No jogo dos Três Poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário se uniram e firmaram, na quarta-feira (21), o Pacto que constitui o compromisso em atuarem de maneira harmônica e cooperativa para a chamada Transformação Ecológica. Essa transformação requer que o Estado brasileiro – mais do que somente o governo – incorpore um conjunto de medidas que persigam a sustentabilidade ecológica, o desenvolvimento econômico sustentável, a justiça social, ambiental e climática, a consideração dos direitos das crianças e das gerações futuras e a resiliência a eventos climáticos extremos. O Pacto determina que estes cinco pontos sejam objetivos do país (leia a análise sobre a iniciativa).
O Executivo, por Lula, ressaltou que o enfrentamento da crise climática é “o maior desafio nos nossos tempos”; o Judiciário, pelo ministro Luís Roberto Barroso, principal articulador do Pacto, frisou que é hora de o Brasil superar o negacionismo: os eventos climáticos extremos são decorrência da ação humana; Arthur Lira (até Lira) e Rodrigo Pacheco entraram no jogo: o presidente da Câmara destacou que concertação é essencial para efetivar o desenvolvimento sustentável e disse que o Pacto é uma “manifestação de visão estratégica essencial para respostas a urgentes problemas que a Humanidade tem diante de si”; o presidente do Senado falou em “consenso institucional” e, ao associar equilíbrio climático à própria manutenção da democracia, disse que o Pacto abre caminho para “novas normatividades” entre os Poderes.
Somando o dito e o escrito, o Pacto não deixa de trazer algum fôlego na institucionalidade brasileira, já que, no contexto atual, Poderes têm conflitado a olhos vistos. Os embates em torno da tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas, a emenda constitucional para limitar os poderes do STF e a suspensão de parte das emendas parlamentares são capítulos recentes que confirmam o momento conturbado da República.
No entanto, a mera celebração do Pacto não pode ser romantizada. Ao firmarem compromisso climático, os chefes dos Três Poderes não viraram as cartas inevitáveis para sustentar a transição energética (um dos eixos de ações do Pacto), como a eliminação progressiva da queima de petróleo e gás ou a não abertura de novas frentes de exploração. Questões como demarcação de territórios indígenas e quilombolas, licenciamento ambiental, revisão de investimentos em infraestrutura viária, adaptação de cidades, geração de empregos verdes e revisão de subsídios públicos a setores industriais – ainda que não mencionadas explicitamente no documento – são assuntos que gritam na vida real.
Do ponto de vista do que a política climática brasileira precisa, não há como negar a relevância de um movimento como o desta semana. A celebração do Pacto é bem-vinda. Porém, há distância entre teoria e prática, discurso e ação. Embora necessário, o Pacto, sozinho, não é suficiente para que o país envergue a bandeira da transformação ecológica como farol para um modelo de desenvolvimento nacional pautado pela já irrefutável realidade climática em que estamos todos imersos.
Numa leitura de semiótica, o movimento puxado pelo STF poderia ter tido outros nomes. Poderia ser meramente um “ato”, gerar uma “declaração”, ou qualquer termo insosso sobre o qual não se criam grandes expectativas. Mas o consenso foi por “Pacto”. Não que isso altere a inexistência de qualquer força normativa, de obrigação dos Poderes (só cumprir a Constituição já parece algo difícil, ultimamente), mas “pacto” é uma escolha deliberada por algo forte, concreto, que não permite esforços “pela metade”. O Pacto firmado em Brasília significa a existência de um “mínimo denominador comum” entre cabeças e visões de mundo amplamente distintas, e o documento inevitavelmente eleva o sarrafo das expectativas por políticas públicas convergentes à questão climática. Mas está longe de colocá-lo onde necessário para de fato iniciar a transformação de que precisamos.
A verdade é que, com ou sem pacto, o grande desafio do Estado brasileiro segue sendo a aterrissagem de ações climáticas concretas na vida real das pessoas e incentivos claros a agentes públicos e econômicos. Para isso, é preciso vontade política e um profundo redirecionamento do dinheiro público. Além disso, os Poderes também têm a capacidade de, com seus atos, influenciarem o redirecionamento do dinheiro privado, por meio de leis, regulamentos e decisões que quebrem a lógica de desenvolvimento a qualquer custo, quase sempre com o agravante de estar amparada em vultosos subsídios governamentais (com dinheiro do contribuinte) para atividades que intensificam as mudanças climáticas e aumentam o custo de nossa própria existência, a exemplo da exploração de mais jazidas de petróleo e gás natural. O Pacto fará alguma diferença no esforço de romper essa (i)lógica?
Pertencemos a uma geração que compreende a palavra “Pacto” como significado de algo concreto, forte, com tom de inabalável. Resta saber se esta “trinca de Ás” dos Três Poderes seguirá semântica ou inaugurará uma nova. Do lado de cá, escolhemos acreditar que o Pacto pela Transformação Ecológica pode ser um “coringa” para virar o jogo no embate às mudanças climáticas. Aguardamos as cartas que completam a canastra da transição energética sobre a mesa.
FRASE DA SEMANA
“O enfrentamento da mudança climática tem algumas dificuldades que nós precisamos superar, e a primeira delas, com a postura que adotamos aqui, é superar o negacionismo."
ABC DO CLIMA
Financiamento Climático – É o dinheiro que precisa ser investido na transformação de processos econômicos e outras atividades para reduzir as emissões que estão causando as mudanças climáticas e para ajudar as pessoas, cidades, infraestruturas e a sociedade em geral a se adaptar e criar resiliência aos impactos que já estão ocorrendo e ocorrerão. Isto pode depender de financiamento local, nacional ou transnacional, obtido de fontes de financiamento públicas, privadas e alternativas. O financiamento climático é fundamental para enfrentar as mudanças climáticas porque investimentos em grande escala são necessários para reduzir significativamente as emissões, principalmente em setores que emitem grandes quantidades de gases de efeito estufa, e também para apoiar projetos de transição e adaptação. Estruturar uma estratégia de financiamento climático é um exercício novo para o Brasil, em um contexto de grande concorrência global pelos recursos para a transição à economia de baixo carbono.
NDC 3.0
O Instituto Talanoa elaborou o documento “NDC 3.0: um roteiro para o Brasil liderar”, que traz uma lista de propostas para que a próxima Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) do Brasil seja construída como uma contribuição direta ao objetivo de manter vivo o limite de 1,5°C de aquecimento global e possa colocar o país na posição de liderança na agenda. O policy brief mostra o que o Brasil precisa incluir em sua NDC para que o documento seja lido com confiança pela sociedade, incluindo mercados.
MONITOR DE ATOS PÚBLICOS
O Monitor de Atos Públicos captou 11 normas relevantes para a agenda climática entre os dias 19 a 23 de agosto. O tema mais frequente da semana foi Terras e Territórios, com 5 atos, com as normas do tema Institucional (3) em maior número do que na semana anterior. Assim como na semana anterior, a classe mais captada voltou a ser Planejamento, com 6 atos, acima das normas de Resposta (2) e de Regulação (3) esperadas. A agenda predominante foi Governança, com 7 dos 11 atos.
Financiamento de termelétrica no Amazonas
Publicada nesta semana, uma resolução da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) aprova financiamento de R$ 1,02 bilhão para construção de uma usina termelétrica a gás no município de Silves, no Amazonas. Os recursos sairão do Fundo de Desenvolvimento da Amazônia (FDA), instrumento gerido pela SUDAM para “infraestrutura, serviços públicos e empreendimentos produtivos” que estimulem “novos negócios”. De “novo”, uma termelétrica a gás natural não tem nada: do ponto de vista do clima, é uma das formas mais carbono-intensivas de gerar energia. Além disso, o funcionamento de termelétricas é mais caro, tornando-as menos eficientes. Nos parece não ser assim que se promove a transição energética – pactuada pelos Três Poderes nesta mesma semana. É sempre importante lembrar que gás natural, apesar do nome remeter à ideia de natureza, é um combustível fóssil, retirado das profundezas do subsolo e, dado o teor de metano, sua queima é tão prejudicial à conta das mudanças climáticas quanto o petróleo.
É importante ponderar que boa parte da energia gerada no complexo de termelétricas amazonenses alimenta estados amazônicos, com destaque a Roraima, que ainda não está conectada ao Sistema Interligado Nacional (SIN). É compreensível, portanto, que as termelétricas a gás ainda sejam alternativas à segurança energética de parte do país, mas é essencial que os investimentos nessa modalidade de produção de energia sejam decrescentes. Afinal, isso é transição energética: uma rota para gradualmente converter investimentos para fósseis em subsídios a renováveis. Nesse contexto, como a SUDAM tem buscado se preparar para colaborar nesse jogo decisivo?
Uma recomendação da Política por Inteiro é que, de forma urgente, as Superintendências e Agências de Desenvolvimento regionais passem por uma atualização legislativa com “banho de loja” sobre Ciência do Clima. Muitas das normas que direcionam investimentos nessas instituições são das décadas de 1990 e 2000, o que tem aberto brechas para aplicações que não cabem mais na nova realidade climática que vivemos. Enquanto isso, jorra dinheiro público que atenta com o clima: mais combustível fóssil sendo queimado, mais subsídios públicos para isso. No fim, a conta do clima aumenta para todos.
Alerta crítico no Mato Grosso do Sul
Novo capítulo da tensão envolvendo povos indígenas, dessa vez no Mato Grosso do Sul, identificado nesta semana. Está criada uma Sala de Situação com a finalidade de “monitorar, analisar e adotar providências” para a situação dos Guarani-Kaiowá, na região da terra indígena Panambi-Lagoa Rica, que embora identificada pelo Estado brasileiro desde 2011, no Centro-Sul do estado, ainda não foi oficialmente homologada. Ao criar Sala de Situação para o caso sul-matogrossense, o governo sinaliza a gravidade do conflito. De abril para cá, já é o terceiro movimento feito pelo MJSP para tentar dar conta de embates envolvendo indígenas e ruralistas no MS, que vêm se arrastando há pelo menos três décadas.
Vem aí um Serviço Climático brasileiro
Uma portaria do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) criou, nesta semana, um grupo de trabalho (GT) com objetivo de “estudar a viabilidade” e delinear os contornos de um “Programa de Serviços Climáticos que acolha e aprimore os atuais serviços congêneres existentes no âmbito das Unidades de Pesquisas do Ministério”. Infelizmente, a norma não revela muito das intenções específicas do MCTI e vinculadas com a concepção do Programa. E talvez não revelará. A portaria tem uma “trava de confidencialidade”, que impede que os integrantes revelem detalhes sobre qualquer discussão feita no âmbito do GT. Uma possibilidade é a reconfiguração das instâncias estatais de pesquisa em uma espécie de “Copernicus” à brasileira, o conhecido serviço climático da União Europeia, que gera dados e informações que auxiliam tomadas de decisão governamentais e podem alertar setor privado e cidadãos acerca dos efeitos do clima ao redor do mundo. Estamos equivocados? Só o tempo dirá.
Novos Assentamentos
Nesta semana, os estados da Bahia e de Pernambuco passaram a contar com 2 novos assentamentos. Somadas, são mais 277 famílias arroladas para se beneficiarem da Política Nacional de Reforma Agrária (PNRA).
LEGISLATIVO
EcoInvest
Nesta semana, a MP nº 1.213, de abril de 2024 que, entre outros programas financeiros, criava o programa de mobilização de capital privado estrangeiro, EcoInvest, caducou. Apesar de destravar o fluxo de capital privado externo para financiamento climático, o modelo de governança proposto precisava de ajustes, pois conflitava com a governança já estabelecida no Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC ou Fundo Clima). Poucos meses atrás, a Política por Inteiro apontou os caminhos para corrigir esse equívoco. Diante do sinal dado pelo Congresso, que não aprovaria a matéria via Medida Provisória, a liderança do governo propôs um PL substituto com o mesmo teor da MP e com os mesmos imbróglios de governança. Da forma como está posto, o texto segue comprometendo a idoneidade da proposta. Sobrepor a governança do FNMC gera insegurança jurídica e retrocesso na governança climática brasileira, ainda que o Ecoinvest seja um instrumento fundamental para a transição ecológica.
BRASIL
Declaração Conjunta Brasil-Reino Unido
Uma visita do Secretário de Estado para Segurança Energética e Net Zero do Reino Unido ao Brasil, Ed Miliband, nesta semana, motivou uma cooperação internacional sobre clima entre os países. A cooperação é orientada por uma Declaração conjunta entre as partes, que se comprometem a trabalhar pelo chamado crescimento verde e inclusivo nos dois países. Dois dos destaques do compromisso estão na seção de Transição Energética, na qual as partes se comprometem a (1) “se afastar dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos de maneira justa, ordenada e equitativa”, além de (2) “eliminar gradualmente os subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis”, pontos centrais de qualquer proposta séria de descarbonização em curso no planeta. Clima, florestas, agricultura, energia e finanças são os temas gerais da cooperação.
MONITOR DE DESASTRES
O Monitor de Desastres captou apenas 1 ato de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos extremos, que atingiram 2 municípios do estado Acre, devido à erosão de margem fluvial, resultado da seca extrema.
TALANOA NA MÍDIA
X (Twitter) | O jornalista André Trigueiro, em sequência de tweets sobre atos de governos, entre 2019 e 2024, menciona o relatório Reconstrução, da Política por Inteiro. |
Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO