(O conteúdo que você vai ler a seguir é feito totalmente por humanos, e para humanos)
- Introdução
- Tá Lá no Gráfico
- Monitor de Atos Públicos
- Agendas
> Governança
> Mitigação
> Adaptação
> Financiamento - Destaques do Mês
👎 Atravessou o samba!
👍 Tá afinado! - Brasil
> Mulheres na política climática: dias de luta, dias de luta - Mundo
> Rios de lágrimas (e petróleo!)
> Dinheiro indo pelo canhão - Monitor de Desastres
- Túnel do Tempo
Dia desses o embaixador André Corrêa do Lago tornava pública a primeira carta oficial da Presidência da 30ª Conferência da ONU sobre Clima (COP30). O tom foi de cooperação, invocando, em um dos pontos altos, algo essencialmente brasileiro para resolver a agenda climática: um mutirão. A chamada para uma ação coletiva, feita por Corrêa do Lago, reverberou bem internacionalmente, elevou a expectativa quanto ao êxito da COP em Belém, e fez até a palavra mutirão – ou mutirau, miutirón e variantes nos mais diferentes sotaques – circular na boca dos estrangeiros.
No texto, o presidente da COP30 deu pistas sobre a ambição brasileira em fazer a “Conferência da Implementação”, trouxe adaptação para a conversa e marcou a relevância do financiamento. O comunicado foi bem recebido, ainda que a ausência de referências ao racismo ambiental e ao protagonismo dos povos originários na defesa da floresta e no enfrentamento à emergência climática tenha provocado justas críticas pela exclusão de grupos e minorias. O próprio Corrêa do Lago reconheceu o ponto em participação no programa Roda Viva, dias depois.
Em Brasília, sinais importantes. A Medida Provisória nº. 1.276/2024, que flexibiliza regras para a prevenção e o combate aos incêndios florestais, ganhou sobrevida pelas mãos do Congresso Nacional. Ligado no timing e na leitura política de Brasília, o Comif (Comitê Nacional de Manejo Integrado do Fogo) trouxe um pacote de recomendações, dentre as quais a de fazer a MP virar lei. Eis aí uma boa chance – entre tantas – que o Legislativo tem para fazer parte do mutirão estimulado pela Presidência da COP.
A política energética também emitiu sinais. O Conselho Nacional (CNPE) até se pronunciou positivamente, ao atualizar uma resolução de 2021 para incluir, entre os temas prioritários a receberem investimentos para pesquisa, desenvolvimento e inovação (o chamado “P, D & I”) a eficiência energética, a energia eólica, a redução de emissões por metano e a captura de carbono, assim como a recuperação energética de biogás de resíduos. Destaque para este último, que pode ajudar bastante o país a resolver o velho problema brasileiro de não saber o que fazer com “o que sobra” após o uso de materiais. A ver se a recauchutagem da resolução se traduzirá em cifras para P, D & I nessas áreas. Também deu tempo de o CNPE declarar intenção formal de que o Brasil participe de organizações de cooperação internacional na área de energia, como a Agência Internacional de Energia (AIE) e a Agência Internacional para Energias Renováveis (IRENA). Ainda, o comitê técnico do chamado Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten) finalmente foi criado.
Março também foi o mês das chamadas agendas regulatórias. A do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) já havia sido lançada no finalzinho de fevereiro, e as semanas seguintes trouxeram as agendas de Ministério do Desenvolvimento Agrário (2025-26), do Ministério de Minas e Energia (2025-27), Ministério da Saúde (2024-27), além do Comitê Gestor de Indicadores e Níveis de Eficiência Energética (CGIEE, também para 2025-27). Essas agendas são peças de planejamento, relevantes por expressarem o que é prioritário para cada área do governo em termos de regulamentações e atos normativos em geral, o que no fim do dia significa para onde a institucionalidade brasileira quer caminhar.
