento importa ao contexto econômico, uma vez que quando o Estado concede a um empreendedor o direito de explorar algo em algum lugar, há necessariamente uma movimentação na economia local, regional e nacional, cujos efeitos, quando deletérios, precisam ser mitigados e, na impossibilidade, compensados. Entre a proteção de direitos fundamentais ancorada na Constituição e algumas fragilidades (que, sim, existem) na vida real, o licenciamento ambiental estabelece um controle essencial para que nossas vidas caminhem tanto quanto a economia. Ele é, por isso mesmo, uma atividade estatal indelegável, que não solta as mãos da dignidade humana e evita uma “anarquia do capital” em desfavor dos vulneráveis. Nesse caso, todos nós.
Por esses e tantos outros motivos, quando um Projeto de Lei no Congresso Nacional tem como foco enfraquecer o Licenciamento Ambiental no Brasil (nota técnica do Observatório do Clima mostra os principais retrocessos do PL), o sinal para política climática é tão ruim, que todos os alertas possíveis devem soar: ao contrário de fortalecer a governança – e, dessa forma, a política – climática, o projeto em curso a implode. E não se trata de um termo exagerado, é implosão mesmo. É usar a própria institucionalidade, legítima e inerente ao Legislativo, para promover a perda de… institucionalidade! Abrem-se largos flancos tanto para o descontrole nas emissões nacionais, quanto para tornar o desafio da adaptação climática nos territórios ainda mais difícil, dado o enfraquecimento de um instrumento de gestão e de previsibilidade tão central, como é o licenciamento.
Quando observamos a conjuntura internacional, mais um motivo a lamentar: num momento em que uma série de países já assimilou as limitações que a crise climática impõe ao desenvolvimento sustentado ao longo do tempo, levando-os a moldarem suas normas para sufocar práticas desalinhadas da ciência, o Parlamento brasileiro prefere insistir numa flexibilização perigosa, que coloca em risco a própria integridade utilizada pelo nosso empresariado para acessar mercados exigentes. A médio e longo prazos, além de não fazer sentido na conta do clima, faz ainda menos sentido econômico e comercial, flertando pra valer com um compliance às avessas. Que leitura importadores e investidores mundo afora fariam de uma anarquia regulatória no Brasil?
Vale lembrar que, dia desses, o Fórum Econômico Mundial (WEF) – a “sala de comando” do capitalismo global – trazia que 5 entre os 10 principais fatores de risco ao capital, dentro dos próximos 10 anos, estão diretamente ligados a desafios ambientais e climáticos. Quatro deles nos primeiríssimos lugares. Por que cargas d’água nossos parlamentares – que são em boa parte grandes empresários, ou deles representantes – ignoram dados como esses?
“Pra dentro” também. Câmara e Senado ignoram solenemente o Pacto dos Três Poderes pela Transformação Ecológica, celebrado há menos de um ano. Nele, são explícitos, por exemplo, que os Poderes adotarão “medidas para reduzir os impactos diretos de atividades sobre o meio ambiente”, e que “estratégias abrangentes de prevenção, adaptação e mitigação de riscos” devem ser implementadas. Ora, o que é o PL do “Novo” Licenciamento Ambiental senão uma guinada a 180º quanto a esses compromissos? A ideia é criar um licenciamento “reborn”, um simulacro de proteção, seguindo a moda dos bonecos ultrarrealistas que, no fim, são só bonecos? Aliás, como quase tudo que no Brasil recebe o adjetivo “novo”, a proposta só revela o quanto, na verdade, trata-se de uma mentalidade antiga (e, não bastasse, desconexa da Ciência) que afasta o país dos desafios contemporâneos da Humanidade.