Outubro ainda se iniciava quando os Estados Unidos e parte da América Central contabilizavam os prejuízos do furacão Helene, e as previsões já mostravam que um outro fenômeno, ainda mais intenso, se formara: era o Milton, que gerou pavor e comoção até mesmo em profissionais experientes em cobertura meteorológica, e viria a atingir os ianques dias depois. Felizmente, o Milton perdeu força, mas deixou sua assinatura: prejuízos econômicos superiores a 34 bilhões de dólares, incomensuráveis tempo e energia para reconstrução de cidades, e claro: muitas vidas pelo caminho.
Já na Espanha, o mês terminou de forma trágica. Na região de Valência, o fenômeno conhecido como Depressão Isolada em Níveis Altos (DANA), deixou mais de 200 mortos. As chuvas intensas chegaram a 490 milímetros em oito horas, sendo que a média anual local é de 450 a 500mm. Apesar do risco muito elevado para a população, os alertas foram tardios e nenhuma medida substancial foi tomada pelas autoridades locais.
No Brasil, outubro trouxe com ele a necessidade de aumentar o ritmo de contenção do fogo pelo país, o que fez o governo acelerar os atos ligados ao financiamento. À primeira vista, o fato de os atos ligados às finanças terem saltado de 6 para 14 entre setembro e outubro – um aumento de 133% – até pode parecer reconfortante, mas acende um alerta quando colocamos uma lupa sobre os dados: apenas 3 das 14 normas se referem a avanços em mecanismos de investimento (público, privado ou misto) que podemos realmente considerar um esforço de inovação por parte do governo. Trocando em miúdos: a esmagadora maioria dos movimentos detectados em outubro se resumiu a situações de remediação perante eventos extremos, para os quais o próprio presidente Lula já havia reconhecido que o Brasil não está preparado. São os casos de créditos orçamentários abertos para prosseguir com a reconstrução gaúcha e para aplacar a seca e a crise do fogo, notadamente na Amazônia.
É como se o governo tivesse investindo a juros negativos, perdendo o dinheiro que tanto se esforça em captar a cada movimento errado no tabuleiro do clima. É claro que custear a remediação importa, mas esse custeio é cada vez mais insuficiente se o dinheiro não revê seus fluxos habituais e não gira a roda de uma “economia verde”, isto é, antenada à necessidade de descarbonização. É por isso mesmo que importa associar o avanço de Óleo & Gás no Brasil nos últimos meses, os eventos extremos – sobre os quais São Paulo recentemente demonstrou nem serem necessários furacões para que os estragos sejam grandes – e a correria do governo para dedicar recursos à recuperação pós-desastres. Nessa (i)lógica, não tem como política climática dar certo.
Hoje o Brasil tem à disposição dados suficientes para ter convicção de que a questão climática deve ser fio condutor – e não mera excepcionalidade – em todos os assuntos de interesse público. E Finanças não foge a essa regra. No fim das contas, quanto menos investimentos para atacar, na raiz, as causas e os efeitos da mudança do clima, maiores serão os gastos com uma remediação que não nos tira do enguiço civilizatório em que estamos atolados. Em grande parte, esses investimentos devem aterrissar em quatro substantivos-chave: redução (de emissões), conservação (da biodiversidade), recuperação (de ecossistemas e biomas) e adaptação (de cidades e atividades).
Outubro teve R$ 5 bilhões para reconstrução do Rio Grande do Sul aqui, outros R$ 87 milhões para reforçar a Defesa Civil acolá… R$ 2 bilhões novamente para reconstrução gaúcha ali, outros R$ 938 milhões para combate ao fogo na Amazônia acolá… Assim foram alguns dos atos que trataram de prestar algum amparo a grupos vulnerabilizados, como para os pescadores na Região Norte, em razão da seca dos rios locais, que tem se mostrado mais longa e mais severa em 2024, do que já fora em 2023.
Especificamente na Amazônia, como a Política por Inteiro já havia trazido, o governo aproveita a pista livre dada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para ampliar os gastos públicos com a região sem que isso impacte a meta de déficit zero que o Ministério da Fazenda persegue antes que o ano se encerre. Porém, nem mesmo um redirecionamento de finanças será suficiente se políticas com potencial transformacional não saírem do papel. Infelizmente são exemplos a Bioeconomia, cujo Plano Nacional está prometido desde junho; o Agricultura de Baixo Carbono (ABC+), que ganhou até um “+” no nome, mas não emplaca; e a qualidade ambiental urbana, que tem agora um programa (Cidades Verdes Resilientes) para chamar de seu, mas que ainda não deu as caras nem mesmo em cidades prioritárias, que deveriam estar dando exemplo, como Belém. O mesmo com o Planaveg 2025-2028, que apesar do processo construtivo e das boas intenções, ainda tem uma longa estrada pela frente, mesmo que sua grande meta de recuperar 12 milhões de hectares de vegetação até 2030 já seja uma velha conhecida.
Uma espécie de “risco inverso” também ocorre, quando o Brasil tem política pública altamente priorizada – sim, estamos falando do PAC – mas o financiamento atrelado não está calibrado para reduzir as emissões e ampliar a adaptação, como é o caso do asfaltamento da BR-319, que ingressou neste mês como prioridade na lista do Programa.
Em resumo, para cada tema, quatro condições mínimas precisam ser atendidas: política pública bem desenhada, prioridade governamental, finanças disponíveis e “calibragem climática” para orientar a aplicação. Para a escala de transformações de que o Brasil precisa, é difícil encontrar uma política que hoje atende a estes quatro itens.
O governo brasileiro precisará superar isso rápido se realmente está comprometido com a transformação ecológica, para a qual lançou até um esboço de governança neste mês.
E se ambiciona exercer liderança na geopolítica global.
TÁ LÁ NO GRÁFICO
O mês de outubro gerou quatro análises visuais que foram de ondas de calor a furacões, passando por acionamentos da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) e diferenças conceituais sobre zero emissões e neutralidade de carbono. Confira!
MONITOR DE ATOS PÚBLICOS
Em outubro, foram captados 53 atos relevantes para a política climática brasileira. O tema dominante no mês foi, mais uma vez, Terras e Territórios, com ampla vantagem sobre os demais. O tema foi bastante puxado pelas portarias declaratórias de posse permanente de territórios em favor de povos indígenas, lançadas pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).
Entre as classes, está mantido o predomínio de normas de Regulação, a exemplo do que havia sido constatado em setembro. As normas foram mais homogêneas e classes como Reforma e Desregulação não ocorreram neste mês.
Em termos de agenda, normas de Mitigação e Governança praticamente empataram em quantidade, demonstrando equilíbrio. O destaque vai para a agenda de Financiamento, que mais que dobrou quando comparada a setembro (salto de 6 para 14), bastante puxada por respostas governamentais a eventos extremos, com aberturas de crédito extraordinário para reconstrução do Rio Grande do Sul e para o combate ao fogo e à fumaça na Amazônia.
Um alerta que sempre importa
O Monitor de Atos Públicos da Política por Inteiro observou que, em outubro, 10 dos 53 atos relacionados a clima trataram sobre criação ou reforma de Comitês, Câmaras, Comissões, Grupos de Trabalho e congêneres, estatística que confirma o padrão notado em todo o 2024 até aqui: entre 20% a 25% dos atos oficiais relacionados à política climática no Brasil têm se concentrado na organização de instâncias coletivas, sejam elas deliberativas ou meramente consultivas, em diferentes temas. Observando de modo conjuntural, sabemos que esses espaços têm sua razão de ser, e quase sempre sinalizam disposição do governo em tecer as articulações necessárias para o tratamento de assuntos que demandam interdisciplinaridade. Por outro lado, é preciso manter ligado o alerta de que essas instâncias têm a obrigação de gerar resultados práticos, mantendo uma linha de pauta que progrida e uma frequência regular de encontros para encaminhamentos efetivos. É essencial que a sociedade siga observando o desdobramento destas arenas de construção participativa.
Acesse o Monitor de Atos Públicos e acompanhe diariamente a atualização das medidas relevantes para a política climática nacional.
TOP 3 DESTAQUES DO MÊS
Em ano de Olimpíadas, todo o mundo volta os olhares para Paris. Na Política por Inteiro, nosso pódio olha para o Acordo de Paris. Por isso, elegemos como os destaques de outubro três medidas que aproximam o Brasil das metas estipuladas no Acordo, no seguinte pódio:
🥈
Presidência da República,
após a sanção do “pacote” que traz regulações à mobilidade sustentável de baixo carbono, captura e estocagem geológica de CO2; o Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação (ProBioQAV), o Programa Nacional de Diesel Verde (PNDV), o Programa Nacional de Descarbonização do Produtor e Importador de Gás Natural e o Incentivo ao Biometano.
🥇
Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA),
que liderou a instituição do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – PLANAPO 2024-2027, para colaborar com a redução de impactos dos sistemas alimentares no Brasil, com benefícios tanto para a mitigação, quanto para a adaptação às mudanças do clima;
🥉
Ministério do Meio Ambiente (MMA),
que instituiu o Pró-Manguezal, conjunto de ações para a conservação e o uso sustentável dos mangues brasileiros.
nota metodológica
Dada a transição do governo federal, a metodologia da POLÍTICA POR INTEIRO passou por uma revisão, na qual foram reformulados temas e classes e inserido mais um nível de sistematização das normas captadas no Diário Oficial da União, relacionado especificamente às agendas de mudança do clima. A partir de agora, os Balanços Mensais contarão com identificações (tags) para cada agenda do clima da qual pertencem as análises.
- “Mitigação”
- “Adaptação”
- “Governança”
- “Financiamento”
Aumenta o placar de declaratórias pró-indígenas
Neste mês, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) reduziu um tanto mais o tamanho da fila de espera das chamadas portarias declaratórias de posse permanente de terras em favor de povos indígenas. Mais sete reconhecimentos foram publicados. Desta vez, todos no estado de São Paulo, pró-indígenas dos troncos Guarani e Tupi.
As terras indígenas (TIs) declaradas de posse permanente neste mês foram:
- Jaraguá, em Osasco e em São Paulo;
- Peguaoty, em Sete Barras;
- Guaviraty, em Cananéia e Iguape;
- Pindoty/Araçá-Mirim, em Cananéia, Iguape e Pariquera-Açu;
- Tapy’i (Rio Branquinho), também em Cananéia;
- Djaiko-aty, em Miracatu;
- Amba Porã, também em Miracatu.
Após as portarias declaratórias terem entrado em vigor de imediato, os povos indígenas seguem no desafio de obter, no tempo mais breve possível, a demarcação destas terras e, em seguida, a devida homologação, a ser feita pelo Chefe do Executivo, como determina o procedimento brasileiro.
Somados aos quatro atos ocorridos em setembro, vai a 11 o número de TIs declaradas de posse permanente no atual governo. Até o momento, estas declarações totalizam, em área, 1,23 milhão de hectares.
Pró-Manguezal
O Brasil – dotado de extensas áreas costeiras – deu em outubro um importante passo para fazer avançar o Programa Nacional de Conservação e Uso Sustentável dos Manguezais do Brasil (Pró-Manguezal): o governo lançou o 1º pacote de ações do Programa, compartimentado em 6 eixos temáticos. Entre as ações previstas, estão o alinhamento com o Planaveg 2025-2028, que está em fase de consulta pública; a atualização do Atlas de Manguezais do Brasil, além do levantamento de custos para a implementação de todo o Programa.
A implementação do pacote deve ganhar a consistência esperada em 2025, mas há desafios a serem iniciados ainda em 2024, como a elaboração da Estratégia Nacional Oceano sem Plástico – ENOP. Todas as estratégias desta primeira fase deverão ser capitaneadas pelo Departamento de Oceano e Gestão Costeira da Secretaria Nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Já a “Fase II” deverá ser entregue em 2025, resultado de um processo participativo envolvendo entes subnacionais, academia e sociedade civil.
Estratégia Nacional de Adaptação
Após um longo e aguardado processo, o governo lançou sua Estratégia Nacional de Adaptação para consulta pública, na última semana de outubro. Parte do Plano Clima, a Estratégia consolida-se como uma atualização do Plano Nacional de Adaptação, oito anos depois, e condizente com um cenário climático mais instável e de impactos socioambientais mais severos. Nesse sentido, a Estratégia traz diretrizes orientativas para a elaboração de 16 planos setoriais, e reforça a importância da lente de justiça climática, tão necessária para enfrentar as desigualdades históricas agravadas pela crise climática. Analisamos os principais componentes do documento aqui na Política por Inteiro.
A Estratégia Nacional de Adaptação encontra-se disponível para consulta pública até o dia 13 de novembro, no âmbito do Brasil Participativo.
Por uma diplomacia para a Adaptação Climática!
Nos últimos dias de outubro, o Instituto Talanoa coordenou uma oficina que teve como objetivo discutir o desenvolvimento de uma diplomacia voltada para a Adaptação Climática na América Latina e no Caribe. Envolvendo 39 organizações de 12 países, o evento foi realizado no Rio de Janeiro e entrou na agenda de side events do G20. Adaptação climática é um dos pilares do Acordo de Paris, no qual todas as Partes concordaram em aumentar a capacidade adaptativa, fortalecer a resiliência e reduzir a vulnerabilidade às mudanças climáticas. No entanto, o tema não vem recebendo atenção suficiente de agentes políticos, financeiros e empresas, e tampouco foi priorizado nas últimas Conferências das Partes – COPs. Dada a preparação do Brasil para sediar a COP30, há uma oportunidade de posicionar a região latino-americana para melhor se engajar em ações consistentes de adaptação, sem deixar de lado a diplomacia necessária para que o assunto ganhe em institucionalidade regional, nacional e globalmente. Nos três dias de encontro, as organizações convidadas discutiram e construíram estratégias para aumentar a capacidade das instituições para atuar como promotoras e observadoras da diplomacia da adaptação.
Habemus EcoInvest
170 dias. Esse foi o exato tempo necessário para fazer o Programa EcoInvest de Mobilização de Capital Privado e Proteção Cambial saltar de objeto de uma Medida Provisória para o status de Lei. O Programa, que tem o objetivo de oxigenar a transformação ecológica do país a partir da captação de investimentos privados, está ancorado no Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC), de onde se espera que seus recursos fomentem práticas que colaborem para as metas de descarbonização do país. Enquanto mecanismo financeiro, o EcoInvest será regulado e acompanhado de perto pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), órgão superior do Sistema Financeiro Nacional.
BRASIL
Nem sempre o Mato Grosso, mas sempre o Mato Grosso
Desta vez os parlamentares do estado, que lidera historicamente os índices de desmatamento, acharam uma boa ideia eliminar os incentivos fiscais para as empresas comprometidas com a Moratória da Soja. O pacto, criado em 2006, apesar de ter sua eficiência comprometida nos últimos anos, ainda é uma medida fundamental para evitar o avanço da abertura de novas áreas de sojicultura no bioma amazônico. Por meio do acordo, as empresas exportadoras da commodity se comprometem a não comprar soja cultivada em áreas desmatadas. Dessa forma, incentiva a produção de soja sem expansão da fronteira agrícola na Amazônia, direcionando o plantio para as áreas abertas antes de 22 de julho de 2008.
Na contramão, a lei sancionada neste mês estabeleceu novos critérios para concessão de benefícios fiscais e de terrenos públicos do estado de Mato Grosso, vetando o incentivo para as empresas que “participem de acordos, tratados ou quaisquer outras formas de compromissos, nacionais ou internacionais, que imponham restrições à expansão da atividade agropecuária em áreas não protegidas por legislação ambiental específica”. Ou seja, estabelece um entrave para as empresas que estejam comprometidas com a redução do desmatamento.
A reação da Aprosoja foi de celebração, já que para a entidade o compromisso prejudica a comercialização de soja produzida também em áreas de desmatamento legal, e por isso estaria em desacordo com o Código Florestal. Porém, para as organizações da sociedade civil dedicadas aos biomas mato-grossenses, a notícia é a pior possível. O Observa-MT destacou em nota que o desmonte é ainda mais grave considerando o agravamento da crise climática. Em 2022, Mato Grosso foi o estado com a maior emissão bruta de gases de efeito estufa, responsável por 17,3% das emissões totais do Brasil, em grande parte por mudanças de uso da terra e floresta.
A ciência também está do lado da continuidade da Moratória. Em artigo recentemente publicado, pesquisadores demonstram que o desmatamento no Mato Grosso é 90% ilegal e está em sua maioria concentrado em propriedades privadas produtoras de soja, o que ilustra a insuficiência da implementação do Código Florestal e a necessidade de se manter e ampliar políticas complementares, como os acordos comerciais.
O caminho para compatibilizar produção e preservação, posicionando o Brasil internacionalmente nas cadeias de commodities livres de desmatamento, definitivamente não passa por fragilizar instrumentos, pelo contrário, demanda fortalecimento e ampliação da Moratória da Soja, de forma articulada com o Código Florestal, que também garante a restauração das áreas já degradadas.
MUNDO
COP-16: pouco avanço e muitas pendências
A 16ª Conferência da ONU sobre Biodiversidade (COP16), terminou no início de novembro em Cali, na Colômbia, deixando um gosto amargo na boca dos negociadores. Apesar de alguns poucos avanços, os principais temas que estavam nas mesas de negociações – como o financiamento para a biodiversidade e a implementação das metas do Marco Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal – não avançaram como o esperado. No caso do financiamento, houve o tradicional enfrentamento entre países desenvolvidos e em desenvolvimento sobre quem deve pagar para quem e o quanto, apesar de já haver uma decisão sobre o assunto desde a COP15. Além disso, houve discussão sobre a criação ou não de um novo fundo para gerenciar esse dinheiro.
Em relação à implementação das metas do Marco Global, era preciso que os países tivessem submetido suas Estratégias e Planos de Ação Nacionais para a Biodiversidade (NBSAPs, pela sigla em inglês) até o início da COP16, para que se pudesse discutir como implementar esses compromissos. No entanto, até o final da conferência em Cali, apenas 44 das 196 nações haviam enviado o documento. Os poucos avanços ocorreram nas últimas horas de negociação. Os países conseguiram chegar a um consenso sobre a criação de um novo mecanismo de compartilhamento de benefícios para recursos genéticos (DSI), que foi chamado de “Fundo Cali”. O mecanismo sugere que grandes corporações, especialmente aquelas dos setores farmacêutico, biotecnológico e de cosméticos, contribuam com 1% dos lucros ou 0,1% de sua receita para o fundo global. O objetivo é que pelo menos 50% dos recursos angariados sejam direcionados diretamente para as necessidades autoidentificadas de povos indígenas e comunidades locais.
Uma conquista alcançada após longos anos de luta foi a criação de um órgão subsidiário permanente sobre o art. 8(J) da CDB, que deve representar os interesses dos povos indígenas, afrodescentes e comunidades locais. A forma como esse novo órgão irá funcionar será decidida nos próximos dois anos. Além disso, também se formou o “G9 da Amazônia Indígena”, que congrega povos e organizações indígenas dos nove países amazônicos para a incidência internacional. A principal demanda desse grupo é que a demarcação de terras indígenas seja reconhecida como medida de mitigação às mudanças climáticas no texto final da COP29.
Clima também é questão de saúde
O 9º relatório Lancet Countdown sobre saúde e crise climática mostrou que 10 dos 15 indicadores que medem ameaças à saúde pioraram com o aquecimento do planeta. No ano passado, por exemplo, as pessoas foram expostas a 50 dias a mais de temperaturas perigosas para o bem-estar físico. As mortes relacionadas ao calor entre aqueles com mais de 65 anos aumentaram 167% em comparação aos níveis da década de 1990 — uma porcentagem significativamente maior do que o aumento esperado de 65% sem o aquecimento global. Já a insegurança alimentar causada pela seca e por ondas de calor afetou 150 milhões de pessoas a mais em 2022 do que nos anos anteriores. Além disso, 31% mais pessoas foram expostas à qualidade do ar perigosa devido ao aumento de tempestades de areia e poeira. O relatório completo pode ser acessado aqui.
Em outubro, foram emitidos 43 reconhecimentos de situação de emergência e calamidade pública, atingindo 181 municípios brasileiros. O cenário de estiagem se mantém no país, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, onde os registros estão concentrados nos estados do Amapá, Pará e Amazonas, no Norte, e na Paraíba e Pernambuco, no Nordeste. A falta de chuvas resulta também no agravamento dos incêndios florestais, que neste mês ocuparam o 2º lugar no ranking de eventos mais frequentes. Foram 42 municípios com chamas, alguns simultaneamente em situação de estiagem.
A seca permanece impactando fortemente o estado de Minas Gerais e também foi registrada em Mato Grosso, nos municípios de Alta Floresta e Colniza, este último apontado como o município líder em desmatamento no ano de 2023. A maioria das tempestades ocorreram na Região Sul, com eventos pontuais no Sudeste e no Norte do Brasil.
TÚNEL DO TEMPO
TERMÔMETRO DO MÊS
Acompanhando a tendência apontada em setembro, outubro foi o mês em que se destacaram movimentos ligados ao reconhecimento de direitos indígenas sobre a terra, por meio de uma série de portarias declaratórias. Como já destacado em análise na Política por Inteiro, trata-se de um movimento essencial, mas para superar o passivo histórico quando o assunto é direito sobre a terra, o ritmo brasileiro está longe do ideal.
Novembro chega com muitas expectativas, a começar pela realização da COP29, em Baku, de 11 a 22 de novembro. Neste ano a Conferência não terá como escapar de temas sensíveis, a começar pela definição de uma Nova Meta Quantificada Coletiva (NCQG) para o financiamento climático. Embora a necessidade de criação de uma meta seja consenso entre os países-membros desde o Acordo de Paris, em 2015, o debate gira em torno da estrutura do NCQG, quanto deve ser destinado e quem deve contribuir, basicamente.
A COP29 precisa trazer respostas para enfrentar a emergência climática posta à mesa, sentida não somente no Sul Global, mas em todos os lugares, inclusive nos países desenvolvidos. Nesse sentido, a Nova Meta Quantificada tem um papel relevante para estimular o compromisso dos países com uma ação climática mais ambiciosa. Uma meta que traduz o aumento dos investimentos climáticos pode dar confiança aos líderes para assumirem metas mais fortes de redução de emissões e permitir que eles lidem melhor com os impactos climáticos. E isso é importante porque os países devem enviar Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) atualizadas sob o Acordo de Paris até fevereiro do próximo ano – que necessitam ser mais ambiciosas.
Para um país que almeja posição de liderança geopolítica, o tema climático pode ser talvez o único caminho para o Brasil. O governo federal deve submeter a sua NDC durante a COP29 e o mundo espera um Brasil que mostre em novembro o quão alta a barra pode ser colocada em 2025.
Novembro também começa sob a expectativa com as eleições americanas já em sua primeira semana e definindo a volta de Donald Trump à Casa Branca. Os sinais sobre como a mudança no comando dos Estados Unidos a partir de janeiro devem afetar a agenda climática internacional surgirão nos discursos e nos corredores em Baku. Como anfitrião da COP 30, o Brasil deverá estar atento a como responder a esses movimentos para fortalecer não apenas suas posições, mas a própria arena de negociações e os esforços pelos avanços sob o Acordo de Paris.
(O conteúdo desta Análise Mensal é feito totalmente por humanos. E para humanos)