CIM, mais participação. E decisão?

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Datas são simbólicas e importantes para reflexão. Mas, para além disso, no Brasil elas têm servido como oportunidade para gerar pressão e ampliar as expectativas quanto a anúncios relevantes a serem feitos pelo governo. Assim como em 2023, o governo Lula atendeu ao apelo do Dia Mundial do Meio Ambiente e anunciou um pacote amplo, que cobre temas que a Política por Inteiro já vinha identificando como represados (confira a seção “Termômetro do Mês”, em nossa última análise mensal).

Os anúncios da semana abrangem criação de áreas protegidas, regulamentos para florestas, cidades e questões de governança institucional. Nesse último tema, destaque para a reforma ddo Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), com o Decreto 12.040/2024. A nova configuração cria uma estrutura executiva semelhante à que já existiu anteriormente com o Grupo Executivo sobre Mudança do Clima – GEX (instituído em 2007), agora sob o nome de Subcomitê Executivo.. O Comitê seguirá tendo como desafio rodar no ritmo requerido pela emergência climática, e deliberar sobre questões essenciais, como a atualização da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) brasileira e, assim, da política climática que nos fará chegar lá. Enquanto isso, os grupos técnicos temporários (GTTs) vinculados ao CIM seguem rodando (leia mais sobre reforma do CIM abaixo).

Apesar do pacote, os anúncios do governo não ficaram com todo o holofote. Nesta semana, ganharam destaque questões que a administração pública ainda não resolveu, e que rebatem diretamente na agenda climática brasileira. Segundo o portal OEco, 1.239 servidores comissionados de IBAMA e ICMBio entregaram seus cargos no mesmo dia em que o pacote era anunciado, em protesto do funcionalismo por melhoria em suas carreiras. Até quando o desmatamento conseguirá manter a curva decrescente com as principais autarquias do governo no tema funcionando em “operação-padrão”?

MONITOR DE ATOS PÚBLICOS

O Monitor de Atos Públicos captou 15 normas relevantes para a agenda climática entre os dias 3 e 6 de junho. A classe mais frequente da semana foi Regulação, bastante relacionada às medidas publicadas no pacote do Dia do Meio Ambiente. O tema mais recorrente foi Florestas e Vegetação Nativa, também derivado do pacote ambiental, que, entre outras ações, criou duas Unidades de Conservação e instituiu a Estratégia Nacional de Bioeconomia.


CIM repaginado

A reforma do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM) ampliou a participação governamental ao incluir mais três ministérios e a Advocacia Geral da União. A composição passa a contar com o Ministério das Mulheres, do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome e da Educação. Em resposta às críticas sobre a falta de participação da sociedade civil, de outros entes federativos e da ciência, foram criadas três câmaras: Câmara de Participação Social, Câmara de Articulação Interfederativa e Câmara de Assessoramento Científico. Cada uma dessas estruturas terá dois assentos, sem direito a voto, no CIM. As normas sobre composição e funcionamento delas ainda serão definidas por atos do CIM.  Ou seja, se o comitê seguir sem cumprir o ritmo mínimo de reuniões estabelecido por decreto (uma por semestre), essas câmaras não funcionarão. O CIM se reuniu desde seu restabelecimento há um ano somente uma vez – em setembro de 2023.

Além das Câmaras, a parte mais propositiva da revisão foi a criação do Subcomitê-Executivo, com representantes de 11 ministérios, sob a coordenação do MMA. O grupo será responsável, entre outras funções, por elaborar a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) e promover sua implementação e monitoramento. Essa estrutura menor lembra o GEX que existia anteriormente, como mencionado na abertura deste boletim. Com menos membros, é possível que haja mais celeridade na construção das políticas, mas, dado que seu trabalho deve subsidiar as decisões do CIM, há um limite para até onde a agenda pode caminhar sem uma maior mobilização do comitê em si.

Além do braço executivo, foi criado também o subcomitê para a COP30, com sete ministérios, a fim de garantir que as políticas públicas nacionais estejam alinhadas com os objetivos da conferência que ocorrerá em 2025 no Brasil.

E mais comitês podem ser criados.

Unidades de Conservação e Manguezais

Nesta semana, quatro Unidades de Conservação (UCs) foram criadas ou reconhecidas oficialmente em âmbito federal: duas Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN), um Refúgio da Vida Silvestre (Revis) e um Monumento Natural (MoNa). As UCs estão situadas nas regiões Norte (AM), Nordeste (BA), Centro-Oeste (MS) e Sul (RS). Ainda nessa toada, o Brasil passa a ter o ProManguezais, programa nacional que deve fortalecer o olhar do Estado brasileiro para ecossistemas de mangue, que são grandes reservas de carbono e biodiversidade, imprescindíveis para garantir a resiliência das zonas costeiras e marinhas. É importante compreender o ProManguezais dentro do contexto recente de rebuliço causado pelo Projeto de Emenda Constitucional (PEC) nº. 3/2022, chamado de PEC da privatização das praias.

Ainda quanto às duas UCs criadas no dia 5, são categorias de Proteção Integral conhecidas por permitirem uma maior interação com a sociedade: tanto o Revis do Sauim-de-Coleira, no Amazonas, quanto o MoNA Cavernas de São Desidério, na Bahia, deverão ser áreas protegidas cuja implementação passa necessariamente pela interação com a sociedade, que pode ser bastante estimulada por atividades de turismo, bioeconomia e educação e pesquisa científicas.

A criação do MoNA Cavernas de São Desidério, na Bahia, é ainda mais significativa diante dos dados de desmatamento divulgados pelo MapBiomas na semana passada, que apontou São Desidério como o município que mais desmatou em 2023. A perda de vegetação nativa chegou a 40.052 hectares, 9% a mais que em 2022, ultrapassando o município de Lábrea/AM que foi o campeão em 2022. A UC criada totaliza 16 mil hectares de área protegida (cerca de 1% do município) e espera-se que seja o início do esforço do poder público em conter o avanço do desmatamento no Cerrado.

O placar da Política por Inteiro aponta que, até o momento, desde o início do governo Lula, 12 Unidades de Conservação foram instituídas, totalizando 278 mil hectares. No entanto, cabe o alerta: apenas cinco delas foram criadas por esforço governamental; as outras sete são iniciativas particulares pontuais, que apenas foram reconhecidas oficialmente pelo Estado brasileiro.

Segundo notícia publicada no site do Instituto Socioambiental (ISA), a criação de novas UCs está num ritmo lento porque a Casa Civil tem devolvido processos ao MMA alegando falta de articulação com os estados.

Bioeconomia

Após 18 meses de governo, finalmente está oficializada a Estratégia Nacional de Bioeconomia. O documento, que é importante para guiar o desenho da política que virá, apresenta um conceito brasileiro de bioeconomia, que não é trivial, e indica a superação de uma disputa que já dura algum tempo. O conceito é essencial para garantir os devidos contornos que o Plano Nacional de Desenvolvimento da Bioeconomia deverá tomar.

Uma vez lançada a estratégia, a roda não pode mais parar de girar. A partir do dia 6 de junho, os ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e Fazenda (MF) têm 30 dias para instituir a Comissão Nacional de Bioeconomia, colegiado responsável pela elaboração do Plano.

Tratada como um modelo de desenvolvimento produtivo e econômico, o decreto define que a bioeconomia deve exercitar a inovação para aproveitamento de ativos ambientais e ir ao encontro da bio-industrialização, colocando-se, portanto, em linha com a nova política industrial brasileira. Um grau acima, a Estratégia se conecta ao Plano de Transformação Ecológica (PTE), que ocupa o centro da política econômica nacional.

Um dos objetivos da Estratégia é a criação do Sistema Nacional de Informações e Conhecimento sobre a Bioeconomia, que deve ser implementado pelo MMA e funcionará como um repositório de informações para subsidiar a tomada de decisões.

Cidades Verdes Resilientes

O Programa Cidades Verdes Resilientes PCVR foi lançado com o objetivo de aumentar a capacidade de suporte dos territórios mais vulneráveis aos impactos da mudança do clima. Uma das linhas de ação do PCVR é a articulação institucional, tarefa que já se torna urgente, visto que no PAC consta o eixo “cidades sustentáveis e resilientes” que tem previsto mais de R$ 600 bilhões em investimentos. No entanto, a infraestrutura financiada pelo PAC hoje não atende às necessidades de adaptação das cidades, pois não inclui de forma substantiva tecnologias de baixo carbono, nem soluções baseadas na natureza, pontos fundamentais no planejamento do PCVR. Dessa forma, uma recomendação é articular as ações e alinhar os esforços do Cidades Verdes Resilientes aproveitando a força do PAC, para a execução de uma estratégia de resiliência para o meio ambiente urbano, de forma a promover a redução das desigualdades pela lente da justiça climática. É bom para o próprio PAC e é bom para o PCVR.

LEGISLATIVO

Programa MOVER agora será lei

O Senado votou nesta semana pela aprovação do Programa Mobilidade Verde (MOVER), uma frente importante dentro do plano de neoindustrialização do Brasil. O MOVER estava de pé graças a uma Medida Provisória, que agora será lei no país.

O MOVER conta com a adesão de, até agora, 77 empresas a serem estimuladas com o pacote de incentivos concebido pelos Ministérios da Fazenda (MF), da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Entre essas empresas estão, além das principais marcas de veículos no país – num conjunto que vai de carros de passeio a máquinas agrícolas –, várias marcas de peças e acessórios veiculares.

O progresso das empresas na descarbonização de seus processos produtivos e de itens de qualidade em produtos será monitorado pelo governo, que poderá retirar a empresa do programa em caso de não-atingimento de metas.

Confira a relação de empresas credenciadas pelo MOVER, até então.

MUNDO

Uma década difícil pela frente

A Organização Meteorológica Mundial (OMM) anunciou que ainda nesta década a humanidade ultrapassará o teto de 1,5ºC que a ciência do clima tanto tem alertado. O anúncio explica que hoje estão em 80% as chances de que pelo menos um dos próximos cinco anos opere acima dessa temperatura. Há ainda a probabilidade de que 47% de todos os cinco próximos anos operem acima dessa marca.

Atualmente, a temperatura média global já aumentou entre 1,1ºC e 1,3ºC, em comparação com a temperatura média na chamada época pré-industrial.

É sempre bom lembrar: o Acordo de Paris, mais importante instrumento da diplomacia climática em vigor no planeta, estabelece que os países dedicarão esforços para não permitir que a temperatura média global não ultrapassasse o limite de 1,5ºC, marca considerada como “o mínimo do mínimo” para evitar o colapso climático.

MONITOR DE DESASTRES

O Monitor de Desastres captou 9 atos de reconhecimento de situação de emergência decorrentes de eventos climáticos ou meteorológicos extremos, em 51 municípios. As tempestades voltaram a ser registradas na região Sul do país, especialmente concentradas no estado do Rio Grande do Sul. A estiagem segue permanente no Nordeste. A classe Outros segue registrando, em sua maioria, as situações de epidemia de dengue, nas regiões Sul e Sudeste. Foram captadas também situações pontuais de inundação e alagamentos.

Nesta semana, a World Weather Attribution (WWA), grupo internacional de cientistas que analisa eventos extremos, afirmou que as mudanças climáticas dobraram a probabilidade da ocorrência das chuvas que mataram ao menos 169 pessoas e desalojaram mais de 80 mil no Rio de Grande do Sul.


ABC do Clima

Lançamos nesta semana o ABC do Clima. Nosso glossário tem a função de ajudar a traduzir verbetes que fazem a intersecção com a agenda climática. Para responder à emergência climática, quanto mais informação melhor. Na nossa página especial você vai poder acessar várias palavras, mas ainda estamos em construção. Aproveite e vá lá conhecer!

Acesse:

Dois anos sem Bruno e Dom

Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

O Dia Mundial do Meio Ambiente marcou também os dois anos do assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips. Alguns atos marcaram a data, como a projeção de imagens de Bruno e de Dom na Esplanada dos Ministérios. Durante uma das homenagens, a Ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, comentou que “é o momento de a gente reforçar a memória e a luta deles. Para manter vivo todo esse legado e evitar que casos tão trágicos como esse continuem acontecendo”.

Você já perguntou algo para a Noa?

Vinda ao mundo na semana passada, a Noa, a inteligência artificial coletiva da Talanoa, tem respondido a várias perguntas nesta semana.

A Noa utiliza centenas de análises e documentos já produzidos pelo Instituto Talanoa em seus cinco anos de existência, e é por isso considerada uma Inteligência Artificial Coletiva, já que baseia suas respostas somente em informações originadas de curadoria 100% humana.

É claro que a Noa ainda vai aprender mais e mais ao longo do tempo, mas se você estiver por aí buscando uma conversa interessante nas redes, lembra dela!

Ah! Ela também é troglod… ops, poliglota!

TALANOA NA MÍDIA

Folha de S. Paulo Notícia sobre o seminário “Meio ambiente: resiliência climática e descarbonização”.
Diário do Nordeste Notícia sobre a responsabilidade dos políticos nas ações de readaptação às mudanças climáticas.
Estadão Notícia sobre o grupo internacional de cientistas que analisou a relação entre eventos extremos e o aquecimento global.
Folha de S. Paulo Artigo de Opinião de Natalie Unterstell sobre adaptação a eventos extremos que precisa ser tão veloz quanto mudança climática.
Revista Gama Artigo de Opinião de Natalie Unterstell sobre a importância das políticas climáticas.

Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO

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