“Tá pensando que o Céu é perto?”

“Tá pensando que o Céu é perto?” é uma expressão popular bastante utilizada nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, quando alguém quer expressar que, assim que algo de bom acontece num determinado assunto, logo em seguida virá um revés ou algo frustrante, para nos mostrar que vitórias não vêm fáceis e que toda caminhada sempre traz seus percalços. Uma metáfora de alerta.

Por semanas consecutivas, temas importantes para a agenda climática nacional exibiram decolagens importantes, mas mostraram ter céus ainda bastante distantes. Uma foi marcada pelo sabor agridoce que mesclou celebrações em alusão ao Dia dos Povos Indígenas e frustração por apenas dois territórios terem sido oficialmente demarcados – quando o próprio presidente Lula anunciou que seriam seis. Noutra, o governo prometeu que uma força-tarefa será criada para agilizar as homologações das demais terras indígenas que já estariam “na mesa de Rui Costa” (Casa Civil), enquanto, por outro lado, o marco temporal ganhava novo capítulo pelas mãos do ministro Gilmar Mendes, ao abrir conciliação com Legislativo e Executivo, medida que, como efeito colateral, suspendeu imediatamente o trâmite de todas as ações judiciais que alimentam expectativas indígenas no Supremo.

Para completar, duas pitadas de mais-do-mesmo: em Roraima, indígenas Yanomami seguiram arriscando suas vidas e travando embates com garimpeiros; no Pará, indígenas Gavião interditaram rodovia federal para reivindicar escolas e professores, em um episódio cheio de significado para o Brasil: extrusões e demarcações, embora necessárias, estão longe de serem suficientes para que povos indígenas alcancem o céu da dignidade.

O céu não é perto também em matéria de financiamento climático. O governo havia fechado o ano de 2023 marcando um golaço, relacionado à emissão de títulos soberanos sustentáveis na ordem de R$ 10 bilhões para uma captação de recursos inédita ao Fundo Clima, soma quatro vezes maior do que tudo o que o Fundo já havia contabilizado em seus quase 15 anos de história. No entanto, neste mês, o mesmo governo editou uma Medida Provisória que mexe na governança do Fundo Clima, arriscando sua credibilidade e criando distância até o céu. Entendemos que determinados programas, por questões de complexidade, possam ter instâncias específicas de condução. No entanto, é temerário à credibilidade de qualquer Fundo que essas instâncias não guardem observância com o estabelecido em lei.

Ora notícia boa, ora frustração. E o tempo passando... A capa do primeiro álbum da carreira de Chico Buarque (1966), que virou meme na Internet, ilustra o estica-e-puxa da agenda climática brasileira. (Reprodução: internet)

Felizmente, nem tudo é engasgo e abril trouxe progressos: um dos destaques do mês foi o lançamento do Programa Terra da Gente, que chega com a expectativa de se tornar um dos instrumentos de maior impacto deste mandato federal para a melhoria da governança territorial no Brasil. No entanto, o caminho é longo e esbarrará em um orçamento considerado baixo diante da magnitude dos desafios de reconhecimento oficial, regularização e acesso a políticas públicas para cerca de 105 mil famílias acampadas hoje, conforme dados do MST, além de centenas de comunidades quilombolas que ainda anseiam por direitos básicos de produzir e viver no que é seu, hoje, por todo o Brasil.

Ainda há tempo de o Brasil fazer sua parte para adiar o fim do mundo, como nos propõe Krenak ou, melhor que isso, evitar a queda do céu, como nos ensina Kopenawa. No entanto, não é possível caminhar consistentemente em direção ao céu se o país continuar a tropeçar nas próprias pernas. E abril se encerrou mostrando que, nesse caminho, o céu pode desabar sobre nós, como a ciência – e também os saberes tradicionais – têm alertado reiteradamente.

Monitor de Atos Públicos

Em abril, foram captados 40 atos que impactam na política climática. A classe mais captada foi Resposta, com 10 atos, a maioria referente ao emprego e à prorrogação da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) em operações de apoio a Ibama, ICMBio, Funai e estados amazônicos. Na sequência, vêm as classes Regulação e Planejamento, com 8 normas captadas, cada. Os temas mais frequentes do mês foram Terras e Territórios (13) e Florestas e Vegetação Nativa (9), com normas ligadas à demarcação de Terras Indígenas e Reconhecimentos de Territórios Quilombolas. O tema Finanças, que faz sua estreia no Monitor de Atos Públicos, ficou em terceiro lugar, com 7 atos captados. As normas dizem respeito a resoluções do Conselho Monetário Nacional que revisam regras do Proagro e ao Programa EcoInvest, além de planejamentos relacionados a finanças públicas.

Acesse o Monitor de Atos Públicos e acompanhe a atualização diária das medidas relevantes para a política climática nacional.

Nota metodológica: A partir de janeiro de 2024, as normas de desastres referentes aos reconhecimentos de situação de emergência nos municípios, por eventos meteorológicos e climáticos extremos, deixam de ser contabilizadas no Monitor de Atos Públicos. O monitoramento contínuo passa a ser realizado num produto exclusivo, o Monitor de Desastres.
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TOP 3 DESTAQUES DO MÊS

Em ano de Olimpíadas, todo mundo volta os olhares para Paris. Na Política por Inteiro, nosso pódio olha para o Acordo de Paris. Elegemos como os destaques de abril três medidas que aproximam o Brasil das metas estipuladas no Acordo, no seguinte pódio:

🥈

Programa União
com Municípios
inicia implementação

(MMA)

🥇

É lançado o Programa
Terra da Gente

(MDA)

🥉

Reconhecimento oficial de 2 Terras Indígenas (BA, MT) e 2 Territórios Quilombolas (BA)
(FUNAI e INCRA)

AGENDAS

nota metodológica

Dada a transição do governo federal, a metodologia da POLÍTICA POR INTEIRO passou por uma revisão, na qual foram reformulados temas e classes e inserido mais um nível de sistematização das normas captadas no Diário Oficial da União, relacionado especificamente às agendas de mudança do clima. A partir de agora, os Balanços Mensais contarão com identificações (tags) para cada agenda do clima da qual pertencem as análises.

  • “Mitigação”
  • “Adaptação”
  • “Governança”
  • “Financiamento”
“Governança”

MME lança consulta pública e fixa prazo surreal sobre Óleo e Gás

Um dos compromissos anunciados desde a campanha eleitoral do atual governo, em 2022, foi o de buscar trazer as brasileiras e brasileiros para perto das decisões governamentais novamente. Logo no primeiro mês de governo, era criado o Sistema Nacional de Participação Popular, refletido na estrutura atual da Presidência da República, que conta com uma secretaria específica para promover a Participação Social. Até aí tudo bem.

Acontece que, nessa orquestra, tem instrumento desafinando, e forte. Se depender da disposição do Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, parece que será necessário o Brasil fazer muito mais para que uma participação social qualificada realmente se concretize. Isso porque o MME decidiu que 15 dias é tempo suficiente para que a sociedade participe de Consulta Pública digital sobre o tema “Óleo & Gás” na transição energética brasileira.

Eu, você, o ministro e todo mundo sabemos que, sem um prazo razoável para uma discussão qualificada, o número de participantes tende a ser reduzido e as contribuições, idem. Assim fica fácil ir mundo afora – e às COP – para dizer que a proposta brasileira foi construída “junto à sociedade”.

Não bastasse, a Consulta ainda foi aberta numa sexta-feira, fazendo com que seu prazo comece a contar a partir de um final de semana. E com um feriado no meio. Ou seja: menos prazo em dias úteis.

Difícil…


CONAREDD+ segue na batalha para acender todas as turbinas 

Já haviam sido aprovadas em novembro de 2023, mas, por motivações que desconhecemos, só em abril foram publicadas duas importantes resoluções da Comissão Nacional para o mecanismo de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (Conaredd+). As Resoluções Conaredd+ 13/2023 e 14/2023 recriam (atualizam) grupos de trabalho técnicos (GTTs) para os temas repartição de benefícios e salvaguardas socioambientais, respectivamente. As resoluções foram criadas sob a diretriz do “decreto da vez” acerca da Conaredd+, que também vem sendo recauchutado ao longo de quase 10 anos.

Uma terceira resolução, sobre Mensuração, Relato e Verificação (MRV) deve sair em maio, fechando a trinca de trabalho de que a Conaredd precisa para a implementação do Sistema Nacional de REDD+, instrumento da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC).

A expectativa é de que os GTTs gerem insumos para uma política nacional baseada em resultados de redução de emissões provenientes de florestas, ampliando as captações internacionais e canalizando recursos para contas públicas e para povos e comunidades atuantes no esforço de conservação.

O REDD+ é um mecanismo pelo qual países que conservam (e ampliam, motivo do “+” na sigla) florestas se credenciam a receber recursos que potencializem investimentos locais para desenvolvimento local e qualidade de vida, com prioridade a brasileiras(os) que zelem pela manutenção de ativos ambientais em território nacional.

Os GTTs têm prazos de 2 anos, prorrogáveis pelo mesmo período.


Nasce o Programa Terra da Gente

O Programa Terra da Gente, lançado por decreto em abril e a ser coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar (MDA), deve dinamizar o processo de disponibilização de terras para grupos histórica e economicamente fragilizados. A expectativa em torno da política é de que ela acelere a reforma agrária e, em consequência, reduza a extensão de terras improdutivas no Brasil.

Não é fácil entrar no vespeiro que é a situação fundiária no país, em que ainda ecoam os efeitos das Capitanias Hereditárias dos tempos coloniais. Todavia, o Terra da Gente tem arrojo: prevê que até 74 mil famílias sejam alcançadas pelo programa. Para isso, o MDA aposta suas fichas em 17 modalidades de aquisição de terras, todas detalhadas no decreto.

Em coletiva, a equipe do MDA e o presidente do INCRA destacaram como instrumentos promissores (1) a transferência de áreas de Estados para a União, em troca de abatimentos de dívida, em negociação, (2) a adjudicação (espécie de tomada) de terrenos cujos titulares estejam em dívida com a União e (3) dação em pagamento, que é quando um credor aceita receber do devedor uma prestação diferente daquela que fora inicialmente acordada. Neste último caso, se enquadrariam proprietários de imóveis com dívidas em bancos públicos, como o Banco do Brasil e a Caixa.

Em nossa análise, se por um lado o Ministro Paulo Teixeira exulta em dizer que “é a primeira vez em que o Estado brasileiro promove um decreto que prevê arrecadação de terras nessa proporção”, por outro lado ele e sua equipe devem se preocupar com o baixo orçamento dedicado para que o programa opere com consistência ao longo dos anos.

Isso porque, o orçamento de apenas R$ 0,52 bilhão destinado ao Terra da Gente, por agora, dificilmente dará conta das metas estabelecidas no Programa, dado que os custos tanto para indenização quanto para compra direta de terrenos costumam ser elevados no Brasil. O governo federal terá testada sua habilidade negocial, diante de estados, agentes financeiros e setor empresarial, e ela será indispensável para que o Terra da Gente faça mais com menos. Prova de fogo para o ministro e sua equipe.

Para além dos elevados custos de desapropriação de imóveis rurais que podem asfixiar a escalada de resultados do Terra da Gente, um segundo desafio vem para o momento pós-aquisição, de fazer com que beneficiários acessem políticas públicas de desenvolvimento local. Quer via PNRA, quer via PNGTAQ, haverá necessidade de reforço de caixa para o provimento de assistência técnica pública e gratuita a essas populações, de modo a alavancar a produção agrícola e políticas de desenvolvimento local. Trocando em miúdos: a conta terá que fechar.

Um aspecto positivo trazido pelo decreto é a busca por cooperação federativa, por meio de “ações para a criação de projetos de assentamentos e o reconhecimento de territórios quilombolas e de outros povos e comunidades tradicionais em terras públicas”. Aproximar os diferentes entes federados é convencional para qualquer política exitosa nos temas agrário e fundiário. No entanto, a cooperação buscada pelo governo federal encontrará os mais diferentes desafios, que vão desde a institucionalidade frágil de órgãos recém-criados, como as pastas estaduais de agricultura familiar, nos estados), até a ingerência partidária em órgãos de ATER em nível estadual, usualmente rifados para partidos das bases governistas estaduais sem experiência ou compromisso com a agenda, como é o caso do Pará.


Recooperar

Uma das grandes lacunas de dados na agenda climática brasileira diz respeito à identificação das áreas degradadas e ao acompanhamento da evolução de restauração desses passivos. No esforço de tornar possível esse monitoramento, através de dados oficiais, foi instituída em abril a Plataforma de Acompanhamento da Recuperação Ambiental – Recooperar.

O objetivo do Recooperar é fomentar a gestão e o acompanhamento integrado dos dados sobre as áreas degradadas ou alteradas, passíveis de recuperação ambiental e oriundas de processos administrativos instaurados pelo Ibama. Os dados de recuperação ambiental disponíveis na plataforma serão de uso público.

A sistematização e a publicidade dos dados referentes ao passivo ambiental são essenciais para subsidiar e monitorar políticas e metas públicas de restauração, assim como acompanhar de forma mais transparente a implementação do Código Florestal.

Desde 2016, a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) do Brasil na Convenção do Clima estabelece, entre várias metas, que 12 milhões de hectares de florestas devam ser restaurados no país até 2030.


