Negacionismo climático e a política do desastre: até quando?

Foto: Ricardo Stuckert/PR

“Esse é o ano mais tranquilo do resto das nossas vidas.” Não sabemos quem é o autor da frase, mas ela tem se tornado comum entre grupos que estudam e debatem a emergência climática. A frase merece destaque pelo senso de realidade e impacto que transmite, ao indicar que a escalada de eventos climáticos extremos e toda sorte de prejuízos em diferentes dimensões, segundo a Ciência, está só começando.

Os eventos climáticos extremos têm ficado mais numerosos e intensos em todo o planeta e não têm faltado dados e alertas para a maior parte da população no Brasil. Direta ou indiretamente, a questão climática já alcança rádios, TVs, assim como manchetes e primeiras páginas dos maiores jornais, revistas e portais de notícias na internet, algo que não ocorria nessa proporção em décadas passadas.

Esse aumento de incidência indica que a preocupação da sociedade com o clima tem aumentado e pode até ser contabilizado como uma conquista prática da Ciência em favor da Humanidade, nos últimos anos.

Mas… O que estaria faltando para essa incidência também virar a chave de nossa classe política?

Na década passada, relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) já alertavam sobre a ocorrência de eventos climáticos extremos associados a chuvas na Região Sul ano a ano, até 2040. Essas informações chegaram a integrar um estudo encomendado pela Presidência da República em 2015, que, agora vemos, não foi utilizado por nenhum presidente da República, governador ou prefeito.

Mas os governos costumam ter segundas chances. A Ciência do Clima, então, tem dado a eles bem mais que duas. No Brasil, não faltam informações sistematicamente geradas por órgãos oficiais com pesquisadores de alto nível, como CEMADEN, INPE, INMET, CENSIPAM, universidades e outros centros de pesquisa. Ainda que falte visão de longo prazo e respeito à Ciência, governos locais tiveram outra chance recente: em 25 de abril, o jornal gaúcho Correio do Povo chegou a repercutir informação da organização MetSul Meteorologia sobre as chuvas históricas que estariam por vir nos dias seguintes. Não adiantou.

Não é como se as informações necessárias para os governantes tomarem decisões estivessem soterradas em artigos científicos que passam despercebidos pelo grande público: estavam em veículos de comunicação, em diferentes formatos, a olhos vistos! Agora quem será responsabilizado pela inação e por tamanho descaso com a Ciência e com a vida de seres humanos? 

O impacto climático é sistêmico, e interfere em nossas vidas de várias maneiras e proporções. Vai do prejuízo mais simples, como a suspensão de um jogo de futebol, passa pelo atraso em um Concurso Nacional que há meses direciona a vida de milhões de pessoas, e chega até os mais graves, como um recomeçar do zero, sem um teto sequer, ou o pior de todos: a interrupção de vidas daqueles a quem os governos não foram capazes de proteger.

Por falar em governos, entender a situação que o Brasil enfrenta em relação à crise climática é uma questão de ligar os pontos. Anos eleitorais são importantes para lembrar que o povo brasileiro elege, aos montes, negacionistas climáticos. O próprio Rio Grande do Sul, 5º maior colégio eleitoral do país, engrossa essa estatística: em 2022, o estado elegeu figuras como o deputado federal Lucas Redecker (PSDB/RS, 119 mil votos), recentemente em evidência por ser o relator de um Projeto de Lei que reduz a proteção para vegetação não-florestal em todo o Brasil; elegeu também o senador licenciado Luiz Carlos Heinze (PP/RS, 2,3 milhões de votos; ele pediu licença há três semanas, por 120 dias, por questões de saúde), que já disse não acreditar em aquecimento global. Hoje, na cidade natal do senador, Candelária/RS, o nível da água é tamanho que não há como chegar ou sair por terra.

Heinze, em 2016, sobre a assinatura do Acordo de Paris, afirmou que considerava que medidas de fortalecimento da política ambiental do país seriam “obra de nações estrangeiras” para atravancar o desenvolvimento nacional. É provável que você já tenha ouvido essa mesma fala, repetida como que em uma cartilha, sendo dita com frequência em Brasília entre 2019 e 2022. Que desenvolvimento nacional é esse que acumula, ano após ano, evitáveis prejuízos bilionários no setor agropecuário? Se o desenvolvimento defendido por Heinze é bom para o país, por que o custo dos seguros públicos, que pressiona o orçamento e reduz a capacidade de investimento nacional, só aumenta? Qual a perspectiva de manutenção desse “desenvolvimento” nas próximas décadas? 

governador Eduardo Leite (PSDB/RS, 3,7 milhões de votos) não está na mesma lista de Heinze, mas também está longe de uma marca positiva. Leite vem sendo questionado sobre o baixo orçamento público dedicado à questão climática. Mais recentemente, no  início de abril, sancionou, sem quaisquer vetos, lei estadual que fragiliza o Código Gaúcho de Meio Ambiente, ao permitir que barramentos d’água em Áreas de Preservação Permanente (APP) dependam apenas de declaração de “inexistência de alternativa técnica e/ou locacional à atividade proposta”. Detalhe: o Projeto de Lei já havia sido aprovado de maneira esmagadora pela AL/RS: 35 votos a 13, evidenciando a desimportância da questão climática para os parlamentares estaduais. Discussão semelhante que flexibiliza o licenciamento ambiental está no Congresso, com o PL 2159/2021.

Já no 5º ano de seu governo, em outubro de 2023, logo depois das fortes enxurradas ocorridas no estado, o governador gaúcho chegou a anunciar um Plano de Ação Climática, em cujos compromissos constam adaptação e resiliência, com iniciativas voltadas para a gestão de riscos. No entanto, diante da atual situação, tudo indica que a política de prevenção não vem sendo implementada de forma suficiente.

O vice-governador de Leite, Gabriel Souza, há poucos dias se colocou contrário à criação de uma Unidade de Conservação (UC), misturando alhos com bugalhos e decretando, em exercício de adivinhação, que um Parque “impediria sumariamente que o estado fosse inserido na transição energética”, numa associação infeliz, já que tampouco se conhecem o zoneamento da UC e detalhes sobre projetos de eólicas para a região. O governo gaúcho, portanto, com a anuência de Leite, oficiou ao ICMBio a posição manifestada publicamente por Gabriel.

No fim das contas, enquanto a classe política do país – que é em boa parte também classe empresarial – não vira a chave para a questão climática, empresas quebram, apólices de seguros encarecem, remendos de ações governamentais se tornam mais caros e insuficientes, famílias se desestruturam, a missão de desenvolver o país tropeça, projetos de vida são interrompidos e a dor se espalha. Discursos e ações inconsequentes seguem custando vidas.

A emergência climática é tratada como “coisa de ambientalista”, expressão bastante utilizada pela classe política brasileira, mas prejuízos e vidas perdidas recaem em contas e costas de todo mundo e viram dores de todas e todos nós. Preocupação com a emergência climática é coisa de gente.

Segundo o Boletim das 18h do dia 03/05 da Defesa Civil do Rio Grande do Sul, até aquele momento as tragédias provocadas pelas chuvas já haviam matado 39 pessoas e ferido 74. Havia 68 desaparecidos. Foram atingidos 265 municípios, afetando 351.639 pessoas, das quais constavam 8.168 em abrigos e 24.080 desalojadas.

MONITOR DE ATOS PÚBLICOS

O Monitor de Atos Públicos captou 11 normas relevantes para a agenda climática entre os dias 29 de abril e 3 de maio. Em uma semana bem diversa, a classe mais registrada foi Planejamento, com 4 atos. Os temas que mais apareceram foram Institucional e Florestas e Vegetação Nativa, com 3 normas cada. Nesta primeira semana de maio, o Monitor estreia o tema Finanças, dedicado a avaliar as normas ligadas ao financiamento climático, seja público ou privado, com 2 atos captados neste período, referentes ao planejamento da Taxonomia Sustentável Brasileira e à revisão do Programa Bolsa Verde.

Nota metodológica: A partir de janeiro de 2024, as normas de desastres, referentes aos reconhecimentos de situação de emergência nos municípios por eventos meteorológicos e climáticos extremos, deixam de ser contabilizadas no Monitor de Atos Públicos. O monitoramento contínuo passa a ser realizado exclusivamente no Monitor de Desastres.

MME fixa incríveis 15 dias para consulta pública sobre Óleo e Gás

O Ministério de Minas e Energia (MME) segue levantando preocupações e testando a fé de quem acredita num mundo com menos carbono.

Vamos começar do começo: um dos compromissos anunciados desde a campanha eleitoral do atual governo, em 2022, foi o de buscar trazer o cidadão para perto das decisões governamentais novamente. Logo no primeiro mês de governo, era criado o Sistema Nacional de Participação Popular, refletido na estrutura atual da Presidência da República, que conta com uma Secretaria Nacional de Participação Social. Até aí tudo bem.

Acontece que, se depender da disposição do Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, parece que será necessário o Brasil fazer muito mais para que uma participação social qualificada realmente se concretize. Isso porque o MME anunciou que dará 15 dias para que a sociedade participe da Consulta Pública digital sobre o tema “Óleo & Gás” na transição energética brasileira.

Em comunicado em sua página oficial, o MME diz que “quer ouvir a sociedade” sobre o papel do óleo e do gás na transição energética nacional. No entanto, uma série de situações nos faz pensar: será que quer mesmo?

(1) As regras da consulta levam em conta dias corridos, em vez de úteis; (2) é lançada numa sexta-feira e (3) com um feriado (1º de maio) no intervalo, aspectos que reduzem o número de horas disponíveis para cidadãos; (4) nos primeiros dias, o portal virtual que hospeda a consulta pública aceitava que cidadãos ingressassem com suas contas do Gov.Br e, agora, nos últimos dias, passou a exigir cadastro específico do cidadão no MME, dificultando o ingresso; não bastasse, o mesmo portal (5) tem “caído” com frequência; (6) a consulta até agora não foi publicada em Diário Oficial, comprometendo ainda mais a transparência do processo. Tudo isso, somado à, digamos, ousadia de (7) anunciar um prazo de (teóricos) 15 dias, conjunto da obra que torna o processo do MME inaceitável, para dizer o mínimo.

Para ser “pra inglês ver”, ainda teria que melhorar um tanto. Afinal: é para a sociedade participar ou não é?

Novidades na Taxonomia Sustentável Brasileira

Seguindo no planejamento do Sistema de Taxonomia Sustentável, foram instituídos 10 Grupos Técnicos Setoriais e Temáticos e definidas suas coordenações. A função dos GTs será definir critérios e limites de impacto ambiental e climático para atividades, ativos e projetos, desenvolver índices e instituir o sistema de monitoramento dos fluxos de investimentos alinhados aos objetivos da Taxonomia Sustentável Brasileira. O prazo de exercício dos GTS será de 365 dias, contados a partir da data da primeira reunião, prorrogável por igual período.

GRUPO TÉCNICOCOORDENAÇÃO
1Setorial agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquiculturaMF/MAPA/MDA/MMA/MPA
2Setorial indústrias extrativasMME
3Setorial indústria de transformaçãoMDIC
4Setorial eletricidade e gásMME/BNDES
5Setorial água, esgoto, resíduos e descontaminaçãoMMA
6Setorial construçãoMF/MT
7Setorial transporte, armazenagem e correioMT
8Setorial para serviços sociais, qualidade e planejamentoMF
9Temático para monitoramento, relato e verificaçãoMF/BNDES
10Temático para enfrentamento das desigualdadesMIR/MM

Programa Mobilidade Verde habilita mais um

Nesta semana, foi a vez de a empresa Fiat Chrysler Automóveis (FCA) ser reconhecida oficialmente pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) como uma das beneficiárias do Programa Mobilidade Verde e Inovação (MOVER), que vigora no país por Medida Provisória.

Uma habilitação à FCA já havia sido concedida no início do mês, mas apenas para a tipologia “produtos atuais”; já a nova habilitação refere-se a novos produtos ou modelos de produtos tecnológicos a serem desenvolvidos pela montadora, e que vão além do carro em si, englobando também novos componentes, insumos e matérias-primas.

A empresa – que desde 2015 é uma fusão entre a italiana Fiat e a estadunidense Chrysler, e que além das marcas homônimas hoje agrega nomes como Jeep, Dodge, RAM e Alfa Romeo – se une a outras 22 montadoras que também obtiveram reconhecimento em portarias do MDIC ao longo do mês de abril. As habilitações valem por cinco anos e subordinam as empresas à fiscalização do Estado brasileiro quanto aos requisitos e critérios pactuados na fase atual.

O Programa MOVER objetiva estimular a transformação da indústria automobilística nacional e também das regras de importação de veículos para o Brasil, por meio de incentivos e de regulação que reduzam o impacto climático decorrente do processo produtivo de bens automotivos.

O MOVER é tido pelo governo como um dos (com o perdão do trocadilho!) carros-chefe da transformação industrial a ser impulsionada no Brasil. Se aprovada pelo Congresso (a Medida Provisória que o criou só tem mais 30 dias para ser votada – leia mais abaixo, na seção Legislativo), a então Lei do MOVER se conectará diretamente com o Plano de Transformação Ecológica (PTE) e com o Programa Nova Indústria Brasil (NIB), duas políticas públicas para as quais a Política por Inteiro já teceu análises.

Presidência da República ainda se apronta para a COP-30

Decreto publicado em Diário Oficial amplia o quantitativo de cargos de assessoramento para a Secretaria Geral da Presidência da República (SGPR) atuar nos eventos G20 (2024) e COP-30 (2025). Os cargos são direcionados exclusivamente para estruturar a participação de movimentos sociais em ambos os eventos.

Os oito cargos foram temporariamente transferidos do Ministério de Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI) para a SGPR e retornam à origem em 31/12/2025, com exoneração automática de seus ocupantes.

Assim como a Casa Civil (CC) e a Secretaria de Relações Institucionais (SRI), na estrutura estatal a SGPR tem “status de ministério” por ser órgão classificado como “essencial” e é a responsável por articular as relações políticas do governo federal com os diferentes segmentos da sociedade. A COP-30 ocorrerá em Belém, Pará, em novembro de 2025.

MUNDO

“Tratado do Plástico” não engrenou ainda

É tudo no Canadá, mas Ottawa não repetiu Montreal. Calma, a gente explica: diferentemente do Protocolo de Montreal, tido como um dos casos de sucesso na diplomacia internacional envolvendo a eliminação de agentes químicos que destruíam a Camada de Ozônio, a rodada encerrada nesta semana na cidade vizinha, dedicada a um consenso para a eliminação do plástico no mundo, não prosperou.

No âmbito de negociações internacionais, é comum que debates tragam avanços mais relacionados a processos, do que a resultados propriamente. Apesar de o PNUMA dizer, que no caso do plástico, Ottawa teve pequenos avanços, ainda é difícil vislumbrar que os 174 países em mesa cheguem ainda neste ano a um consenso para uma versão final do chamado “Tratado do Plástico”.

A última chance do ano será em novembro, na Coreia do Sul.

A Um Só Planeta trouxe outros detalhes sobre as negociações no Canadá.

BRASIL

MMA atualiza regiões de emergência ambiental

Uma portaria lançada nesta semana, pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), atualiza a lista de regiões consideradas de emergência no Brasil para o tema de incêndios florestais. Para o período de maio a dezembro de 2024 a norma inclui áreas sensíveis como o Pantanal sul-matogrossense, o Sul maranhense e o Centro-Sul do Paraná, regiões que não estavam na última portaria, de fevereiro deste ano, que foi revogada em razão da atual.

Logo após a atualização das áreas vulneráveis, o Ibama autorizou, via portaria, a contratação de brigadas federais para a prevenção e combate aos incêndios florestais pelo Prevfogo. A autorização deste ano foi mais tardia que a emitida em 2023, publicada em meados de abril. O atraso no planejamento, ainda que pareça pequeno (20 dias), pode custar muito caro para os biomas brasileiros dentro do atual contexto. O Programa Queimadas do INPE, indica que o total parcial de focos de incêndio no Brasil, entre 01/01 a 01/05 de 2024, já é 81% maior que o ocorrido no mesmo período de 2023.

Em nossa análise, a definição de regiões de emergência ambiental é uma medida acertada e que gera benefícios em diferentes frentes. A primeira é de planejamento, agregando em inteligência de dados e antevisão para a priorização de ações de gestão preventivas; a segunda é a administrativa, pois pode trazer maior agilidade na aquisição de bens e serviços para as regiões listadas, reduzindo o tempo de resposta estatal perante as demandas locais; e a terceira seria de articulação interfederativa, uma vez que não apenas União, como também estados e municípios são instados a atuar para garantir que o risco presumido ou não se confirme, ou ocorra de modo atenuado e sob controle.

O ideal, é claro, é que entre em cena o capital de coordenação dos órgãos federais, orquestrando a atuação dos diferentes entes. O Programa União com Municípios, iniciado para valer no último mês de abril, é um balão de ensaio interessante nesse aspecto. Outros programas de incentivo com desenho similar a ele poderiam ser concebidos.

Programa União com Municípios tem prazo para adesão prorrogado

O Programa União com Municípios, que já foi objeto de análise da Política por Inteiro, tem prazo de adesão prorrogado em mais 30 dias. Agora, prefeitos e secretários de 17 municípios terão até 31 de maio para aprontar o processo de entrada oficial no programa. No início de abril, uma cerimônia em Brasília oficializou a entrada de 53 municípios no programa. A portaria de prorrogação foi publicada nesta semana.

A lista com os 70 municípios prioritários para combate ao desmatamento está em vigor desde novembro de 2023. É esperado que a lista seja dinâmica, incluindo e retirando municípios conforme desempenho de combate ao desmatamento e outros indicadores associados.

A Política por Inteiro, infelizmente, considera alta a probabilidade de que a maior parte dos 17 municípios restantes não confirme a adesão. Adoraríamos estar enganados, mas ainda são muitas as dificuldades políticas internas e de mentalidade sobre desenvolvimento nos municípios, ingredientes que se acirram num ano eleitoral em que nenhum prefeito quer ser visto como impopular. Especialmente na Amazônia Legal, ainda é difícil vender a ideia de um programa que recompense com investimentos a performance de combate ao desmatamento, posto que ocupações e renda ainda se vinculam a atividades ilegais.

Confira análise sobre o Programa aqui.

MMA se organiza para embarcar nas Caravanas Federativas 

Em um país de grandes dimensões e com orçamento e poderes excessivamente concentrados em Brasília, toda iniciativa federal que objetive firmar aproximações e resolução de problemas diretamente com municípios deve ser avaliada como potencialmente positiva. A iniciativa Caravanas Federativas, coordenada pela Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, parece similar ao “Ação Cidadania”, mas tendo como público-alvo demandas de prefeitos e secretários municipais pelo Brasil. No tocante ao MMA, as Caravanas Federativas podem ser utilizadas para estimular a adoção de pactos pela contenção do desmatamento local e estímulos a adesão de uma agenda de qualidade ambiental urbana, dois grandes flancos de política pública que carecem de apoios político, financeiro e técnico, vindos do governo federal, no nível local.

Uma recomendação seria, através das Caravanas, ampliar o número de municípios amazônicos incluídos no Programa União com Municípios, que conta com recursos do Fundo Amazônia, e para o qual o direcionamento de demandas de investimento é sempre válido. Outra recomendação seria reeditar o Programa Arco Verde/Terra Legal, aproveitando aprendizados do passado e agregando novas políticas, como é o caso do Programa Terra da Gente, recém-lançado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Até o momento, a SRI/PR não tornou público o calendário destas caravanas para 2024. Transparência e planejamento poderiam ampliar os resultados das visitas.

