Ressaca de Eleições, ressaca do clima

Se uma palavra pudesse resumir a semana, seria: ressaca. De Eleições e do clima, juntas. As urnas sinalizaram algo que já se desenha há algum tempo no Brasil: a pauta climática – e, com ela, a ambiental – não apenas não comovem a ponto de redirecionar o voto de eleitores, como também, em muitas regiões, são “antipautas” ao candidato que busca ser alçado ao Parlamento ou ao Executivo. Em muitos lugares do Brasil, prometer uma ação climática consistente torna politicamente inviável quem pleiteia um cargo público ou, na melhor das hipóteses, um sujeito legal, mas que não diz o que o eleitorado quer ouvir. Um sinal de que a quase totalidade dos brasileiros pode até reconhecer a mudança do clima como um problemaço dos nossos tempos, mas de alguma forma isso (ainda) não é suficiente para que a baliza do eleitor se modifique. Conclusão: a realidade climática já se impõe, mas ainda votamos como antes.

Como o indivíduo não reformula sua visão de mundo para contemplar a questão climática entre suas preocupações mais urgentes, os candidatos não se constrangem e seguem rezando a mesma cartilha de sempre. As Eleições de 2024 mostraram que ela ainda funciona, afinal. No Brasil, há provas disso de Norte a Sul, literalmente: na Amazônia, infratores ambientais contumazes se reelegeram (ou se elegeram) prefeitos; no Sul, onde o atual prefeito de Porto Alegre liderou largamente e não se reelegeu no 1º Turno por um triz – talvez um sopro do “espírito de Brizola” –, ainda que especialistas tenham sido categóricos ao avaliar que houve omissão da gestão Melo na manutenção da estrutura que regularia o nível de água durante o maior desastre climático da história da capital gaúcha.

A escolha individual em favor de candidatos que solenemente ignoram o clima, mesmo após enchentes, fogo e fumaça que matam, impõem doenças e prejuízos incalculáveis, arruínam famílias e jornadas de uma vida inteira, é, também, um chamado à psicologia. Que sinais faltariam para que individualmente se compreenda a emergência climática em que estamos todos? Se essa emergência é percebida, por que não é capaz de aguçar o senso de proteção inerente a cada um de nós na hora de votar?

É importante considerar que, em muitas partes do Brasil, o mais comum segue sendo que pessoas votem em pessoas, e não em ideias. Uma espécie de “não importa o que o meu candidato esteja prometendo, voto nele porque gosto dele e ponto final”. Noutras, as vantagens pessoais ainda são decisivas. Em ambos os casos, mudança climática passa longe de entrar na conta antes do trin-lin-lin da urna.

No entendimento de cada pessoa, o quanto predomina a crença de que mudança do clima não passa de “alarmismo”, ou “uma grande histeria”? Ou, ainda, de que é um “assunto de esquerda” e, por isso, não merece tanta atenção assim?

Na mesma linha, o quanto predomina a crença de que “está tudo como deve ser, porque estamos vivendo o fim dos tempos”? E, fosse verdade, isto realmente justificaria não adaptarmos nossas cidades à nova realidade climática para que as experiências dos que amamos possam ser minimamente dignas? Teríamos de aceitar mansamente a ideia de viver no caos e na dor, mesmo sabendo que a Humanidade reúne meios financeiros, tecnológicos e políticos para fazer melhor?

Seja o questionamento ideológico, político ou religioso, parece clara a mensagem das urnas: a comunicação ainda é um dos maiores desafios para que política climática seja um elemento importante na vida cotidiana do brasileiro. E quando falamos importante, é na raiz da palavra, mesmo: aquilo que é tão essencial à experiência humana que a pessoa importa, traz para dentro de si.

Independentemente de direita, centro ou esquerda terem aumentado ou diminuído capital político nestas Eleições, a emergência climática deveria ser tratada numa faixa acima de segmentações. Se afeta a todos, importa a todos.

Sobre eleições e clima, a sempre perspicaz Giovana Girardi fez um mergulho sobre o saldo do último domingo na Agência Pública. Vale conferir.

Já sobre a ressaca do clima, uma pergunta pode sintetizar: quando foi que imaginamos um mundo em que choveria no fim do verão no Saara a ponto de se formarem lagos (repetimos: não são miragens, são lagos! Lagos que secaram há meio século voltaram a acumular água), enquanto a Amazônia e o Pantanal, sempre conhecidos pela abundância d’água, estariam secando? No Planalto Central, há poucos dias, Lula chegou a comemorar tâmaras no Alvorada, provavelmente sem ter sido avisado de que tamareiras só vingam em ambientes áridos e de altas temperaturas, indicadores nada agradáveis neste 2024 histórico para os brasilienses.

Ainda tivemos o furacão Milton nascendo no Golfo do México, e um prenúncio de que sua força poderia fazer com que a Ciência inaugurasse um novo grau na escala de intensidade: seria o primeiro a ser classificado como “Categoria 6”. Um meteorologista experiente chegou a se emocionar em rede nacional nos EUA, relatando a força destrutiva acumulada pelo furacão. Mais sinais de que lidamos com um clima em desordem. Uma desordem influenciada e acelerada diretamente pela atividade humana no planeta.

TÁ LÁ NO GRÁFICO

No Tá Lá no Gráfico desta semana, após falarmos sobre a alteração climática no Oceano em nossa edição anterior, um olhar sobre uma das principais consequências do aquecimento das águas: os furacões.

FRASE DA SEMANA

“Circunstâncias excepcionais, repetidas com frequência, deixam de ser exceções.”

Zoe Schlanger, jornalista do jornal estadunidense The Atlantic, em matéria sobre a nova realidade climática que se impõe em um mundo que não está pronto para ela. Foto: Reprodução HCSO

ABC DO CLIMA

Orçamento de Carbono – é o “estoque” de carbono que ainda “pode” ser despejado na atmosfera da Terra antes que a humanidade ultrapasse o aumento da temperatura média do planeta em 1,5º Celsius. A cada ano, na medida em que as atividades humanas têm provocado mais emissões de carbono do que remoções dele em sumidouros como florestas e oceanos, o orçamento tem se reduzido rapidamente. Para desacelerar o “gasto” deste estoque, é essencial que políticas de redução e controle do desmatamento, assim como de eficiência energética e industrial funcionem. Nas contas de carbono de um país, quanto melhor for o desempenho desses na redução das emissões, maiores as chances de o país não “estourar” o orçamento. Com uma noção do volume de carbono despejado na atmosfera, aproximações matemáticas podem mostrar um conceito “derivado” do orçamento de carbono: o de relógio de carbono, isto é, quanto tempo falta para que um país ou o mundo ultrapassem o limite do orçamento e entrem no “cheque especial” do carbono, cenário em que adaptação e mitigação seriam drasticamente encarecidas, mais complexas e menos efetivas. É importante lembrar que, quanto mais o mundo for hábil em desacelerar o ritmo de emissões – substituindo energia fóssil por renovável, por exemplo – mais tempo os governos terão para executar medidas de adaptação climática que reduzam impactos e perdas de vidas humanas e de biodiversidade.

Em setembro, pelo terceiro mês consecutivo, fogo e fumaça foram plano de fundo nas movimentações da agenda climática do Brasil. Mas houve algo de positivo nas políticas climáticas: quatro portarias declaratórias de posse em favor de terras indígenas, outros quatro reconhecimentos pró-quilombolas e 11 desapropriações para aplacar conflitos e trazer segurança jurídica nos territórios.

MONITOR DE ATOS PÚBLICOS

O Monitor de Atos Públicos captou 13 normas relevantes para a agenda climática entre 7 e 11 de outubro. A semana foi marcada pelo equilíbrio. O tema Terras e Territórios teve 3 normas, enquanto os temas Institucional, Energia e Desastres estiveram presentes em 2 normas cada. O mesmo equilíbrio foi observado em termos de classe, com Planejamento em 5 normas, seguido de um empate entre Resposta e Regulação, com 4 normas cada.

Novas ações para dentro do PAC… E o clima?

Nesta semana, uma resolução do Comitê Gestor do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) trouxe para dentro das prioridades da política um pacote com 112 ações. Dentre elas, está prevista a pavimentação da rodovia BR-319, em um trecho de 52 Km, em território amazonense. Pesquisadores têm alertado sobre os riscos de revitalização da rodovia sem que haja, antes, uma estratégia de contenção do desmatamento e da degradação que historicamente são trazidas a reboque da abertura – ou, nesse caso, da revitalização – de estradas na Amazônia. 

Sinal de alerta ligado em matéria de política climática.

Até Energia entrou no PAC… O que preocupa

As 112 ações que agora passam a fazer parte do compromisso do PAC estão distribuídas em 4 grandes grupos: expansão do acesso à água, infraestrutura de esgotamento sanitário, transportes em todos os modais e complexo industrial da saúde. No caso do primeiro eixo, uma ação chamou a atenção: “Aprimoramento da base de dados das restrições operativas hidráulicas das UHEs do Sistema Interligado Nacional”, a cargo do MME. Mais uma luz se acende: a estiagem preocupa, sim, aquele Ministério. E mais óleo e gás explorados nos próximos anos não vão ajudar.

Seca e estiagem levam governo a prestar apoio extraordinário a pescadores

Nesta semana, uma Medida Provisória determinou que pescadores dos municípios da região Norte receberão Auxílio Extraordinário em razão de eventos de seca e estiagem. Trata-se de uma parcela única, no valor de R$ 2.824,00, para pescadores situados em municípios do Norte que tiveram oficialmente reconhecida situação de emergência ou calamidade até 08/10/2024. A medida é exclusiva para o Norte do país e está em linha com a Constituição Federal, que em seu art. 3º, III, determina que cabe ao Estado brasileiro atuar para combater assimetrias em matéria de desigualdade regional. Segundo a Agência Brasil, cerca de 100.000 pescadores devem ser beneficiados, o que representa um gasto governamental de aproximadamente R$ 283 milhões. 

É mais uma parcela da sociedade prejudicada por eventos extremos e que, com os rios secando, se verão cada vez mais precisando de socorro estatal. Uma recomendação para reduzir a pressão sobre o orçamento público em auxílios como este, nos próximos anos, seria a instituição de um fundo de controle de danos, abastecido por multas a atividades de óleo, gás e também do agronegócio que causarem dano climático, após o curso do devido processo legal.

Cresce o financiamento externo para clima no Brasil

Nesta semana, a Comissão de Financiamentos Externos do Brasil (vinculada ao Ministério do Planejamento e Orçamento – MPO) aprovou R$ 19,7 bilhões em empréstimos internacionais para projetos ligados à mitigação e à adaptação à mudança do clima. Além de entes federais, cidades como Belém, Porto Alegre, Belo Horizonte e Curitiba foram autorizadas a prosseguir com os empréstimos junto a diferentes bancos internacionais. Estados de TO, SC, SP, PR e RS também. No escopo dos projetos, há múltiplas menções ao tema de adaptação climática para cidades, o que soa animador. Um destaque desta leva de aprovações foi o BNDES, que tomará R$ 5,5 bi com o Banco Mundial para um projeto intitulado “Reformas para o crescimento produtivo, sustentável e inclusivo do Brasil”. 

No monitoramento da Política por Inteiro, o acumulado de aprovações em 2024 chega a R$ 32,4 bilhões tomados como empréstimo para projetos governamentais motivados por questões climáticas, no Brasil. Os principais financiadores até aqui são: Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), Banco Alemão de Desenvolvimento (KfW) e Novo Banco de Desenvolvimento (NDB).

Fundo para Indústria com recursos do MOVER é combustível para a inovação

Nesta segunda semana de outubro, tivemos uma importante regulamentação ligada à indústria automotiva. O Fundo Nacional de Desenvolvimento Industrial e Tecnológico (FNDIT) – que tem a missão de fomentar projetos de Ciência, Tecnologia & Inovação (CT&I) voltados para a modernização e a sustentabilidade industrial – já havia sido criado no último dia de 2023, em Medida Provisória e, em junho deste ano virou Lei, juntamente com o Programa Mobilidade Verde (MOVER), de estímulo à descarbonização e à eficiência automotiva no país. O fundo admite várias entradas, mas deve centrar sua captação em obrigações privadas contraídas dentro ou fora do MOVER, além do rendimento de aplicações do principal em conta. O governo foi lacônico ao repercutir a regulamentação, mas fonte oficial trouxe que Aloizio Mercadante, presidente do BNDES (instituição que coordenará o mecanismo financeiro), prevê que o fundo capitalize R$ 1 bilhão nos próximos meses, para apoio a projetos de instituições de CT&I e entidades de ensino reconhecidas pelo Estado brasileiro. 

A CNN Brasil repercutiu a notícia.

Mobilidade sustentável avança em Lei, na terra e no ar

Foi sancionada pelo Executivo a Lei Federal nº. 14.993/2024, que trata da criação de Programas voltados para a redução de emissões a partir de Diesel Verde, Combustível Sustentável de Aviação (SAF), Gás Natural e Biometano. A lei trata, ainda, da captura de CO2 para fins de estocagem de carbono. A norma é um “pacote” que motiva uma série de regulamentações adiante, mas emite sinais importantes no tocante ao tema de Energia, no Brasil.

EcoInvest agora é Lei

A semana também rendeu a sanção da Lei que cria o Programa EcoInvest Brasil. Antes tentada como Medida Provisória. O Programa objetiva viabilizar operações no mercado de capitais para captar recursos no exterior, por empresas, investidores e instituições financeiras sediados no país, para fins de financiamento tecnologias sustentáveis, do adensamento tecnológico, da bioeconomia, da economia circular, da transição energética e da infraestrutura e adaptação à mudança do clima, entre outros. Para isso oferecerá uma linha de mobilização de capital privado externo e proteção cambial, no âmbito do Fundo Nacional de sobre Mudança do Clima (FNMC).

Ao passo que seja benchmarking no que tange à atração de investimentos para financiar a transição ecológica, a Lei prevê a criação de uma governança ad hoc dentro do FNMC. Enquanto ele já era dotado de governança estabelecida, criou-se outro Comitê Gestor apenas para o EcoInvest, no mesmo Fundo. Um será presidido pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e o outro pelo Ministério da Fazenda, simultaneamente, e sem acordo prévio entre eles.

Esse tropeço de governança pode reduzir a eficácia de implementação do programa por afastar investidores mais atentos à integridade e com menor apetite aos riscos de processos decisórios.

BRASIL

Cai liminar que suspendia o asfaltamento da BR-319

Logo no início da semana, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) derrubou a liminar que mantinha suspenso o asfaltamento do chamado “trecho do meio” da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho, rasgando a floresta amazônica no noroeste do país. Um pedido do IBAMA à Justiça Federal desencadeou a queda da liminar. Esse capítulo parece definitivamente superar a primeira das três fases do licenciamento da obra de asfaltamento. Agora faltam as licenças de instalação (LI) e operação (LO). O requerimento para a LI não deve tardar a chegar ao IBAMA, para análise. Em matéria de política climática, a preocupação mais evidente é que não adianta o IBAMA fundamentar que Unidades de Conservação serão criadas em “cinturão” ao longo do trecho sem, no entanto, demonstrar previamente o volume de recursos e capacidades institucionais para, desde já, garantir que essas áreas protegidas, assim como terras indígenas que ainda buscam homologação, sejam efetivas na proteção da floresta. Aliás, em matéria de Unidade de Conservação, deveria ser o ICMBio a se pronunciar, e não o IBAMA. 

Do ponto de vista de quem preza pela institucionalidade, não se poderá reclamar de Marina Silva: o episódio evidencia claramente que o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) não pratica ingerência sobre a autarquia federal de licenciamento e fiscalização. Conduta adequada, mesmo sob fogo amigo.

O Globo repercutiu em detalhes o assunto.

MUNDO

Chove forte… No Saara

Nesta semana, repercutiu a notícia de que o Deserto do Saara choveu. E muito. “Entre 30 a 50 anos não víamos tanta chuva em um curto espaço de tempo”, afirmou Houssine Youabeb, da Direção Geral de Meteorologia do Marrocos. Na internet, uma enxurrada de fotos muito bonitas, mas o ocorrido reforça o que diz a ciência: estamos em uma desordem climática de proporções globais. Intrigante pensar que vivemos para ver um mundo onde um deserto inunda e cria lagos (que não são miragem), enquanto santuários de água, como Amazônia e Pantanal, secam.

O G1 repercutiu o assunto.

MONITOR DE DESASTRES

O Monitor de Desastres captou 14 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos extremos, que atingiram 60 municípios. Nesta semana os incêndios florestais foram a situação mais registrada, todos no estado do Pará, que declarou emergência em 34 municípios de uma só vez. A estiagem e a seca seguem recorrentes, em diversas regiões brasileiras, com maior concentração no nordeste do país.

5-Desastres-20241011

Nota explicativa: os dados registrados no Monitor de Desastres referem-se única e exclusivamente às situações de emergência ou calamidade pública reconhecidos oficialmente pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil/MDIC nesta semana. Eventualmente, é possível que desastres ocorridos na mesma semana não sejam contabilizados, dado que o reconhecimento do governo federal leva alguns dias para ser publicado.

TALANOA NA MÍDIA

MongabayNosso especialista sênior sobre mudança do clima, Shigueo Watanabe Jr., é consultado sobre riscos metodológicos envolvendo carbono florestal, no Pará.
Observatório da MineraçãoAprovação de empréstimo de quase meio bilhão de reais via Fundo Clima a uma empresa de exploração de lítio sem exatamente uma certeza de quão “verde” é a exploração desse mineral estratégico é um dos alertas feitos por nossa especialista sênior em dados e política climática, Marta Salomon.
(O texto deste Boletim Semanal é feito totalmente por humanos, e para humanos)

Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO

Assine nossa newsletter

Compartilhe esse conteúdo

Apoio

Realização

Apoio