FNDF sofre revisão na governança

Em abril, a estrutura do Conselho Consultivo do Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal (FNDF) foi refeita. Agora, o CCFNDF passa a contar com representantes dos povos e comunidades tradicionais, indicados pelo Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais e também com movimentos sociais e organizações ambientalistas, indicados pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA). Além disso, o Conselho passa a contar com o MAPA e o MDA, dois ministérios que, na versão anterior do Conselho eram ausentes ou representados por autarquias vinculadas. A partir de agora, o SEBRAE também passa a ter cadeira no colegiado.

As alterações levaram à revogação do decreto que havia estabelecido sua composição anterior, em 2019.

O FNDF nasce nos idos da Lei de Gestão de Florestas Públicas no Brasil, em 2006, e importa para a política climática porque sua principal fonte arrecadatória vem do mecanismo de concessões florestais em áreas para a prática do manejo florestal sustentável (MFS). O manejo, por sua vez, é uma forma de aproveitamento de recursos naturais capaz de gerar empregos, renda e conter desmatamento. Além disso, parte das receitas a serem geradas pelos contratos de concessão firmados é alocada para incentivar atividades que retroalimentem a própria política florestal brasileira, fortalecendo o setor que ainda é matematicamente o responsável pelo maior volume de emissões nacionais.

Embora as concessões florestais constituam um tema sem avanços recentes no país, o FNDF deve ser tido como parte importante do ecossistema de fundos para fomentar a descarbonização do país.


Bolsa Verde

Uma Resolução do Comitê Gestor do Programa Bolsa Verde definiu novas áreas prioritárias para a aplicação do programa. Com isso, revogou as últimas resoluções do Comitê, datadas de 2015 e 2017, que determinavam as faixas de abrangência da política pública. A revisão é, por si, um sinal importante de que o governo tem considerado o programa em sua estratégia de transformação ecológica. O ponto de atenção fica para o baixo teto orçamentário que assola ministérios, dentre os quais o MMA, fator que limita a cobertura e o aperfeiçoamento do programa, que é urgente, sobretudo em se tratando de Amazônia.

“Mitigação”

Programa União com Municípios está na praça

Em mais um passo adiante em relação ao decreto que estabeleceu o Programa União com Municípios em setembro de 2023, abril foi o mês de o governo finalmente emplacar a política pública. Primeiro, o MMA lançou portaria que detalha as regras de funcionamento do programa.

Dentre elas, uma inovação que merece destaque: a busca por envolvimento parlamentar. Conforme a norma, o município só poderá fazer jus aos benefícios previstos no programa – que incluem a priorização de análises de CAR, ações de regularização fundiária e incentivos à restauração florestal – se “em até 90 (noventa) dias da assinatura do termo de adesão, obtiver apoio por escrito à adesão, assinada por um deputado estadual, além de um deputado federal e/ou um senador de seu respectivo estado”. A ideia é estimular parlamentares eleitos por suas regiões a dedicarem apoio político e, quanto melhor, emendas que possam ampliar o investimento em atividades de suporte para combate ao desmatamento.

Em segundo, dias depois, o governo oficializou, em cerimônia em Brasília, a adesão de 53 municípios – de um total de 70 – inseridos na lista de prioritários nesta primeira fase do Programa. A lista de municípios é formada com base em dados sobre a pressão em territórios considerados chave para derrubar as taxas de desmatamento na Amazônia. Com a adesão, prefeitos dão o primeiro passo para que seus municípios zerem desmatamento e ainda sejam remunerados por isso.

A estratégia de pactuação local pelo desmatamento zero não é uma novidade no Brasil e já funcionou neste século. A Política por Inteiro encara o Programa União com Municípios como uma reedição – desta vez recalibrada com degradação florestal como um dos alvos – do que deu certo nos “tempos áureos” do PPCDAm.

Desde que o país “descobriu” a existência de um arco do desmatamento na Amazônia – numa alusão à posição geográfica “de leste a oeste” dos municípios que mais desmatavam, há quase duas décadas! – políticas de combate ao desmatamento já renderam bons frutos no passado, agregando uma espécie de mão-dupla na relação interfederativa: de um lado, os municípios se organizam para realizar, concretamente, a gestão ambiental em seus territórios; de outro, estados e União prestam suporte, nas mais diferentes formas – de capacitações de quadros locais até aporte infraestrutural e de assistência técnica – para que a preparação municipal seja não somente “recompensada”, como também faça dos municípios atores essenciais no tabuleiro da governança climática.

No passado, propostas com uma “alma” parecida lograram bons resultados, a exemplo dos Programas Arco Verde/Terra Legal (federal) e, no Pará, o Programa Municípios Verdes, cujos pactos locais levaram o Pará, em 2012, a atingir sua menor taxa de desmatamento em toda a série histórica desde 1988 – o estado chegou a cair de 8,9 mil Km² para 1,7 mil Km², queda de 81%, que coincidiu com o melhor resultado brasileiro no tema. A ideia do União com Municípios, agora, é retomar essa lógica, com novidades que a aperfeiçoam, como a contabilização da degradação florestal no desempenho, e a participação parlamentar, para que o programa “jogue” em conformidade com o desenho atual de Brasil, em que parlamentares não apenas têm influência, como também orçamento e poder alargados.

Sobre essa estratégia e o timing de funcionar antes da COP-30, diz André Lima, Secretário Extraordinário de Controle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental e Territorial, do Ministério do Meio Ambiente: “Que parlamentar não vai querer tirar a sua foto e deixar a sua marca, justificada em ações concretas e efetivas, no maior encontro climático global da história do Brasil?”.

Agora, os prefeitos devem correr atrás de apoio parlamentar para concluírem as condições objetivas de ingresso na política pública. O programa é um gol do PPCDAm, que em sua 5ª fase encontra muito mais desafios do que na primeira década deste século, quando foi lançado.

No último dia de abril, o MMA prorrogou até o 30 de maio o prazo para que os 17 municípios retardatários formalizem a adesão ao Programa.


Mais duas Terras Indígenas reconhecidas (mas podiam ser seis)

Em abril de 2023, o Decreto Federal nº. 11.509/2023 fez com que Lula recriasse, pela terceira vez, o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), nascido originalmente durante seu primeiro mandato, em 2006 (à época, no formato Comissão). Em abril de 2024, quase 1 ano e 500 decretos presidenciais depois, o governo inaugura a casa dos “decretos 12 mil” para reconhecer duas Terras Indígenas, nos estados de Bahia e Mato Grosso.

Os decretos 12.000 e 12.001 reconhecem as TIs Aldeia Velha e Cacique Fontoura, cujas demarcações, somadas, contabilizam mais 34.000 hectares de áreas sob regime especial de proteção. Cabe agora ao Estado brasileiro fazer chegar políticas públicas que garantam direitos dos povos originários. Se assistidos, indígenas ampliam as chances de que as emissões brasileiras no setor Uso da Terra e Florestas sejam contidas.

Na ocasião, Lula também empossou os representantes do CNPI e disse: “não é a Sônia [Ministra dos Povos Indígenas], a Joênia [Presidente da Funai] ou o presidente da República… São vocês (Conselho) que agora passam a ser uma espécie de ‘Comissão da Verdade’ para as discussões sobre as questões indígenas desse país”, em alusão à comissão criada para investigar as violações de direitos humanos praticadas no último período ditatorial brasileiro.

Quanto ao atraso na demarcação das outras quatro Terras Indígenas “saindo do forno” na Casa Civil, Lula disse que dois “governadores aliados” pediram mais tempo, e que esse tempo seria concedido. Em seguida, sem citar nome, disse que outro governador “não quis atender a ministra Sônia”, e que o chamará para “ter uma conversa com ele” em busca da “melhor solução possível”. Na análise de conjuntura amazônica lançada pela Política por Inteiro recentemente, há pistas sobre que governadores teriam o perfil de que Lula se queixa.

Em nossa análise, entendemos que o discurso de aparente precaução feito por Lula, quando tentava justificar a não-oficialização das outras demarcações, significa, na prática, o navegar pelos meandros da realpolitk, especialmente em ano eleitoral: muitos governadores são empresários no ramo do agronegócio, ou têm ligações próximas com a atividade, e Lula não deseja entrar em rota de colisão nem com as lideranças políticas dos estados, tampouco com o empresariado, do qual precisa se aproximar para distensionar a corda esticada por Bolsonaro por anos, e que até hoje compromete a afinidade de Lula com lideranças do agro.


Territórios Quilombolas também avançam. Pouco, mas avançam

Em abril, mais dois Territórios Quilombolas (TQ) foram reconhecidos, ambos na Bahia: Jiboia, nos municípios de Antônio Gonçalves e de Filadélfia, norte baiano; e Pitanga de Palmares, no município de Simões Filho, região metropolitana de Salvador. Este último com um significado adicional: trata-se do Quilombo onde viveu Bernadete Pacífico, liderança quilombola assassinada dentro do próprio território em agosto de 2023, mesmo sob proteção policial. Bernadete lutava pelo reconhecimento oficial do Quilombo, formado por cerca de 300 famílias e que ansiava pela chancela do Estado brasileiro há décadas. Segundo a Conaq, a área começou a ser povoada ainda no século XIX, quando um grande latifúndio que existia na região faliu.

A fila de Territórios Quilombolas a receber o mesmo reconhecimento é grande e urgente para a implementação da política climática. O reconhecimento oficial do Estado brasileiro a essas comunidades traz um duplo benefício: ao mesmo tempo que garante direitos e acesso a políticas públicas para populações historicamente menos favorecidas, colaborando para a promoção da justiça climática e redução de desigualdades sociais, também consolida uma governança territorial pelo clima, ao evitar que a ocupação do território se dê à base de projetos que aniquilem a biodiversidade local e afastem o Brasil de sua meta de desenvolvimento inclusivo e baseado na transformação ecológica.


Nova Indústria Brasil (NIB) estoura prazo de regulamentação

Expirou em 22 abril o prazo de 90 dias, fixado por uma Resolução do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), ligada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), para que as metas propostas no Plano de Ação para Neoindustrialização brasileira (ou Nova Indústria Brasil – NIB) sejam validadas.

O primeiro período do NIB vai de 2024 a 2026 e a expectativa é que as metas do plano se coadunem ao Plano Nacional de Transformação Ecológica, outra política tida como central pelo governo. Para o quadriênio 2023-2026, a NIB contará com R$ 300 bilhões destinados a financiamentos para o setor.

Entretanto, até o momento, nem o CNDI, nem o MDIC se manifestaram quanto ao descumprimento do prazo.

O NIB está estruturado em 6 temas e suas missões centrais, que se interrelacionam:

“Financiamento”

EcoInvest dá bola fora

Anunciado no fim de fevereiro, o programa EcoInvest Brasil foi oficialmente criado em abril por Medida Provisória. Embora demonstre intenção positiva em destravar o fluxo de capital privado externo para financiamento climático, análise da Política por Inteiro defende que a MP seja revista o quanto antes, de modo a garantir a segurança jurídica da operação do mecanismo e, consequentemente, seu êxito.

Criado por lei em 2009, o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC ou Fundo Clima) tem seu desenho de funcionamento muito claro: suas decisões passam, necessariamente, por seu Comitê Gestor, instância central da governança do fundo. Assim, qualquer instrumento que se acople ao Fundo deve respeitar os ritos de governança já estabelecidos. O que a MP do EcoInvest propõe é determinar a criação de uma estrutura à parte, sob alçada do Ministério da Fazenda, gerando uma espécie de “aluguel” da governança do Fundo, sem no entanto prever que as decisões do EcoInvest passem pelo escrutínio do Comitê Gestor.

Em nossa visão, o Executivo não precisa criar armadilhas para si próprio. Já há quem faça isso todos os dias, ali mesmo, a poucos metros do Palácio do Planalto. A linha entre inovação e invenção é tênue, e qualquer falha pode depor contra a confiabilidade do mecanismo. Tudo de que, afinal, o governo não precisa.


CMN atento a eventos climáticos extremos

O Conselho Monetário Nacional (CMN) autorizou a renegociação de 100% das parcelas de operações de crédito rural de investimento, com vencimento em 2024, contratadas por agricultores familiares, médios e demais produtores rurais, cuja renda da atividade tenha sido prejudicada por adversidades climáticas. A Comissão Nacional de Agricultura (CNA) já apresentou ao Ministério da Agricultura (MAPA) uma série de reivindicações para enfrentamento dos extremos climáticos na safra 2023/2024, incluindo a necessidade de aprimorar o seguro rural frente a catástrofes cada vez mais frequentes.

Para a Política por Inteiro, o gesto sinaliza que o CMN está atento ao quanto o impacto da mudança do clima tem afetado a economia rural. Ainda neste mês, outras quatro Resoluções do CMN corroboram esse sinal, ao alterarem o Manual de Crédito Rural (Banco Central) para aperfeiçoar o regulamento do Proagro – principal seguro público para atividades agrícolas no Brasil – cuja regra de enquadramento agora amplia o foco em agricultores familiares.


MP das energias renováveis e da redução tarifária

Abril trouxe uma Medida Provisória que prorroga os benefícios concedidos à instalação das unidades geradoras de energia eólica, solar, hidrelétrica e de biomassa, por até 36 meses. A prorrogação visa a garantir que os projetos saiam do papel e com isso injetem cerca de 88 gigawatts (GW) de energia limpa no sistema energético brasileiro. Para a Amazônia, o principal impacto se dá na redução tarifária, com mecanismos legais que impedem o reajuste abusivo da tarifa de energia, principalmente no Amapá.

A medida prevê também o adiantamento dos recursos oriundos da privatização da Eletrobrás. Inicialmente destinados para pesquisas no âmbito da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), os recursos agora serão destinados para diminuir os reajustes anuais da conta de luz, em curto prazo. A estimativa do governo é que a redução seja de até 5% nas contas de luz. Porém, entidades do setor elétrico alertam que subsídios prorrogados podem trazer impacto para os consumidores no futuro e também na sustentabilidade do setor. O Ministro Alexandre Silveira, por sua vez, afirmou que a MP não é uma ampliação de subsídios e que falta ao debate público uma melhor compreensão sobre a medida.

A Nota Técnica que fundamenta a MP avalia que existe estoque de aproximadamente 145 gigawatts (GW) em projetos. Destes, 88 GW correspondem a outorgas de autorização emitidas, porém as obras não foram iniciadas. O governo entende que alguns desses empreendimentos não foram colocados em operação devido à falta de linhas de transmissão adequadas para conectá-los — uma questão que se espera resolver agora. A MP possui prazo de vigência máximo até dia 10 de agosto, no caminho para virar lei. É mais um capítulo de como o setor elétrico e seus diferentes grupos vão tentar influenciar o Legislativo.

LEGISLATIVO

Mobilidade Verde

Logo no primeiro dia do mês, o presidente da Mesa Diretora do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD/MG), prorrogou a validade da Medida Provisória nº. 1.205, de 30 de dezembro de 2023, que institui o Programa Mobilidade Verde, o chamado MOVER. Não perguntem o porquê a professores de Direito Constitucional, mas a MP agora vigora até 30 de maio, 60 dias a mais do que previsto na Constituição.

Nos últimos dias, mais de duas dezenas de montadoras ingressaram no processo de habilitação. A última foi a Fiat Chrysler do Brasil.

O conjunto de normas relacionadas ao Programa Mover indica que ele é tido pelo governo como um dos (com o perdão do trocadilho!) carros-chefe da transformação industrial a ser impulsionada no Brasil. O Mover é iniciativa que partiu dos Ministérios da Fazenda (MF), da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). 

Até o momento, estão habilitadas as seguintes empresas, que incluem, além de automobilísticas, fabricantes de peças e componentes:

FCA FIAT CHRYSLER AUTOMÓVEIS DO BRASIL LTDA.
FORD MOTOR COMPANY BRASIL LTDA.
GENERAL MOTOS (GM) DO BRASIL LTDA.
HONDA AUTOMÓVEIS DO BRASIL LTDA.
MERCEDES-BENZ DO BRASIL LTDA.
NISSAN DO BRASIL AUTOMÓVEIS LTDA.
PEUGEOT-CITROEN DO BRASIL AUTOMÓVEIS LTDA.
RENAULT DO BRASIL S/A.
TOYOTA DO BRASIL LTDA.
VOLKSWAGEN DO BRASIL INDUSTRIA DE VEÍCULOS AUTOMOTORES LTDA.
VOLKSWAGEN TRUCK & BUS INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE VEÍCULOS LTDA.
HORSE BRASIL S.A.
SODECIA AUTOMOTIVE MINAS GERAIS LTDA.
FPT INDUSTRIAL BRASIL LTDA.
  MARCOPOLO S.A.
SCHULZ S.A.
WEG DRIVES & CONTROLS – AUTOMAÇÃO LTDA.
WEG EQUIPAMENTOS ELÉTRICOS S.A.
FMM PERNAMBUCO COMPONENTES AUTOMOTIVOS LTDA.
FAURECIA AUTOMOTIVE DO BRASIL LTDA.
ROBERT BOSCH LTDA.
EATON LTDA.
ON-HIGHWAY BRASIL LTDA.

MUNDO

Trabalhos, trabalhadores (e lucros) sob risco, pela mudança do clima

Um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgado em abril estima que 70% dos trabalhadores do mundo deverão ser afetados em termos de saúde ou segurança por conta dos efeitos da mudança climática intensificada pela ação humana no planeta. Uma estatística assustadora (mas não surpreendente) trazida pelo estudo indica que, até 2030, cerca de 2,2% do total de horas trabalhadas em todo o planeta terá sido desperdiçado em função da crise climática, uma perda de produtividade equivalente a 80 milhões de trabalhadores em jornada integral (full-time).

Além disso, é estimado que apenas o estresse térmico provocado pela mudança do clima seja responsável por uma redução do PIB global em 2,4 trilhões de dólares até 2030 (relatório, p. 21). O relatório continua, dizendo que regiões do globo serão afetadas em intensidades diferentes, com Sudeste Asiático e África Ocidental sendo impactadas em torno de 50 vezes mais horas-homem desperdiçadas do que na Europa, o que reforça a validade do conceito de justiça climática, segundo o qual regiões econômica e socialmente mais vulneráveis sofrerão mais com a mudança climática do que regiões mais aquinhoadas.

