Para além do retorno de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos da América, a semana trouxe uma montanha-russa de informações relevantes para a política climática no Brasil. Primeiro, na quarta-feira (6), a divulgação das taxas de desmatamento dos biomas Amazônia e Cerrado para o último “Ano Prodes” (isto é, o período de agosto de 2023 a julho de 2024); e, já nos últimos momentos da sexta-feira (8), o anúncio da nova meta brasileira de redução de emissões para o período 2025-2035. Em ambos os casos, trata-se de resultados e promessas inteiramente na conta do governo Lula, já que tanto o último Prodes quanto a atual Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês) ainda sofriam influência direta do período Bolsonaro.
Embora distante do mundo ideal exigido pela nova realidade climática, os dados de desmatamento para Amazônia e Cerrado sinalizam que há acertos do governo brasileiro na condução de políticas públicas como os Planos de Prevenção e Controle do Desmatamento nos dois biomas – PPCDAm e PPCerrado.
Trocando para o idioma Carbono, somadas desde o início do atual mandato, as reduções de emissões nos biomas Amazônia e Cerrado atingiram, segundo o governo, a marca de 400 milhões de toneladas de CO2 equivalente evitados. Com esse volume de redução, estima-se que o Brasil consiga manter-se na meta de 1,32 MtCO2e em 2025, declarada na NDC atual.
Em geral, os números vindos do INPE animam. São reveladores de que o Brasil está no caminho certo para conter o desmatamento, embora saibamos que este é um desafio dinâmico e que um projeto nacional de desenvolvimento baseado na valorização dos ativos naturais ainda tem uma longa estrada a percorrer. O governo ainda deve desengasgos de políticas importantes para baixar de vez a febre do desmatamento, como o Plano Agricultura de Baixo Carbono (ABC+) com maior financiamento para efetividade, além do Plano Nacional de Desenvolvimento da Bioeconomia, cuja concepção já se arrasta à metade do mandato, quando já deveríamos estar testificando sua implementação.
Outras políticas são necessárias não apenas para lidar com o desmatamento e as emissões dele decorrentes, mas também para fomentar transformações em outros setores. Na noite do dia 8 de novembro, o governo anunciou a meta de emissões para 2035, expressa num intervalo, não num teto específico de toneladas de CO2e. A NDC não foi divulgada na íntegra. A ver se ela traduz, não apenas do ponto de vista numérico, um claro entendimento de que os desafios da próxima década não são os mesmos da que estamos fechando agora.
Desafios que se impõem também pelo complexo xadrez geopolítico, cuja principal notícia da semana (ou do ano) foi Trump. Quanto a ele, não é que a administração Biden/Harris seja um oásis das políticas climáticas em um país conhecido pela omissão em matéria de colaboração à ambição climática global – apesar de ter nascido em 2022 o Inflation Reduction Act, lei que é provavelmente a maior contribuição pró-clima da história estadunidense. Fato é que a tendência de piorar é concreta, já que o problema de Trump já começa em sua visão de mundo, atributo cuja recalibragem, a essa altura da vida, é improvável.
Não há de surpreender, portanto, a saída dos EUA do Acordo de Paris – e até mesmo da Convenção do Clima da ONU, o que dependeria da aprovação do Congresso ianque, onde Trump, ao que parece, deverá contar com maioria dos assentos. Ou pode optar em manter sua diplomacia operando nas negociações e boicotá-las “de dentro para fora”. Pena mesmo é ter o maior poluidor da história e o 2º maior emissor do planeta de fora do compromisso que a humanidade precisa para evitar o aumento da temperatura do planeta a níveis incontornáveis. Como as mudanças do clima não conhecem faixas de fronteira entre países, a solução precisa envolver a todos, e o mundo já não pode mais se dar ao luxo de abrir mão de protagonistas.
Enquanto isso, não nos custa insistir na questão de o Brasil apresentar uma NDC realmente ambiciosa e à altura da liderança global que o governo Lula se propõe a exercer no tema. E é esperado que os detalhes de como o Brasil “chegará lá” já sejam conhecidos na próxima semana, durante a COP29. Aliás, o prazo para os países da Convenção do Clima apresentarem suas novas NDCs já é logo ali, em fevereiro de 2025.
Que venha a nova NDC brasileira. E que venha Trump. Esperamos que estas curvas da montanha sejam muito mais ascendentes em matéria de ambição; e descendentes no que diz respeito à emissão.
TÁ LÁ NO GRÁFICO
Nesta semana, o governo brasileiro anunciou os dados do PRODES (Sistema de Monitoramento Anual da Supressão da Vegetação Nativa por Satélite). Os números trouxeram bons motivos para comemorar: uma redução de 30,6% na perda de vegetação nativa na Amazônia e de 25,6% no Cerrado.
Dos “swing states” brasileiros para desmatamento na Amazônia – que definem se o país derrota ou é derrotado pela chaga do roubo de florestas, de serviços ecossistêmicos e de terras públicas – Pará, Amazonas, Rondônia e Mato Grosso apresentaram decréscimo de taxa. Além disso, 54 dos 70 municípios amazônicos prioritários no combate ao desmatamento e à degradação florestal apresentaram queda de taxa, o que equivale a 78% do grupo, que vem sendo acompanhado de perto pelo Programa União com Municípios, uma iniciativa federal que resgata boas práticas de pactuação e vantagens em função de compromisso e desempenho locais, até aqui bem avaliada pela Política por Inteiro.
Apenas Roraima apresentou comportamento de aumento de taxa entre 2023 e 2024. Apesar de todos os esforços governamentais para aquele estado – com destaque para o apoio a Yanomamis e a abertura de florestas públicas a investimentos privados para conservação, o salto de taxa foi de quase 54%. Será preciso gastar mais tempo, energia e dinheiro para reverter esse aumento de febre.
No Cerrado, que em 2023 preocupava bastante, houve queda na taxa de desmatamento em quase 26% – de 11 mil Km² para 8,1 mil Km² – o que não apenas quebrou um padrão de cinco anos de sucessivos aumentos de taxa no bioma, como também o trouxe de volta a apenas um dígito de taxa, algo não visto desde 2020. É a velha história: já está bem melhor, porém longe do ideal.
Mesmo com a queda da taxa de desmatamento no geral, o Cerrado também tem lá seus “swing states”. Eles atendem por um aglutinado de siglas estaduais que já virou nome: MA-TO-PI-BA. Neles, o desmatamento do Cerrado segue preocupando o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que reportou um salto de 75% (em 2022/23) para 76,5% (2023/24) do desmatamento concentrado em todo o bioma. À exceção da Bahia, no MATOPIBA o desmatamento segue firme.
A redução do desmatamento influencia diretamente o volume de emissões de gases do efeito estufa (GEE) no Brasil, como mostram os dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima, cuja atualização anual também foi divulgada nesta semana. O Tá Lá no Gráfico desta semana aponta o tamanho do impacto do setor de uso da terra nas emissões do país e que, com os bons resultados contra o desmatamento, o peso de outros setores aumenta no perfil das emissões do Brasil, revelando a necessidade de políticas para toda a economia.
FRASE DA SEMANA
“Infelizmente, essa não será a única vez em que o mundo registrará recordes de ano mais quente da história.”
Carlo Buontempo, , diretor para mudanças climáticas do Instituto Copernicus, na Europa, sobre o anúncio de que 2024 já é o ano mais quente da história em 125.000 anos. Foto: Mastodon, página pessoal.
ABC DO CLIMA
NCQG – A sigla vem do inglês New Collective Quantified Goal on Climate Finance. O Novo Objetivo Coletivo Quantificado sobre Financiamento Climático é um novo objetivo global de financiamento climático que deverá ser estabelecido a partir de um piso de 100 bilhões de dólares por ano, antes de 2025, no âmbito da reunião das Partes do Acordo de Paris (CMA) da COP. Esse novo objetivo será definido no contexto de ações significativas e transparência na implementação, levando em consideração as necessidades e prioridades dos países em desenvolvimento. (UNFCCC, 2023).
MONITOR DE ATOS PÚBLICOS
O Monitor de Atos Públicos captou apenas 05 atos relevantes para a política climática nesta semana. O tema da semana foi Terras e Territórios, com um reconhecimento de Território Quilombola, três resoluções do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) e um destacamento da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) para suporte à FUNAI, no Pará.
CNPI se posiciona
Criado em 2006, recriado em 2023 e nomeado em abril de 2024, o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) só veio a emitir suas primeiras Resoluções nesta semana, mas deixou claras as suas prioridades. Destaque para a de nº. 2, que solicita ao Supremo Tribunal Federal (STF) que conceda liminar suspendendo a eficácia da Lei Federal sobre o Marco Temporal, que foi “teimosamente” aprovada no final de 2023, já que o próprio STF já havia votado inconstitucional a Tese do Marco Temporal, no mesmo ano.
Naturalmente que a Resolução é um gesto político e não tem força normativa, visto que o CNPI é um colegiado de caráter consultivo, tão-somente. Mas marca posição importante e sua pressão reverbera na Comissão Especial de Conciliação sobre o marco temporal, criada e mediada pelo STF, perante indígenas, parlamentares e órgãos do Executivo. Enquanto o impasse persiste, os acionamentos de Força Nacional (FNSP) seguem sendo frequentes Brasil afora, como a própria Política por Inteiro já havia recentemente analisado, e que teve mais um novo episódio nesta semana, no Pará.
Outra Resolução que importa para política climática é a de nº. 4, que solicita que a demarcação de terras indígenas seja um dos “eixos estruturantes” do novo Plano Clima, atualmente em concepção. A semiótica do texto reflete mais do que um simples pedido: indica que o Conselho reconhece o peso do novo plano climático brasileiro. Ao estender o pedido ao Itamaraty, como expressa no texto final, o Conselho também sinaliza que a pauta indígena é condição-chave para o êxito reputacional do Brasil no plano internacional, sem o qual não há chance de o país liderar o mundo pela via do clima.
BRASIL
Mercado de carbono
Na última terça-feira (5), o Plenário do Senado decidiu por adiar até a próxima semana a apreciação do Projeto de Lei nº. 182/24, sob a argumentação de que restam “ajustes finos” a serem feitos no texto. Essas demandas teriam surgido de governadores e parlamentares, os quais a endereçam diretamente à senadora Leila Barros (PDT/DF), presidente da Comissão de Meio Ambiente da Casa, no que solicitaram a postergação da votação para a próxima terça-feira, 12. O termômetro no Parlamento indica que questões conjunturais externas impõem receio na aprovação do projeto, o qual precifica as emissões dos grandes poluidores nacionais e é incontornável ao cumprimento do compromisso climático brasileiro.
MUNDO
Debate sobre a re-ascensão de Trump
Em uma semana marcada pela vitória de Donald Trump na corrida à Casa Branca (e, ao que tudo indica, pelo domínio dos Republicanos também no Congresso estadunidense), a Política por Inteiro promoveu, na última sexta (08), um debate com o cientista político Eduardo Viola, para analisar a conjuntura atual e os desafios da diplomacia climática no mundo, dentro e fora da Convenção do Clima. O debate trouxe aspectos importantes sobre nacionalismo(s), processos de desglobalização e profundas transformações na relação entre capital e trabalho, e como esses processos influenciam os desafios civilizatórios de nossas vidas nos próximos anos, incluindo a inescapável transição energética para evitar um mundo mais quente e hostil.
O debate foi gravado e está disponível no canal da Política por Inteiro no YouTube.
Priorizar a adaptação climática
Com o título “Custe o que custar: à medida que incêndios e inundações atingem os mais pobres com mais força, é hora de o mundo intensificar as ações de adaptação” (tradução adaptada), o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), lançou seu anual Relatório sobre a Lacuna de Adaptação (Adaptation Gap Report). Embora o relatório afirme um crescimento gradual do financiamento para adaptação (chegando a U$ 28 bihões em 2022), as cifras seguem muito aquém do necessário para suprir as necessidades dos países em desenvolvimento.
Em síntese, a lacuna de financiamento para adaptação segue abissal. A diferença entre o financiamento necessário para adaptação e a disponibilidade de recursos disponíveis chega à casa dos U$356 bilhões por ano, até 2030. Enquanto o financiamento para adaptação não se torna uma prioridade global, os custos de perdas e danos crescem exponencialmente nos territórios e populações mais vulneráveis, decorrentes de eventos extremos cada vez mais recorrentes.
G20 no Rio de Janeiro
Faltando pouco mais de uma semana para o início da Cúpula do G20 no Rio de Janeiro, esta semana a Casa Branca confirmou a presença do presidente Joe Biden no encontro no Brasil. No encontro, Biden deve falar sobre “desafios globais compartilhados”, entre eles as mudanças climáticas. Quanto à Cúpula, é vital que a declaração final reflita boa parte das recomendações dos 13 grupos de engajamentos, especialmente para demonstrar que o processo inclusivo é efetivo e comprometido com as demandas da sociedade civil e de outros grupos. Um exemplo são as recomendações gerais apresentadas pelo T20, grupo de engajamento dos think tanks. Das 10 recomendações apresentadas, cinco estão diretamente relacionadas à agenda climática.
MONITOR DE DESASTRES
O Monitor de Desastres captou 8 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos extremos, que atingiram 38 municípios. Estiagem segue predominando, com ocorrências mais frequentes no Norte e no Nordeste. Ainda que pontualmente, chuvas intensas e vendavais voltaram a ocorrer no Sul.
Nota explicativa: os dados registrados no Monitor de Desastres referem-se única e exclusivamente às situações de emergência ou calamidade pública reconhecidos oficialmente pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil/MDIC nesta semana. Eventualmente, é possível que desastres ocorridos na mesma semana não sejam contabilizados, dado que o reconhecimento do governo federal leva alguns dias para ser publicado.
TALANOA NA MÍDIA
New York Times | Presidente da Talanoa, Natalie Unterstell, fala da expectativa para a agenda climática com a eleição de Trump nos EUA. |
EXAME | Como a vitória de Trump impacta a COP29 é o que Natalie Unterstell contou à revista. |
Valor Econômico | Brasil pode se beneficiar da vitória de Trump? Reportagem traz este recorte, com opinião de Natalie Unterstell. |
Podcast do IBGC | Natalie Unterstell é entrevistada e conta sobre o que esperar da COP29, em Baku. |
Um Só Planeta – Globo.com | Na Rota do Dinheiro Verde: podcast sobre papel do Brasil no compromisso de frear o aquecimento global. Com participação de Natalie Unterstell. |
Mongabay | Em reportagem sobre COP e política climática brasileira, Natalie Unterstell é uma das entrevistadas. |
O Eco | Podcast conversa com especialistas, entre eles Natalie Unterstell, para saber o que significa ter um “negacionista climático” como presidente dos Estados Unidos. |
Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO