É preciso dar contornos visíveis à transição energética

Complexo Termelétrico de Parnaíba, de responsabilidade da empresa Eneva, no município de Santo Antônio dos Lopes, Maranhão. Foto e reprodução: ENEVA.

Nesta semana, uma Resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) criou a Política Nacional de Transição Energética (PNTE). Com ela, determinou também que o Ministério de Minas e Energia (MME) coordene a elaboração do braço operativo da PNTE: o Plano Nacional de Transição Energética (PLANTE). Até aí, tudo bem. Acontece que, contrariando o senso de urgência da mudança do clima e o timing de submissão da próxima versão da NDC brasileira, a Resolução publicada em 28 de agosto ainda não traz elementos concretos que coloquem o Brasil na rota para reduzir a produção e a queima de combustíveis fósseis. 

Também não traz pistas sobre metas, prazos, responsáveis diretos ou pacote de ações para o Brasil “chegar lá”. Escolheu jogar isso para o PLANTE – o braço operativo da PNTE, ainda a ser elaborado – que também não recebeu prazo para ser concebido. Dada a ausência de prazos e o fato de já estarmos no 2º semestre do ano, o PLANTE parece ser, infelizmente, coisa para nascer apenas em 2025. No mínimo.

Antes do lançamento da PNTE, o próprio ministro Alexandre Silveira já havia anunciado um suposto Plano Nacional de Transição Energética, que nunca veio a público. Os cenários feitos para basear o PLANTE consideram a expansão da exploração de petróleo no país. Essa expectativa de expansão também faz parte do Plano Decenal de Energia 2034.

Foco

PNTE e PLANTE teriam por objetivo nortear a transição energética do Brasil, o que significa estabelecer um caminho claro e consistente para que a geração e a distribuição de energia no país gradualmente se tornem mais limpas – baseando-se em fontes renováveis, em vez de fósseis – e alcance pessoas em todas as regiões.

A transição energética é um compromisso que deve ser alcançado o quanto antes em todo o planeta, e por isso esteve no centro da mais importante decisão da COP-28, em Dubai, no ano passado. Na reta final da Conferência, os países se comprometeram com a “transição para longe” (em livre tradução) da queima de combustíveis fósseis para gerar energia. Na semana passada, um Pacto celebrado entre os Três Poderes trouxe como um dos pilares justamente a transição energética. Na primeira oportunidade que o Executivo teve para concretizar a letra do Pacto, podemos dizer que ela não foi exitosa.

A Resolução que traz a PNTE, na prática, diz muito pouco sobre o compromisso brasileiro em tempos de emergência climática. Além disso, as definições que o texto traz para os termos Transição Energética e Transição Energética Justa e Inclusiva permitem, aliás, continuidade para a queima de carvão e a exploração de petróleo por tempo indeterminado. Preocupante.

A expectativa em relação ao governo era que o progressivo incremento nos custos públicos de reparação, reconstrução e readaptação de equipamentos e serviços públicos fosse um motivo contundente para que o governo fixasse prazos arrojados e ritmo de força-tarefa na preparação do PLANTE. Ao contrário, uma análise detalhada da Resolução detecta que ela é silente quanto a prazos e morosa quanto à formação da governança do Plano, o que pode influir negativamente na perseguição brasileira às metas que devem figurar na nova NDC.

Além disso, o governo continua a emitir sinais contraditórios: ao passo em que fala em transição energética, segue regulamentando e subsidiando a expansão da exploração de gás natural, que de natural só tem o nome: é um combustível fóssil, retirado das profundezas do subsolo assim como o petróleo, e seus processos de extração e queima são tão prejudiciais à conta das mudanças climáticas quanto o petróleo. E mais: a depender do teor de metano presente no gás, pode até mesmo ser mais nocivo à atmosfera do que o petróleo, demonstra estudo publicado na revista Nature, entre tantos outros.

Governança

A política nacional prevê um fórum de discussões e consultas sobre transição energética, denominado FONTE. Essa instância contará com membros de governos estaduais e municipais, setor produtivo, academia e movimentos sociais e sindicais. A composição do FONTE tem de ser regulada dentro dos próximos 30 dias.

Embora consultivo e permanente, não está claro o quão influente o FONTE será em relação ao PLANTE e às decisões do próprio CNPE. Outro ponto é que a governança do setor energético brasileiro tem um aspecto difuso, bastante ramificado. Para se ter uma ideia, dias atrás, o Conselho Deliberativo da SUDAM aprovou soma bilionária para um complexo termelétrico no Amazonas, enquanto a SUDENE objetou (temporariamente, ao que parece) um projeto de usina solar no Ceará. Para além do CNPE, será que as recomendações expedidas pelo FONTE chegarão a conselhos estratégicos que se relacionam ao setor energético a ponto de influírem para melhor aplicação dos recursos públicos em energia no Brasil?

No fim das contas, uma prova de fogo para o governo de fato encampar a transição energética é demonstrar a “transição financeira” dos investimentos públicos em energia praticado pelo Estado brasileiro até aqui. É um desafio que demanda coragem e vontade políticas. Só assim PNTE e PLANTE terão força suficiente para que bancos, órgãos e agências de fomento deixem de “atravessar o samba” da transição energética, ao financiarem fósseis, como tem sido com o gás natural.

Transparência e participação social

A Resolução também prevê “mecanismos de transparência e prestação de contas” da PNTE, incluindo placar com progressos e resultados a serem alcançados. No entanto, o retrospecto do Ministério de Minas e Energia (MME) na condução de processos transparentes não é dos mais inspiradores. Vale lembrar da consulta pública sobre óleo e gás, em maio deste ano, para a qual foi estabelecido prazo mais do que exíguo, além de uma plataforma com problemas de acesso, e que, à época, a Política por Inteiro chegou a sinalizar sem, no entanto, qualquer acolhimento pelo Ministério.

De qualquer forma, para colher resultados a tempo, o Brasil precisará plantar o quanto antes.

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