O MME, por exemplo, revelou céus e infernos para clima: vai mirar a regulamentação do Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação (ProBioQAV), a regulamentação do Programa Nacional de Diesel Verde (PNDV), medidas acertadas e importantes; mas também o escancaramento das políticas de exploração e produção (o tal “E & P”) de gás (fóssil) e a oferta de blocos de petróleo a serem incluídos no Sistema de Oferta Permanente da ANP, um show de “vamos explorar até a última gota”. O MME está tão imbuído desse compromisso que chegou a incluir, entre suas prioridades, a “definição de diretrizes para eventual dispensa de aplicação” da chamada Avaliação Ambiental de Áreas Sedimentares (AAAS), um dos estudos técnicos pautados pelo IBAMA para determinar se há (ou não) viabilidade de exploração de óleo no caso da Foz do Amazonas, e que tem gerado furor no ministério nos últimos meses. Nesse tópico, a leitura a ser feita é algo como: “não quero nem saber se pode ou se não pode, quero fazer e ponto”.
Boa leitura!
Tá Lá no Gráfico
Monitor de Atos Públicos
Em março, foram captadas 44 normas relevantes para a política climática brasileira, o tema mais frequente foi Terras e Territórios, com 17 atos, representando mais de 1/3 das normas deste mês. Grande parte resultado da criação de projetos de assentamentos, encabeçados pelo Incra. Em seguida, Energia ficou com 7 atos, incluindo a publicação da Agenda Regulatória do MME e a instituição do Comitê Técnico do Programa de Aceleração da Transição Energética (CT Paten). Por fim, o tema Institucional apresentou 6 atos, destaque para a criação da Presidência da COP30, no âmbito do Gabinete do Presidente da República.
Já a classe mais captada foi Planejamento, com 19 atos, seguida de perto por Regulação, com 18. Em terceiro lugar ficou a classe Resposta, com 5 normas. Em Planejamento destaque para as recomendações inéditas do Comitê Nacional de Manejo Integrado do Fogo e a instalação do Comitê Gestor do Programa Nacional de Florestas Produtivas. As normas de Resposta se concentraram no emprego da Força Nacional de Segurança em conflitos em Terras Indígenas na Amazônia e no Pantanal.
Agendas
Governança
Se em janeiro o governo brasileiro anunciou oficialmente o nome do presidente da COP30, em março foi a vez de ser oficialmente criada a estrutura da Presidência da COP, albergada dentro da Presidência da República. A estrutura vigora até 1º de dezembro de 2026, considerando que mesmo após o fim da COP30, os compromissos não cessam, incluindo o processo de “passagem de bastão” à próxima sede. Levou um tempo, mas agora é pra valer.
Por falar em COP30, até o Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar (MDA) se movimentou nesse sentido: criou um grupo de trabalho específico para a Conferência. Seria interessante ver os demais ministérios e órgãos também se organizando oficialmente para tal. Afinal, a COP30 é processo, e já começou.
Um outro sinal de governança considerado relevante veio das bandas do Ministério da Saúde (MS), que lançou seu Planejamento Estratégico até 2027. Um de seus objetivos gerais é ampliar e qualificar a capacidade de enfrentamento às emergências e desastres, indicando que o ministério compreende que a questão climática seguirá demandando mais do orçamento nacional. Ainda que pontual, a constatação é a de que a resposta a eventos extremos está angariando outras pastas importantes, que não apenas o MMA ou o MIDR, como vinha sendo, historicamente.
O mês também foi importante para a criação de comitês gestores de políticas que dialogam com clima, a exemplo do CG do Programa Nacional de Florestas Produtivas (MDA) e do Programa Selo Amazônia (MDIC). Agora é pisar no acelerador, comitês.
Mitigação
Para além do que já trouxemos sobre a MP 1.276 e a sagacidade do COMIF (confira a seção “Tá Afinado!”), os atos vinculados à agenda de mitigação neste mês tiveram como destaque o setor de terras. O Incra, que lançou seu Caderno de Metas 2025 também em março, já começou assinalando dez pontos: uma dezena de assentamentos criados, de norte a sul do país. Até o último dia do ano, o instituto se compromete a criar, ao todo, 258 projetos de assentamento, o que deve reduzir o passivo histórico de área para produzir conservando e, ao mesmo tempo, ampliar a governança fundiária, da qual a política climática também depende. Naturalmente que o grande trabalho vem em seguida, com a estruturação dos assentamentos, que precisam de crédito, assistência técnica e segurança jurídica e institucional para seguirem adiante, sendo solução, e não problema.
Adaptação
À parte a abertura, para consulta pública, dos 16 planos setoriais de Adaptação Climática, na plataforma Brasil Participativo, os sinais para adaptação em março foram escassos. De relevante mesmo, a criação do Comitê Permanente de Calamidades Públicas e Emergências, vinculado ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS). O comitê tem caráter consultivo e “mão na massa”, e assumiu, entre mais de uma dúzia de tarefas, a de acompanhar e monitorar o Plano Clima no que diz respeito ao MDS. A razão de ser do comitê é apoiar a implementação de “respostas de proteção social em situações de calamidade pública e de emergência”. Não deixa de ser um bom sinal também para a governança climática nacional.
Financiamento
A agenda de financiamento foi bastante tímida em março. Dentre os atos, apenas dois sinais, para locais e assuntos distintos: um crédito extraordinário ao Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (MDR), no valor de R$ 383 milhões, voltados para a reconstrução do Rio Grande do Sul e para o fortalecimento do sistema de defesa civil daquele estado; e duas (das três) recomendações do Comif, que se ligaram ao tema financiamento porque pedem que emendas parlamentares apoiem estados e municípios para viabilizar planos de manejo integrado do fogo (olha só mais uma chance de mutirão pelo clima, Legislativo!), e para sugerir que o Conselho Monetário Nacional (CMN) dê uma forcinha e determine, via Manual de Crédito Rural (MCR), que os bancos empreendam linhas de crédito subsidiadas pelo Plano Safra para que produtores se preparem a fim de evitar o caos do fogo em suas propriedades.
👎 DESTAQUES DO MÊS 👍
👎 DESTAQUES DO MÊS 👍
👎 Atravessou o samba!
- “Meia volta, volver!”: uma lacônica portaria do Ministério da Defesa, logo no início do mês, determinou que as Forças Armadas batam em retirada das ações de combate a incêndios e estiagem na Amazônia Legal. Até então, uma determinação de setembro de 2024 dava sustentação para a atuação, agora revogada. É curioso – e triste – notar que há poucas semanas a Política por Inteiro trazia justamente que parte do Executivo começou neste mês a arregaçar as mangas para lidar com o período do fogo, que deve chegar em breve, quando reduzem as chuvas na Amazônia. Nos perguntamos o porquê de essa preparação não contar com a voluntariedade do Ministério da Defesa, que poderia compreender o momento estratégico do país e prestar suporte aos órgãos que já estão atuando para evitar que a região seja tomada pelo fogo, como vem ocorrendo nos últimos anos, e especialmente em 2024. Se é uma questão de interesse nacional e se militares dizem primar por medidas que envolvem o adjetivo inteligência, o suporte das Forças Armadas deveria abarcar também os trabalhos – cruciais – de prevenção (agora), que aliviam consideravelmente o peso das ações de combate (depois).
👍 Tá afinado!
- Comif esperto no lance: o Comitê Nacional para o Manejo Integrado do Fogo (Comif), que tem menos de 1 ano de vida e veio ao mundo em agosto de 2024 como um braço de governança da Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo (PMIF), expediu três recomendações, endereçadas a Congresso, Conselho Monetário Nacional (CMN) e agentes financeiros que operam o Plano Safra. Na primeira, recomenda que a MP que facilita a prevenção e o combate aos incêndios no Brasil não expire sem antes virar Lei. Na segunda, que parlamentares direcionem emendas para estados e municípios, via Fundo Nacional de Meio Ambiente. Na terceira, que o sempre vultoso Plano Safra arque com o crédito necessário para que produtores rurais se preparem contra o fogo. O Comif acerta nas três recomendações e está atuando dentro de uma de suas competências legais: a de propor medidas para viabilizar ou facilitar a implementação da PMIF no país.
BRASIL
Mulheres na política climática: dias de luta, dias de luta
No mês do Dia Internacional da Mulher, a ministra Marina Silva foi alvo de um cruel ataque verbalizado pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM). Mesmo após reação da imprensa, de apoiadores e de pessoas que repudiam a violência, em geral, o parlamentar disse publicamente que não se arrepende de ter dito desejar enforcar uma das maiores defensoras da agenda ambiental e climática do Brasil, reconhecida mundialmente. Para aliviar o peso do discurso, o parlamentar classificou o ato como uma “brincadeira”. Em situações intoleráveis e inegociáveis, é também importante dar o nome correto para as coisas. E, neste caso, não há dúvidas: violência política de gênero.
MUNDO
Rios de lágrimas (e petróleo!)
Aconteceu de novo. O Equador declarou emergência por conta de mais um acidente envolvendo a petroleira estatal, a Petroecuador. O vazamento do oleoduto afetou meio milhão de pessoas e causou um desastre ambiental no Equador, atingindo pelo menos cinco rios. A estimativa é de que cerca de 200 mil barris de petróleo vazaram para a bacia hidrográfica, contaminando a rede de abastecimento de água, além de toda a biodiversidade do local. Em um Brasil que segue salivando pela Margem Equatorial, barbas de molho.
Dinheiro indo pelo canhão
No meio do problemaço que envolve Zelensky, Putin – e agora Trump – a União Europeia aprovou um fundo bilionário (ou trilionário, na conversão para o real). A gente bem gostaria de dizer que os recursos disponíveis iriam pra conta do clima, mas não. Os € 800 bilhões não foram destinados nem para financiar a transição energética, nem para amparar países menos desenvolvidos. O montante, que equivale a cerca de R$ 5 trilhões, vai para financiar armamentos que o bloco julga indispensáveis à guerra para conter os planos russos e evitar prejuízos animados por um certo presidente da nação que se autointitula “líder do mundo livre”.
MONITOR DE DESASTRES
Em março, o Monitor de Desastres captou 33 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos extremos, que atingiram 207 municípios, uma redução de 33% em relação à quantidade de municípios envolvidos no mês de fevereiro.
A tônica do mês foi de Estiagem no Nordeste e no Sul, além de Chuvas Intensas no restante do país, com destaque para o Norte. Inundações e Alagamentos foram registrados como consequência das chuvas, de maneira pontual.
TÚNEL DO TEMPO
A edição de março de 2021 trazia a “chamada na chincha” dos EUA em relação ao Brasil, em matéria de política climática. À época, o governo estadunidense deu uma declaração à imprensa brasileira indicando que somente aportaria financiamento ao Brasil mediante comprovação de resultados na redução do desmatamento na Amazônia, já ciente de que fundos como o “Amazônia” e o “Clima” estavam inoperantes. Era o governo Biden dando enquadro no governo brasileiro após ter tomado posse, em janeiro daquele mesmo ano. No mês seguinte, a administração Biden promoveria a Cúpula de Líderes pelo Clima, ainda virtual, sob as idas e vindas das variantes virais da COVID-19. Quatro anos depois, a situação se inverte: enquanto o governo brasileiro trabalha para fortalecer institucionalidades a fim de que o país desenvolva uma política climática sólida, os EUA atuam para enfraquecer o multilateralismo nos mais diversos temas, incluindo a pauta climática. A postura de Trump não se limitou à mera retirada dos EUA do Acordo de Paris, como também incluiu, em determinação oficial, que o país “se retire de cada acordo, pacto, ou qualquer compromisso similar assumido no âmbito da Convenção do Clima”. Isso sem contar “Tarifa” virando o principal idioma no diálogo ianque com o mundo…