MDIC e INMETRO (en)rolam prazo para eficiência energética de edificações

Uma portaria publicada nesta semana atrasa em mais 6 meses a aplicação do novo conjunto de requisitos técnicos do Inmetro sobre eficiência energética em edificações no Brasil.

A norma altera o texto de uma portaria de 2022, que estabelecia que o regulamento entraria em vigor em 1º de maio de 2024 (esta semana!). Agora, o novo conjunto de requisitos aprovado em 2022 para orientar a aplicação da chamada Etiqueta Nacional de Conservação de Energia (ENCE) para edificações só entrará em vigor no dia 1º de novembro.

Até lá, empreendimentos deverão usar “notas técnicas emitidas pelo Programa Brasileiro de Etiquetagem”, diz a portaria, já que os conjuntos de requisitos técnicos anteriores, de 2010 e 2012, já haviam sido revogados pela portaria de 2022.

A ENCE é uma etiqueta vinculada ao Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (PROCEL) e que tem por objetivo estimular que equipamentos em território brasileiro sejam planejados para uso eficiente de energia, colaborando para a redução da pegada de carbono do país, e, em consequência, para a redução de custos de produção de energia e para a própria segurança energética nacional. Além disso, a etiqueta estimula as marcas a uma busca contínua por aperfeiçoamentos de produtos e de processos produtivos, gerando uma competição favorável à redução de impactos no clima.

Você certamente conhece uma ENCE, normalmente afixada em eletrodomésticos e até em veículos. As edificações também têm um protocolo específico para esta etiquetagem.

Exemplo de ENCE para eletrodoméstico. Também se aplica a veículos e edificações. Reprodução: IEI Brasil

AMAZÔNIA

Bolsa Verde recebe atualizações

Nesta semana foi revisada a lista de áreas contempladas pelo Programa Bolsa Verde. A política funciona como um mecanismo de transferência de renda que beneficia as famílias que vivem em Unidades de Conservação de Uso sustentável (Reservas Extrativistas, Florestas Nacionais e Reservas de Desenvolvimento Sustentável), em assentamentos ambientalmente diferenciados da Reforma Agrária (florestal, agroextrativista e de desenvolvimento sustentável) e em territórios ocupados por povos e comunidades tradicionais, como ribeirinhos, extrativistas, indígenas, quilombolas e outros.

Foram incluídos 87 novos territórios, entre Unidades de Conservação e Projetos de Assentamentos Diferenciados, ao todo o Bolsa Verde conta com 228 áreas no país, beneficiando cerca de 30 mil famílias. Após anos de paralisação, o programa foi retomado em setembro de 2023 e a meta do governo para essa nova fase é beneficiar 100 mil famílias.

LEGISLATIVO

O Brasil finalmente tem uma Política Nacional de Qualidade do Ar

Enquanto os diplomatas e demais agentes externos deliberam sobre o Tratado contra Poluição de Plásticos (leia mais acima), a ambiência política doméstica aprovou medidas contra outro tipo de poluição: a atmosférica.

Iniciada em meados de 2018, pelo deputado Paulo Teixeira (PT/SP), na Câmara, e finalmente aprovada no Senado, sob a relatoria do senador Contarato (PT/ES), a Política Nacional de Qualidade do Ar (PNQA) gozou de tramitação relativamente azeitada.

Para um tema que eventualmente resultará na responsabilização de entes federados e, invariavelmente, solicitará mudanças nas formas de deslocamento em metrópoles e cidades globais em território nacional, a PNQA recebeu apenas um mero pedido de vista em todas as Comissões Parlamentares, com exceção da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS), em ambas as Casas.

O texto da lei é considerado redondo e tecnicamente robusto para fazer valer as intenções de assegurar a melhoria da qualidade ambiental em áreas urbanas e periurbanas. A batalha agora é garantir qualidade nos atos regulatórios infralegais.

No corpo do PL aprovado encontram-se dois pontos relevantes: (1) a principiologia de “poluidor-pagador” e o “protetor-recebedor”, e (2) o inventário de emissões atmosféricas.

Jogando luz ao segundo ponto, com base nos ditames aprovados, o inventário de emissões atmosféricas será elaborado na forma definida em regulamento, e apresentado pelos estados e pelo Distrito Federal ao MMA, no prazo de três anos a partir da publicação. No governo federal, o prazo é de um ano a partir da publicação dos inventários estaduais e do distrital. O inventário deverá conter, no mínimo, as fontes de emissão do local e sua distribuição geográfica, poluentes, metodologia de estimativa de emissões e lacunas de informações identificadas.

A partir da inventariação das emissões de poluentes atmosféricos, torna-se possível melhorar a elaboração de Planos Diretores, a aprovação de rodízios em municipalidades resistentes à implementação de formas não rodoviárias, bem como ampliar a conscientização dos gestores públicos quanto às formas de garantir o direito constitucional ao meio ambiente saudável e equilibrado.

Como era de se esperar deste tipo de instrumento, prevê-se a redução progressiva das emissões e de concentrações de poluentes atmosféricos. Durante a tramitação, foram várias as discussões envolvendo essa redução e o tema da eletromobilidade de massas. Simultaneamente, setores automobilísticos solicitaram que a principiologia da “razoabilidade e proporcionalidade” fosse expressamente incluída, o que aponta sintoma de utilização da narrativa de transição lenta e gradual para reduzir as ambições de redução de emissões.

Reta final para a MP do Mover

Com o final de abril, a Medida Provisória que cria o Programa Mobilidade Verde e Inovação – Programa MOVER entra em sua reta final de vigência e só tem mais 30 dias para ser votada pelo Congresso.

Aliás, por uma manobra do mesmo Congresso, a MP 1205, que é de 30 de dezembro de 2023, já se estendeu para além dos 120 dias preconizados pela Constituição (!) e tem desde então, num Ato da Mesa Diretora do Congresso a sustentação para funcionar até 30 de maio.

MONITOR DE DESASTRES

O Monitor de Desastres captou 6 atos de reconhecimento de situação de emergência ou calamidade pública decorrentes de eventos climáticos ou meteorológicos extremos, ocorridos em 566 municípios. A quantidade elevada de municípios se deve ao decreto de calamidade pública em todo o estado do Rio Grande do Sul, devido às chuvas intensas. A região sudeste também foi atingida, em menor grau, assim como a região norte e nordeste, com episódios de inundações. A estiagem ainda se faz muito presente no nordeste, com registros de seca, que vem se agravando no Rio Grande do Norte.

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Mais um ajuste de orçamento para desastres 

Além do que vem ocorrendo no Rio Grande do Sul, a semana trouxe também um outro sinal relevante no tema Desastres: uma Medida Provisória abriu crédito extraordinário de R$ 369 milhões para ações de defesa civil. Em tempos de orçamentos apertados e controle de gastos, se governos anteriores tivessem dado a devida atenção à Ciência do Clima, hoje somas bilionárias de recursos públicos poderiam estar sendo redirecionadas para investimento no país.

Ao atuar remediando, o Brasil gasta mais e gasta pior, já que ações da Defesa Civil não resolvem questões de déficit habitacional e obras de adequação das cidades a eventos extremos. Aliás, eis aí dois tópicos decisivos para que políticas de adaptação climática dêem certo. Ainda é tempo, porque, afinal, o custo de funcionamento da Defesa Civil nos próximos anos só tende a aumentar.

Até quando os créditos serão extraordinários, em vez de planejados?

Até quando será mera resposta, em vez de planejamento?

Até quando será gabinete de crise, em vez de gabinete institucional?

Até quando será gerir o desastre, em vez de gerir o risco?

Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO

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