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Desde que a Constituição Brasileira foi promulgada, em 1988, reconhecendo o direito de povos originários a seus territórios tradicionais, a demarcação de terras indígenas é um dos grandes desafios da República. De lá para cá, a regra tem sido procedimentos demarcatórios demorados e, portanto, pouco eficientes. Diante do padrão, esta foi, felizmente, uma semana incomum: Decretos do Executivo concretizaram o tão aguardado processo de demarcação administrativa para três terras indígenas (TIs), nas regiões Nordeste e Sul. O processo é conduzido pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e “finalizado” pelo Chefe do Executivo, num ato de chancela formal, usualmente conhecido como homologação. Nesta leva, os decretos alcançaram os grupos Potiguara, na Paraíba, Kaingang, em Santa Catarina, além dos Guarani-Mbyá e dos Nhandéva, também no estado catarinense.
Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), organização especializada nas pautas indígena e indigenista, a demarcação administrativa é essencial porque é a penúltima etapa executada pelo Estado Brasileiro para garantir o direito definitivo dos povos originários à terra. Em matéria de política climática, demarcação importa porque é passo crucial para garantir boa governança territorial, o que, por sua vez, tende a equilibrar conservação ambiental e uso sustentável dos recursos naturais no país, fazendo-o caminhar em direção à redução de emissões no setor de uso da terra. Ao mesmo tempo, cria condições para políticas e atividades que agregam valor à conservação dos biomas, como o pagamento por serviços ambientais (PSA), a bioeconomia, o turismo de base comunitária, entre outros, a depender de cada caso. A conservação empreendida por indígenas também é benéfica ao setor agropecuário, que precisa de água (e, portanto, de florestas) e outros serviços ecossistêmicos essenciais prestados (gratuitamente) à produção rural.
A demarcação “legal” (no papel) e “física” (no chão) de terras indígenas (TIs) compõe o conjunto de atos prioritários de recuperação da institucionalidade brasileira, como a Política por Inteiro já havia elencado há cerca de 2 anos, no relatório Reconstrução.
Com as homologações ocorridas nesta semana, vai a cinco o número de TIs demarcadas pelo governo federal em 2024. As outras duas datam de abril e favorecem os Pataxó, na Bahia, e os Karajá, no Mato Grosso. Desde janeiro de 2023, chegam a 13 as demarcações homologadas ou revisitadas pelo governo. “Hoje, a gente cumpre uma importante etapa daquilo que acordamos lá no período da transição, até dezembro de 2022. Ali, a gente elencou 14 terras indígenas que estavam prontas para a homologação”, disse a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, durante cerimônia de assinatura dos decretos, nesta semana. Na ocasião, a ministra aproveitou para sinalizar que a 14ª homologação deve ocorrer antes do Réveillon.
É importante lembrar que as seis homologações esperadas em 2024 já haviam sido prometidas pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em abril, quando da retomada do Conselho Nacional de Política Indigenista, em semana alusiva aos povos indígenas. À época, no entanto, disse achar por bem “homologar somente duas”, alegando prudência perante situações de conflito em curso. Justificou dizendo “ter o cuidado de oferecer uma outra possibilidade para pessoas que estão lá [ocupando terras indígenas]“. À época, ainda segundo Lula, alguns governadores “pediram tempo” para resolver impasses de ocupação em áreas indígenas, o que foi aceito pelo governo federal para “não prometer algo hoje, que a Justiça vai tomar decisão contrária amanhã”. Em um trecho de seu discurso na mesma ocasião, Lula chegou a afirmar que “teve governador que não atendeu a [ministra] Sônia”, deixando claro o embate político em nível federativo na matéria.
Organizações indígenas, como a Apib, nutriam a expectativa de que pelo menos 14 TIs teriam a demarcação homologada logo nos 100 primeiros dias de governo, já que o grupo de transição criado pós-Eleições presidenciais em 2022 havia sinalizado que pelo menos esse seria o número de terras “prontas para assinatura”. Com o atingimento da meta apenas ao final do 2º ano de mandato – e com 2024 terminando com menos demarcações concluídas que 2023 – está aceso o alerta do governo (e da sociedade civil), já que o grau de dificuldade no destravamento das demarcações se mostra evidente. Trata-se de um problema complexo, que não envolve apenas variáveis técnicas ou de “mero procedimento”, mas de ferrenhos embates políticos.
Acrescente-se a esse caldo o ingrediente do imbróglio do marco temporal, cuja conciliação coordenada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ainda é cercada de grande expectativa e, dada a dificuldade, precisou ser prorrogada até fevereiro de 2025, já sem indígenas participando de uma conciliação sobre direitos… indígenas. Mais uma evidência de que a pauta está longe de ser trivial.
É preciso reconhecer que não é fácil avançar em demarcações em áreas de conflito ativo – sobretudo em estados em que direitos indígenas não figuram entre as prioridades de governos locais – e, portanto, é justo que se comemore cada homologação como uma grande vitória. “A tão sonhada conquista chegou, só tenho muito que agradecer a Nhanderu, ao meu povo Mbya-Guarani e a todos indígenas e não-indígenas que somaram nessa grande luta. Foram noites e dias de árduas batalhas e muitos de choro. Mas hoje nosso choro é de felicidade, nossa comunidade está reunida na opy para a grande cerimônia de agradecimento. ‘Morro dos Cavalos’ é terra guarani, é nossa. Aguyjevete pra quem luta!” – comentou Kerexy Yxapyry, liderança da TI Morro dos Cavalos, de Santa Catarina.
A fila de demarcações segue grande. Segundo o ISA, até o início de 2024, 255 terras indígenas encontravam-se com demarcação iniciada e não concluída. Agora, portanto, restam 250. Outras tantas ainda estão passos atrás, submetidas a estudos de identificação ou, já tendo sido identificadas, submetidas ao processo de declaração (cuja competência é de responsabilidade do Ministério da Justiça e Segurança Pública – MJSP). Isto é, degraus abaixo do necessário para serem demarcadas. Longo caminho.
Como uma das leis do tempo é a de que ele é implacável, o governo sabe que a segunda metade do mandato será rápida. Talvez mais rápida que a primeira.
Em matéria de direitos indígenas, assim como em política climática, não há tempo a perder.
TÁ LÁ NO GRÁFICO
A história da espécie humana e de sua expansão por todo o planeta está intimamente ligada à estabilização da temperatura da Terra nos padrões que hoje vivemos. Ou vivíamos, até há pouco. Quando tentamos nos unir globalmente para limitar o aquecimento do planeta a 1,5ºC em relação à era pré-industrial, o marco zero dessa escala é a temperatura registrada no clima em que as civilizações humanas floresceram. O Tá Lá no Gráfico desta semana conta essa épica história da humanidade e do clima e por que temos de fazer o possível para reduzir nosso impacto no equilibrado e biodiverso sistema que se constituiu por milênios.
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FRASE DA SEMANA
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“Ao longo dos anos, vimos a restauração de terras emergir como uma das ferramentas mais eficazes para enfrentar alguns dos maiores desafios do nosso tempo: mudanças climáticas, insegurança alimentar, desigualdade econômica, migração forçada e até mesmo a instabilidade global.“
Ibrahim Thiaw, Secretário Executivo da UNCCD, em discurso na COP 16 do Combate à Desertificação em Riad, Arábia Saudita. Foto: Reprodução/UNCCD.
ABC DO CLIMA
Cap and Trade: Com um programa de “limite” e “comércio”, os governos usam incentivos de mercado para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE). Com base em suas metas climáticas, um governo fixa a quantidade de GEE que um setor pode emitir. Do total, cada agente (empresa, planta) pode emitir uma determinada quantidade, medida em unidades de 1 tonelada de CO2e. Em um mercado de carbono regulado, as unidades são negociáveis e é o mercado que determina o preço. As empresas que reduzem as emissões abaixo de sua permissão podem vender suas unidades excedentes para outras que emitiram gases do efeito estufa além de seu limite e, de outra forma, enfrentariam uma penalidade fiscal.
MONITOR DE ATOS PÚBLICOS
O Monitor de Atos Públicos captou 16 atos relevantes para a política climática nesta semana. O tema mais frequente foi Terras e Territórios, incluindo as normas de demarcação de terras indígenas e a criação do GT do Car no âmbito do Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais – CAR-PCT. Já as classes mais captadas foram Planejamento e Regulação, com 5 atos cada, considerando a publicação do Planaveg 2025-2028 e as novas regras para enquadramento de municípios na lista de prioritários quanto ao combate ao desmatamento no Cerrado.
Mais um selo: Amazônia
Nesta semana um decreto instituiu o Programa Selo Amazônia, cujo objetivo é que o país tenha “diretrizes nacionais para a normalização e a certificação de serviços e produtos industrializados” feitos “a partir de matérias-primas e insumos da biodiversidade do bioma” e “em observância a requisitos de sustentabilidade ambiental, econômica e social”. Nas contas da Política por Inteiro, esse é o 9º selo criado e/ou regulado pelo governo, somente em 2024.
Combate ao desmatamento
O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) publicou, nesta semana, a Portaria MMA nº. 1.224/2024, que atualiza critérios para enquadramento de municípios do Cerrado na lista de prioritários quanto ao combate ao desmatamento. Os critérios de enquadramento não eram revisados desde 2010. A mudança ocorre apenas em um dos dois critérios vigentes: a regra atual passa a considerar que um município se torna prioritário quando contabiliza 40 Km² ou mais de desmatamento no PRODES do ano anterior. Na regra antiga, esse piso era de 25 Km². O 2º critério se manteve inalterado: o município possuir mais de 20% da área territorial com vegetação remanescente ou sobreposição com áreas protegidas no conceito lato sensu.
Bacia do Rio Paraguai não reage
A Agência Nacional de Águas (ANA) publicou portaria que declara “situação crítica de escassez hídrica” na Bacia do Rio Paraguai, essencial à saúde do bioma Pantanal. A ANA já havia declarado situação crítica do Paraguai até 31 de outubro deste ano. A nova portaria sinaliza que uma das principais bacias pantaneiras não está reagindo e segue em estado crítico.
Assim como a norma anterior, passa a haver regras especiais para o uso dos recursos enquanto durar a situação de emergência. Também recomenda-se que o processo de declaração de situação de calamidade ou emergência por seca pelos municípios ou estados visando a reconhecimento e auxílio pelo Poder Executivo Federal seja agilizado ou antecipado, para que obtenham ajuda federal o mais rápido possível. A portaria atual vigora até 31 de janeiro de 2025.
Tem que monitorar até cumprir!
Nesta semana, uma portaria conjunta lançada pelos Ministérios do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR) e Gestão e Inovação (MGI) estabeleceu um grupo de acompanhamento e monitoramento da titulação do Território Quilombola (TQ) de Alcântara, no Maranhão. Em setembro deste ano, o TQ foi oficialmente reconhecido pelo Estado brasileiro. No mesmo mês, o governo autorizou o INCRA a proceder com desapropriações de imóveis rurais na região. Agora, o grupo criado nesta semana deve reforçar o compromisso do governo com quilombolas maranhenses, e vai ao encontro de “recuperar o tempo perdido”, como disse o presidente Lula, em setembro. O caso de Alcântara guarda especificidades e o grupo, que tem assentos com representantes locais dos quilombolas, deve levá-las em conta.
BRASIL
Tem radiografia do CAR na área
Um estudo conduzido pelo Climate Policy Initiative (CPI/PUC-Rio) revelou o cenário atual de implementação do Código Florestal. Após 12 anos da criação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), como instrumento de ordenamento fundiário e restauração do passivo ambiental em propriedade privadas, apenas 3% dos imóveis rurais cadastrados tiveram o CAR analisado e concluído.
Ainda que o aumento tenha sido de 30% em relação ao ano de 2023, em que 1,34% das análises foram concluídas, o ritmo segue insuficiente. Políticas públicas em processo de planejamento, como o Planaveg, ou já em execução, como o PPCDAm, contam com o CAR como uma política estruturante e isso precisa ser considerado para que se estabeleça uma estratégia eficiente de avanço e conclusão das análises, caso contrário as metas estabelecidas nestes planos ficam cada vez mais distantes.
O governo costumava divulgar esses dados através do Boletim do CAR, publicado a cada três meses, no entanto o último dado público disponibilizado é de outubro de 2023. Diante da falta de transparência e a fim de promover a celeridade da implementação, o Observatório do Código Florestal, lançou o Termômetro do Código Florestal, uma plataforma de monitoramento do avanço do CAR.
Terras Indígenas garantem o regime de chuvas da agropecuária
Foi publicada nesta semana a Nota Técnica intitulada “Manutenção das Terras Indígenas é fundamental para a segurança hídrica e alimentar em grande parte do Brasil”, desenvolvida por pesquisadores da área e assinada por renomados cientistas brasileiros, como Carlos Nobre, Paulo Artaxo, e Manuela Cunha Ribeiro. Os resultados deste estudo inédito afirmam que a maior parte do território brasileiro (18 estados + DF) é beneficiado pelos “rios voadores” provenientes das Terras Indígenas da Amazônia Legal, equilibrando o regime de chuvas e abastecendo 80% das áreas do maior setor produtivo do país, a agropecuária. Segundo o estudo, Rondônia e Mato Grosso se encontram entre os nove estados que mais se beneficiam pelos “rios voadores”, ao passo que estão entre os que mais desmataram florestas nos últimos 40 anos.
MUNDO
Net Zero é “La La Land”
O ministro da Energia da Arábia Saudita, príncipe Abdulaziz bin Salman, disse em um evento, nesta semana, que cenários de carbono zero (net zero) são impossíveis de alcançar, considerando a segurança do fornecimento de energia fundamental para resolver os desafios de sustentabilidade e acessibilidade. Ele falou no Fórum da Iniciativa Verde Saudita, em Riad, e defendeu novamente seu posicionamento de que o mundo está atualmente passando por uma “verificação da realidade” sobre zero líquido e segurança energética. “Eu estava sozinho em junho de 2021 quando falei sobre o cenário net zero como sendo um cenário La La Land… Levaremos mais alguns anos, três anos, para ver as pessoas reconfigurando o pensamento entre uma verificação da realidade e a coisa imaginada que nunca aconteceu e nunca pode acontecer”, disse ele. A Arábia Saudita, o maior exportador de petróleo do mundo, rejeitou repetidamente as previsões de que a demanda por combustíveis fósseis atingirá o pico, incluindo a previsão da Agência Internacional de Energia de que isso ocorrerá até o final da década.
Mais um acordo fracassado
O INC-5, a Quinta Sessão do Comitê Intergovernamental de Negociação para definir o Tratado Global sobre Plásticos, fracassou. Os 175 países que estavam reunidos na cidade de Busan, na Coreia do Sul, não conseguiram chegar a um consenso sobre metas objetivas e aferíveis de redução de produção plástica; além de outros pontos-chave relacionados ao tema. Como a Política por Inteiro já comentou na última semana, sem um tratado ambicioso e coordenado, a poluição plástica poderá triplicar até 2060, comprometendo ecossistemas, saúde pública e metas climáticas globais.
Financiamento é (também) a bola da vez na COP do Combate à Desertificação
Assim como na COP29, financiamento é o grande tema de discussão na COP do Combate à Desertificação, com vista às metas globais de restauração de terras e combate à degradação da terra e resiliência à seca até 2030. Logo no segundo dia da Convenção, uma importante sinalização foi dada pelas Partes, ao prometerem 12 bilhões de dólares para iniciativas de restauração do solo e resiliência à seca. O maior contribuinte até o momento foi o Grupo Árabe (US$ 10 bilhões). O anúncio segue o lançamento da iniciativa Parceria Global de Resiliência à Seca de Riade (Riyadh Global Drought Resilience Partnership). Espera-se que este primeiro montante possa servir como incentivo para que outras Partes, bancos multilaterais e atores privados coloquem quantias ambiciosas para o combate à desertificação no âmbito da COP16.
MONITOR DE DESASTRES
O Monitor de Desastres captou 8 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos extremos, que atingiram 69 municípios. Mais um vez, a Estiagem foi a situação mais registrada, assim como os episódios de Seca, que vêm se agravando, principalmente no Nordeste do país e em Minas Gerais. As tempestades ocorreram pontualmente nas regiões Sul, Sudeste e Nrdeste. Nesta semana, excepcionalmente, contabilizamos reconhecimentos que saíram na sexta, 29/11, em edição extra do Diário Oficial da União, portanto após o fechamento de nosso Boletim anterior.
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Nota explicativa: os dados registrados no Monitor de Desastres referem-se única e exclusivamente às situações de emergência ou calamidade pública reconhecidos oficialmente pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil/MDIC nesta semana. Eventualmente, é possível que desastres ocorridos na mesma semana não sejam contabilizados, dado que o reconhecimento do governo federal leva alguns dias para ser publicado.
TALANOA NA MÍDIA
Valor Econômico | Participamos de reportagem sobre a regulação do mercado de carbono no Brasil. |
O Globo | Notícia sobre o mercado regulado de carbono, com entrevista de Natalie Unterstell. |
Climate Tracker | Em reportagem especial sobre adaptação climática na COP29, a Talanoa participou. |
Folha de Pernambuco | Reportagem sobre expectativas da COP30 e avaliação da COP29, com entrevista da Natalie Unterstell. |
Estadão | Participamos de enquete, como outros especialistas, para avaliar o mercado de carbono. |
Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO