(O conteúdo desta Análise Mensal é feito totalmente por humanos. E para humanos)

Dezembro é aquela coisa: um mês animado pelo sem-número de confraternizações e “fechamento na firma” antecipado, por conta das festas de final de ano. Mês acelerado, já que além de “menor na prática”, é lotado de compromissos nas agendas. No Serviço Público, não é diferente. Instituições dão o sprint final para bater metas anuais e, no apagar das luzes de 2024, isso foi percebido em diferentes pastas. Destaque para o ordenamento territorial, em que MDA e INCRA mantiveram a dobradinha que se destacou em muitos momentos do ano e emplacou novos projetos de assentamento, além de vários reconhecimentos oficiais de territórios quilombolas, essenciais na governança territorial que importa para o clima. Um mês que sintetiza bem o que foi o tema territorial no Brasil em 2024, por nós considerado o setor do governo que mais e melhor andou ao longo do ano (a seção Quadro de Medalhas (do Acordo) de Paris, mais à frente, reforça essa constatação).
No plano interno, foi de longe o mês mais movimentado do ano em normas relevantes à política climática, o que parece indicar o tom do que nos aguarda em 2025: um governo “malabarista” em ano de COP no Brasil, cujos pratos de [1] implementação das políticas concebidas, [2] negociações com o Legislativo em nome da governabilidade e [3] protagonismo em política externa não podem cair.
Dadas a abrangência e, ao mesmo tempo, a complexidade da política climática nacional, não há outro caminho para a progressiva redução de emissões dos gases do efeito estufa (GEE) que não a habilidade em fazer com que as racionalidades técnica, política e econômica coexistam e se relacionem de maneira fluida. Essas engrenagens bem encaixadas e azeitadas são o legado que se espera de um governo que apresenta a transformação ecológica do país como caminho de desenvolvimento.
Nessa rota, não apenas a distância importa, mas o tempo é essencial. Dezembro de 2024 encerrou a primeira metade do mandato Lula-3. O relógio corre aqui e corre no mundo. Com a constatação de que passamos pelo ano mais quente já registrado pela humanidade, a janela para se limitar o aquecimento global a 1,5°C vai se fechando ainda mais.
Engrenagens-chave para que a trajetória da transformação ecológica seja um caminho de mão única e sem folgas para desmontes precisam ser postas a girar. Por isso, Lula precisa se mover rapidamente. A Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) é o compromisso assumido pelo governo dentro e fora do país capaz de atender às três dimensões de racionalidade: reduzir progressivamente as emissões em linha com o que aponta a Ciência; recuperar a institucionalidade brasileira e a capacidade de articulação para que o regime democrático e a agenda climática prevaleçam independentemente dos resultados das urnas em 2026; e permitir que o país desempenhe uma trajetória de desenvolvimento econômico sustentável e inclusivo, em todos os setores, para todas as pessoas, em todos os biomas.
2026 é logo ali. 2030 também.
TÁ LÁ NO GRÁFICO
Em dezembro de 2024, tivemos três edições do Tá Lá no Gráfico. A primeira contou como o desenvolvimento da espécie humana e sua expansão por todo o planeta está intimamente ligada à estabilização da temperatura da Terra nos padrões que hoje vivemos. E por que as mudanças climáticas nos conduzem a uma realidade que a Humanidade não vivenciou e precisa se preparar urgentemente para enfrentar.
Outro tema foi a transição energética, um processo que deve nos afastar dos combustíveis fósseis, reduzindo as emissões de gases de efeito estufa na atmosfera e contribuindo na direção do objetivo global de limitar o aumento da temperatura média da Terra a 1,5°C em relação ao período pré-industrial.
Por fim, um panorama da agenda climática no Brasil em 2024, trazendo em destaques visuais um resumo de nosso relatório anual Política Climática por Inteiro.
MONITOR DE ATOS PÚBLICOS
Em dezembro, foram captadas 85 normas relevantes para a política climática brasileira. De longe, a maior frequência de normas em um único mês, em 2024. A classe mais frequente do mês foi Regulação, com destaque para atos de ordenamento territorial. Já o tema mais presente foi Terras e Territórios, com 43 normas, representando mais de 50% do conjunto de atos. Isso se deve, principalmente, ao esforço empregado nas demarcações administrativas de Terras Indígenas, no reconhecimento de projetos de assentamento, reservas extrativistas e Territórios Quilombolas. Como consequência, a agenda climática mais relevante no mês foi Mitigação, com 47 normas, seguida de Governança (20) e Financiamento (14). A agenda de Adaptação teve apenas 4 normas captadas.
RETROSPECTIVA 2024
Ao longo de 2024, o Monitor de Atos Públicos captou 609 atos considerados como relevantes no contexto das políticas climáticas brasileiras. Dentro das classes da Política por Inteiro, o maior número de normas foi captado em Regulação, seguido de Planejamento e Resposta. Essas três classes juntas representaram 84% das normas captadas durante o ano. A agenda climática na qual o governo empregou mais esforços em 2024 foi a de Governança, abarcando quase metade do total de atos captados (286).
O destaque ficou com os planejamentos ligados à governança, ainda muito frequentes para um 2º ano de mandato. Além deste sinal, a regulação foi mais intensa na agenda de mitigação, devido ao avanço de iniciativas de ordenamento territorial, o que se refletiu também no elevado número de atos no tema Terras e Territórios, que contribui com mais de um terço do total das normas (228). Em segundo lugar nos temas, e com uma diferença considerável, ficou o tema Institucional (que reflete movimentos de reorganizações e reconfigurações de órgãos e entidades), seguido do tema Florestas e Vegetação Nativa.

TOP 3 DESTAQUES DO MÊS
Em ano de Olimpíadas, todo mundo volta os olhares para Paris. Na Política por Inteiro, nosso pódio olha para o Acordo de Paris. Por isso, elegemos como os destaques de dezembro três medidas que aproximam o Brasil das metas estipuladas no Acordo, no seguinte pódio:
🥈
Ministério do Meio Ambiente (MMA),
ao instituir a iniciativa de apoio à elaboração de Planos Municipais de Adaptação à Mudança do Clima – AdaptaCidades, com o objetivo de apoiar os estados e municípios no desenvolvimento de estratégias e planos locais ou regionais de adaptação à mudança do clima, no âmbito do Programa Cidades Verdes Resilientes.
🥇
Conselho Monetário Nacional (CMN),
por alterar o Manual de Crédito Rural (MCR) – que regula a concessão de financiamento por bancos no Brasil – e trazer ainda mais requisitos de conformidade a questões sociais, ambientais e climáticas. Não é perfeita, tem pontos questionáveis, mas seu saldo é positivo em relação à norma antecessora (a 5.081/2023). Inseriu, por exemplo, a proibição de crédito rural para áreas ocupadas e tituladas por remanescentes de quilombos, e estímulos a investimentos com finalidade exclusiva de restauração da vegetação nativa, elementos ausentes na norma anterior. É uma evolução, mas é certo que o MCR ainda precisará de novos aperfeiçoamentos.
🥉
Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO)
ao determinar que um dos princípios orientadores para negociações com Bancos Multilaterais de Desenvolvimento seja “Apoiar a transição ecológica justa e inclusiva e o enfrentamento das mudanças climáticas e de seus efeitos”. A medida deve ser útil para evitar a obtenção de financiamentos pouco ou nada responsáveis com a questão climática, sobretudo os ligados ao tema Infraestrutura.

nota metodológica
Dada a transição do governo federal, a metodologia da POLÍTICA POR INTEIRO passou por uma revisão, na qual foram reformulados temas e classes e inserido mais um nível de sistematização das normas captadas no Diário Oficial da União, relacionado especificamente às agendas de mudança do clima. A partir de agora, os Balanços Mensais contarão com identificações (tags) para cada agenda do clima da qual pertencem as análises.
- “Mitigação”
- “Adaptação”
- “Governança”
- “Financiamento”
Na agenda de Governança, o destaque ficou para o estabelecimento de programas e planos importantes e aguardados, como o Planaveg, publicado oficialmente, após passar por consulta pública, além da lista de municípios prioritários para a atuação do PPCerrado.
Em energia, o Comitê Técnico Permanente Combustível do Futuro foi oficializado em resolução do CNPE. A agenda também foi composta pelas normas ordinárias de autorização e prorrogação da FNSP em conflitos, principalmente em apoio à Funai nas terras indígenas, e também na prorrogação de operações junto ao ICMBio, na Amazônia Legal.
Seguindo a tendência observada ao longo do ano, a questão territorial colocou a agenda de mitigação em primeiro lugar no mês de dezembro. A demarcação administrativa de três terras indígenas abriu o mês, que seguiu com diversos reconhecimentos de assentamentos, reservas extrativistas, territórios quilombolas e criação de RPPNs.
Para além da ampliação do potencial de mitigação, refletida no esforço de conservação de áreas relevantes para a manutenção do equilíbrio climático, foi publicada, sem vetos, a lei que Institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE).
Na agenda de adaptação, apesar das poucas normas emitidas, os sinais foram importantes. Via MP, a União foi autorizada a participar de um fundo a ser criado, que tenha por finalidade promover a recuperação de infraestruturas afetadas por eventos climáticos extremos e apoiar empreendimentos relacionados à mitigação e à adaptação às mudanças climáticas. O fundo – inicialmente pensado para atender ao estado do Rio Grande do Sul, vai poder ser acionado em outros casos de desastres por eventos climáticos extremos. A regulação do fundo também já está dada, apesar da iniciativa ainda depender da aprovação da Medida Provisória, que deve ocorrer até .
Nos últimos dias de 2024, o Programa AdaptaCidades foi oficializado. O objetivo central da iniciativa é promover capacidade institucional nos estados e municípios, para a implementação de ações de adaptação e resiliência, incluindo a padronização metodológica para a elaboração de planos de adaptação à mudança do clima, que devem derivar da estratégia nacional de adaptação. Todos os estados podem aderir ao programa, já o critério de seleção dos municípios será baseado na vulnerabilidade, exposição e ameaça climática.
Na seara dos recursos hídricos, a Agência Nacional de Águas declarou escassez hídrica na Região Hidrográfica do Paraguai, até 31 de janeiro de 2025. Com a declaração, é possível estabelecer planos de contingência e articular com o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil para que medidas de emergência possam ser antecipadas.
A agenda de financiamento climático de dezembro foi composta por ações de resposta aos danos da mudança do clima. Foram liberados repasses para a área da saúde, destinados ao enfrentamento de queimadas e secas, incluindo orçamento para promoção da Saúde Indígena. Ainda em resposta aos eventos extremos, o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR) recebeu crédito suplementar para atuar na gestão de riscos e desastres via Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO), e também crédito orçamentário via Medida Provisória. Também foram destinados R$ 6.5 bilhões para o Ministério das Cidades, a serem aplicados na recuperação de infraestrutura nas áreas afetadas por eventos climáticos extremos no Rio Grande do Sul (esperamos que sob novos parâmetros e diretrizes, atentos à nova realidade climática).

Em dezembro, foram emitidos 23 reconhecimentos de situação de emergência e calamidade pública, atingindo 145 municípios brasileiros. Estiagem foi novamente o evento mais registrado, concentrado nas Regiões Nordeste e Sudeste, principalmente no estado de Minas Gerais. Os registros de Tempestade ultrapassaram os episódios registrados de Seca, já sinalizando o início da temporada das chuvas intensas para 2025. As tipologias Inundações e Alagamentos foram pontuais, focalizadas na Região Sul.

TÚNEL DO TEMPO

TERMÔMETRO DO MÊS
Assuntos que se esperavam já encaminhados ao fim de 2024 viraram o ano, como a escolha da presidência COP30 (definida somente em janeiro) e a divulgação de planos setoriais do Plano Clima – os de adaptação foram finalizados em 2024, mas devem entrar em consulta pública somente em fevereiro; no caso de mitigação, nem a Estratégia Nacional foi divulgada.
A eleição das Mesas Diretoras do Congresso também mantiveram os bastidores de Brasília movimentados mesmo com o recesso do Legislativo. O que vinha se desenhando ao fim do segundo semestre acabou confirmado no início de fevereiro: Hugo Motta na presidência da Câmara e Davi Alcolumbre no comando do Senado. Em dezembro, muitas conversas giraram sobre como o encaminhamento das votações dos cargos no Congresso se refletiria na Esplanada. Com o Carnaval mais tarde neste ano, é provável que, contrariando a máxima brasileira, o ano comece em Brasília antes da festividade.
No plano internacional, dezembro terminou sob a grande interrogação do quanto o discurso de Donald Trump seria colocado em ação em seu retorno à Casa Branca – e o mandato começou, de fato, em 20 de janeiro com uma lista de 46 decretos, incluindo a saída do Acordo de Paris.
Com todas as incertezas geopolíticas, 2025 se desenha como um ano decisivo para os rumos do multilateralismo. Sendo a emergência climática um fator comum que abrange a todos, independentemente de reconhecê-la ou não, a governança climática é uma agenda central a impactar e ser impactada pelo rearranjo de forças em curso. E calhou de, neste ano crucial que se inicia, o Brasil ser o anfitrião da Conferência das Partes (COP) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). O Brasil tem o desafio de liderar um processo histórico. A oportunidade está posta, mas será breve e exigirá grande esforço, assim como a janela de oportunidade que o mundo tem para limitar o aquecimento global a 1,5°C.