Um canal para chegar a Bonn

(O conteúdo que você vai ler a seguir é feito totalmente por humanos, e para humanos)

Cidade do Panamá. Foto: Canva

Na próxima semana, ocorre a primeira Semana Regional de Clima do ano, na Cidade do Panamá. Parte importante do “calendário COP” e, portanto, estratégica para o Brasil, o evento é tido como uma caixa de oportunidades para dar ignição ao mutirão global intentado pela presidência da COP30. Em matéria de negociações pelo clima, cada momento em que o mundo se reúne é uma chance de exercitar diálogos que levem a coletividade global a maiores ambição climática e implementação de ações afins. No Panamá, estarão boas chances de sintonia para as rodadas de Bonn (Alemanha), que já ocorrem logo ali, em menos de um mês, em junho.

O evento não vinha ganhando tantos holofotes, mas as expectativas sobre a semana foram ampliadas após a divulgação da 2ª Carta da Presidência da COP, dias atrás. Nela, o presidente da COP30, André Corrêa do Lago, aponta a semana como um marco importante no caminho até Belém. Lá estarão, além da Presidência das COPs 30 e 29, aproximadamente 112 Partes (“países”) reunidas para pensar formas de avançar na implementação do Acordo de Paris, num cenário geopolítico não tão favorável assim. No Panamá, devem surgir com mais clareza as conexões entre as agendas de negociação, ação e mobilização da COP30, que precisam se entrelaçar até Belém a fim de sairmos de 2025 com uma sólida trama.

Aproximando-se do ponto de partida para o mutirão, a tripulação da “nave COP30” ganhou reforços nesta semana, com o anúncio não de mais quatro ou cinco, mas de 30 integrantes. Os enviados especiais em setores e regiões prioritárias são figuras de notórios conhecimento e representatividade nos temas a que se vinculam, o que deve significar mais pernas (e fôlego!) nas pretensões brasileiras para a Conferência. 

Enquanto diferentes atores são convocados e se apresentam para o mutirão global para lidar com as mudanças climáticas, o Congresso brasileiro dá sinais de que não quer pôr a mão na massa – ou, pelo contrário, pode atrapalhar. Pode ser votado na próxima semana o Projeto de Lei 2159/2021, o chamado PL da Devastação. Sob o pretexto de simplificar o licenciamento ambiental, a proposta acaba com o principal instrumento de proteção às pessoas, ao meio ambiente e também aos negócios no Brasil. Se aprovado, em vez de cumprir sua parte no Pacto dos Três Poderes pela Transformação Ecológica, o Parlamento demonstrará que ignora solenemente o que celebrou há menos de um ano. No pacto, os Poderes se comprometem a adotar “medidas para reduzir os impactos diretos de atividades sobre o meio ambiente”, e que “estratégias abrangentes de prevenção, adaptação e mitigação de riscos” devem ser implementadas. Ora, o que é o PL do “Novo” Licenciamento Ambiental senão uma guinada a 180º quanto a esses compromissos? A ideia é criar um licenciamento “reborn”, um simulacro de proteção, seguindo a moda dos bonecos ultrarrealistas? 

O Brasil que tenta mobilizar um mutirão global; o Brasil que chama de novo suas velhas ideias de desenvolvimento. Caminharemos para frente ou para trás?

Boa leitura!

TÁ LÁ NO GRÁFICO

Na semana dos 137 anos da Lei Áurea, que declarou a abolição da escravidão no Brasil, o Tá Lá no Gráfico aborda o racismo ambiental. A emergência climática agrava desigualdades e injustiças históricas. Populações negras, indígenas e periféricas são mais afetadas por enchentes, secas, ondas de calor e outros eventos intensificados pelas mudanças climáticas. Nossa narrativa visual da semana mostra por que enfrentar a crise climática de forma justa exige letramento sobre as desigualdades que tornam certos corpos e territórios mais vulneráveis aos seus efeitos. Compreender justiça climática, racismo ambiental e adaptação antirracista é fundamental na construção de políticas públicas que transformem realidades historicamente marcadas por essas injustiças. Pois, sabemos, a caneta que aboliu a escravidão há mais de um século não trouxe reparações e compensações necessárias para para pôr fim a desigualdades profundamente arraigadas e que perduram até hoje.

FRASE DA SEMANA

“Não sou só uma parlamentar, sou uma mãe. O Brasil precisa de uma lei de licenciamento ambiental que respeite a Constituição, valorize o conhecimento técnico e esteja à altura dos desafios do nosso tempo: o tempo da emergência climática, da justiça ambiental e do desenvolvimento com equidade.”

Leila “do Vôlei” Barros, senadora pelo Distrito Federal, em discurso contra a aprovação do Projeto de Lei nº. 2.159/2021, que busca fixar um novo (e péssimo) marco para o Licenciamento Ambiental no Brasil. Foto: Bruno Peres/Agência Brasil 

ABC DO CLIMA

Transição Justa: É o processo de transformação da economia e da sociedade para um modelo sustentável e de baixo carbono, garantindo que os benefícios e os custos dessa transição sejam distribuídos de maneira equitativa. Isso significa levar em conta os impactos sociais e econômicos nas comunidades e trabalhadores que podem ser afetados negativamente pela mudança, como aqueles que dependem de indústrias de combustíveis fósseis. A transição justa tem que buscar assegurar que populações vulnerabilizadas não sejam deixadas para trás nas políticas de desenvolvimento nacional, promovendo medidas que ofereçam suporte, requalificação profissional, criação de empregos verdes e proteção social para os trabalhadores e comunidades impactadas. Além disso, a transição justa preconiza enfatizar justiça social, direitos humanos e equidade no planejamento e implementação das ações climáticas. Em resumo, a transição justa visa a garantir que a caminhada para uma economia sustentável seja inclusiva e beneficie a todos, especialmente os mais vulnerabilizados.

MONITOR DE ATOS PÚBLICOS

Nosso Monitor de Atos Públicos captou apenas 4 atos relevantes para política climática nacional nesta semana. A classe mais frequente da semana foi Planejamento, com 2 normas. Já o tema mais frequente, que também ocupou metade dos atos, foi Terras e Territórios, referentes a uma resposta do Ministério da Justiça e Segurança Pública e um planejamento da Câmara Técnica de Destinação e Regularização Fundiária de Terras Públicas Federais Rurais.

Sistema Único de Assistência Social olha para o clima

Nesta semana, o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) (ufa!) emplacou uma resolução que institui a chamada Força de Proteção do Sistema Único de Assistência Social (FORSUAS), uma estratégia de proteção social a famílias e indivíduos que vivenciam situações de emergência variadas, incluindo as derivadas de desastres por extremos climáticos. A proposta de uma “força de proteção” já havia sido trazida por uma outra recente decisão colegiada, que orientou o MDS a instituir a FORSUAS como estratégia. Agora, o Conselho Nacional de Assistência Social a encampou. A FORSUAS passa a existir para realizar, com esforço interfederativo, ações de “preparação, resposta e reconstrução” aos atingidos por emergências e desastres. Seu Comitê de Acompanhamento deve, entre outras atribuições, “promover a discussão e elaborar propostas sobre prevenção, mitigação e adaptação climática no âmbito do SUAS”. O texto normativo parece demonstrar que o MDS está atento à agenda climática do governo, que passa pela montagem do Plano Clima, a ser concluída ainda esse ano.

“The winter fire is coming…”

A exemplo do que o governo já havia feito em norma de agosto de 2024, na última semana, o IBAMA publicou portaria determinando a contratação de “brigadas federais temporárias”, objetivando preparar o Brasil ao enfrentamento de incêndios florestais, quer espontâneos, quer criminosos. A determinação não se limita a estados amazônicos ou pantaneiros, e abrange todas as cinco regiões brasileiras. Embora possa ser vista como uma medida meramente operacional, ao “ligar os pontos”, a Política por Inteiro entende que a norma é bem mais relevante do que seu texto pode expressar, já que é parte de um movimento mais amplo da Administração Federal, que vem buscando rever dispositivos legais e infralegais sobre fogo, que não dialogam mais com a nova realidade climática. Infelizmente, o Legislativo não parece tratar o tema com o mesmo grau de prioridade, como a Política por Inteiro aprofundou em uma análise, publicada nesta semana.

Acionamentos da Força Nacional vão caminhando para recorde em 2025

De 1º de janeiro até agora (14/05), já são 26 acionamentos da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP), para diferentes regiões do país. No mesmo período, em 2023 e em 2024, haviam sido contabilizados 20 e 18 acionamentos, respectivamente. Ao todo, 2023 e 2024 fecharam com 71 e 66 acionamentos. Mantida a proporção atual, 2025 caminha para um recorde. Os números indicam urgência para a gestão de conflitos territoriais e para o combate a crimes ambientais. 

Nesta semana, foi a vez da Terra Indígena Guarita, no Rio Grande do Sul, receber o efetivo da FNSP. Acontece que, desde 2023, já é a 6ª designação de FNSP para a mesma área, indicando que a situação conflituosa recebe apenas cuidados paliativos, longe, portanto, de soluções aos impasses locais. 

A falta de resolução de questões fundiárias envolvendo terras indígenas – que em muitos casos poderia ser superada com a aceleração dos processos de declaração, homologação e regularização de TIs – vem sendo uma fragilidade a limitar a governança territorial necessária para a efetividade da política climática.

De 2023 para cá, impasses envolvendo posse e domínio de terras vêm apresentando resultados importantes, como em MA, MS e PA. No entanto, o déficit histórico brasileiro em matéria fundiária é extenso e precisará de ritmo e, principalmente, de continuidade nos próximos anos.

A Política por Inteiro tem uma análise infográfica que explica o emprego da Força Nacional.

BRASIL

Os 30 da COP30

No último dia 14/05, a presidência da COP30 finalmente anunciou os nomes dos enviados especiais, por temas, para a Conferência. O número surpreendeu, mas positivamente. Entre referências brasileiras e internacionais, a lista tem nomes de notório saber em seus temas “de mandato” e as nomeações significam fôlego para que clima ganhe ainda mais espaço em variados segmentos. A presidência da COP30 trata os enviados especiais como “caixas de ressonância”, tanto para levar mensagens que incentivem a ação conjunta pelo clima, quanto para ouvir múltiplos segmentos econômicos e sociais. 

Seguindo o espírito de mutirão pedido por André Corrêa do Lago na primeira carta da presidência da COP30 ao planeta, não deve faltar construção a muitas mãos. E pernas durante a jornada.

Licenciamento antiambiental

Nesta semana, aumentaram as movimentações no Senado Federal em torno do Projeto de Lei 2.159/2021 que propõe a nova lei geral do licenciamento ambiental, conhecido também como PL da Devastação. Apesar de estar ancorado na narrativa de simplificar e agilizar os processos de licenciamento estabelecidos em 2011, na prática o texto ignora a emergência climática, fragiliza a preservação de áreas sensíveis e coloca povos e comunidades tradicionais em risco. O licenciamento ambiental é o principal instrumento para proteger não apenas o meio ambiente, mas a saúde e a segurança das pessoas. Ou seja, vidas. E também o patrimônio, não apenas dos cidadãos, mas também de empresas. Destruí-lo sob a falácia da simplificação é um retrocesso, justamente num momento em que estamos discutindo como avançar em incluir critérios climáticos para proteger pessoas, ecossistemas e negócios.

Além de inúmeros retrocessos propostos, como o enfraquecimento do Conama e de outros arranjos federativos importantes para o controle ambiental, o PL não prevê a incorporação da avaliação de riscos climáticos para os empreendimentos a serem licenciados, deixando a tomada de decisão desconectada do impacto da mudança do clima, tanto em grandes obras de infraestrutura quanto nas atividades potencialmente poluidoras.

O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima se manifestou via Nota Técnica, em que destaca a inconstitucionalidade do texto e a insegurança jurídica que a lei vai gerar, caso seja aprovada da maneira que está hoje

Organizações da Sociedade Civil vêm se mobilizando, a fim de garantir um debate amplo e transparente com a sociedade, antes que o PL vá para plenário. A proposta está na pauta da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) na próxima terça-feira e pode ir para votação na sequência. Leia mais na análise no Blog da Política por Inteiro.

MUNDO

Menos é mais: Mujica é lembrete sobre abismo que exploração de recursos naturais cava

A semana de despedida de Pepe Mujica trouxe a oportunidade de lembrar da vida e dos ideais do líder político latinoamericano. O floricultor e ex-presidente do Uruguai costumava chamar atenção por sua opção pela vida simples e sóbria, em contraste ao consumismo e à ostentação que condenava. Para ele, a concentração de riqueza e o estímulo ao insaciável desejo pelo supérfluo andavam de mãos dadas com a devastação ambiental. Na ordem da ação política, criticava o fracasso frente aos antigos e repetidos alertas do campo científico sobre aquecimento global e, por repetidas vezes, sentenciou que a crise era – também – de capacidade de resolução política.

Brasil e China assinam acordo para restauração de florestas

A visita do governo federal à China rendeu diversos frutos, inclusive para a cooperação climática. Na terça-feira (13), compromissos foram assinados com foco na restauração vegetal e na captura de carbono. A partir desse acordo, assinado entre o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e a Administração Nacional de Florestas e Pastagens da China (NFGA), os países devem compartilhar experiências com base na transferência de tecnologias para avançar em suas estratégias de restauração florestal e recuperação de terras degradadas.

CBA 19 ocorre em meio a chuvas no Recife 

A 19ª Conferência Internacional sobre Adaptação às Mudanças Climáticas Baseada em Comunidades se encerrou na última sexta-feira, 16, em meio às fortes chuvas na cidade do Recife, uma das cidades mais vulneráveis ao aumento do nível do mar. Foi a primeira vez que o evento foi sediado na América Latina. A conferência tem como proposta lançar luz sobre soluções de adaptação lideradas a nível local e comunitário. A mensagem final do evento destacou a profunda preocupação da comunidade com a falta de progresso em incorporar, de forma sistemática, as vozes locais na ação climática no âmbito da COP 30 e da UNFCCC.

MONITOR DE DESASTRES

O Monitor de Desastres captou 9 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos extremos, que alcançaram 58 municípios. Estiagem liderou a semana com folga, especialmente no Rio Grande do Sul. O município de Candiota/RS, conhecido como “a capital nacional do carvão mineral”, está entre os atingidos. Não deixa de ser um sinal de para onde estamos todos caminhando. Enquanto isso, a ciência e os fatos seguem fazendo alertas.

Para consultas detalhadas, visite nosso Monitor de Desastres.

Nota explicativa: os dados registrados no Monitor de Desastres referem-se única e exclusivamente às situações de emergência ou calamidade pública reconhecidos oficialmente pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil/MDIC nesta semana. Eventualmente, é possível que desastres ocorridos na mesma semana não sejam contabilizados, dado que o reconhecimento do governo federal leva alguns dias para ser publicado.

TALANOA POR AÍ

O especialista em Políticas Climáticas da Talanoa Caio Victor Vieira participou de um encontro estratégico sobre o Programa de Trabalho de Transição Justa (JTWP). O debate ocorreu em Brasília na terça-feira (13) e reuniu o negociador brasileiro Leonardo Santos (Itamaraty), Ana Paula (MMA) e representantes de outras organizações da sociedade civil, como LACLIMA, Geledés, Plataforma CIPÓ, Mapinguari, Comitê COP30, WWF Brasil, UnB e Instituto E+. A reunião discutiu a necessidade de formulação de propostas concretas para fortalecer o programa e as possibilidades negociais de inserir uma abordagem direta no que tange a transição para longe dos fósseis e suas consequências socioeconômicas.

TALANOA NA MÍDIA

GloboNewsA presidente da Talanoa, Natalie Unterstell, foi convidada do programa Cidades e Soluções, conduzido pelo jornalista André Trigueiro. Em formato de debate, a entrevista discutiu os principais desafios para que a COP30 seja bem-sucedida.
Folha de S. PauloA falta de investimento em políticas de Adaptação Climática em contraste com prejuízos causados por eventos extremos foi assunto de reportagem do jornal Folha de S. Paulo.
Arco43A especialista em políticas climáticas Taciana Stec participou do podcast Arco43, quando debateu projetos escolares que contribuem no enfrentamento às mudanças climáticas.
TV RecordO especialista em políticas climáticas para a Amazônia, Wendell Andrade, fala da importância de se aplicar visão sistêmica, no contexto de um projeto de Lei para instalação de eletropostos de recarga veicular, no Pará.

Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO

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