O posicionamento emitido pela OIT é mais um a engrossar uma vasta lista de documentos de organismos internacionais, baseados em Ciência, a darem conta dos enormes prejuízos econômicos – para além dos individuais, familiares, sociais, ambientais, culturais, territoriais – causados pela mudança climática. Este entendimento reforça que esse impacto nas vidas humanas é sistêmico, e extrapola questões antes tidas como meramente ligadas à Natureza.

É difícil imaginar que tipo de racionalidade poderia justificar inação ou compromissos abaixo do necessário por autoridades nacionais, para manter o mundo caminhando em direção a esse penhasco de consequências, com prejuízos trilionários, e custos de remediação cada vez mais elevados à medida que o tempo passa.

Faz cada vez menos sentido não agir pelo clima.

Em abril, foram emitidas 21 normas de reconhecimento de situação de emergência e calamidade pública, afetando 167 municípios. A Estiagem foi o evento extremo mais registrado, concentrado no nordeste do país, mas principalmente no estado de Pernambuco. Em Roraima, a Estiagem atingiu 3 municípios, devido ao atraso das chuvas do inverno amazônico. Episódios de Seca, derivados do agravamento da estiagem, foram registrados no Rio Grande do Norte.

Já as Chuvas Intensas se concentraram no sul e no sudeste do país, com eventos pontuais no norte e nordeste, causando inundações. A Classe Outro é referente à epidemia de dengue que vem sendo registrada em diversas localidades, mas principalmente na região sul do Brasil.

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TERMÔMETRO DO MÊS

Abril se vai com aquela sensação já conhecida de deixar a desejar em todos os Poderes. Temas urgentes como mercado de carbono, além de pautas-bomba, como os marcos (i) legal do licenciamento ambiental e (ii) temporal para terras indígenas (este, atualmente, no campo do STF), seguem mais um mês estacionados. É como se 2023 insistisse em não ir embora. Até mesmo pautas sem grande carga polêmica, e igualmente importantes ao país, como a proposta de uma política nacional de economia circular, não andam.

Lira e Pacheco nunca foram conhecidos por priorizarem pautas positivas para a agenda climática. Mas com 2024 chegando à metade e a COP-30 vindo num galope frenético, gostaríamos de não precisar dizer que já é hora de Câmara e Senado trabalharem um tanto mais

No Executivo, continuam as severas deficiências na capacidade de coordenação interna. Excetuado um ou outro episódio de integração a celebrar, o padrão ainda parece ser o de cada ministério “remando por sua glória” na agenda climática. Nessa jornada, tem sido frequente que remem para o lado errado, desperdicem energia, ou trombem com o barco amigo, como parece ser o episódio da MP da “governança paralela” do EcoInvest, albergado no Fundo Clima. Além disso, temas com alta correlação, como a criação de Unidades de Conservação e a implementação da Bioeconomia seguem devagar-quase-parando. Preocupa.

O ano vai chegando à metade, então muitos prazos também começam a estourar. É o caso, por exemplo, de Medidas Provisórias editadas no início de 2024 e ainda não votadas. É também o caso da validação do Nova Indústria Brasil. Além disso, dezenas de grupos de trabalho técnicos criados durante 2023 e início de 2024 começam a se aproximar de seus prazos e precisam entregar o que foi prometido pelas normas que os criam. É o caso, por exemplo, dos GTTs para os Planos Clima. Outros começam tardiamente, como é o caso dos ligados à Conaredd+, e precisam correr atrás do prejuízo, o que demandará foco extra nos próximos meses.

Em função das tempestades que chegaram ao Rio Grande do Sul no final de abril, é esperado que as próximas semanas sejam de movimentos relevantes no Legislativo, acompanhados por providências do Executivo. Sim, admitimos que aqui é nosso wishful thinking, não exatamente uma constatação.

Se a luz que já piscava incessantemente indicando que estamos em emergência climática finalmente foi notada por muitas autoridades com a catástrofe gaúcha – que é um capítulo da tragédia de todo o Brasil -, a projeção é de maior volume de normas para maio e adiante. Nesse sentido, é vital o olhar atento às normas da classe Finanças, que precisam trazer adicionalidade à política climática, em vez de desfigurar os instrumentos já concebidos, a exemplo de fundos públicos que correm o risco de contingenciamento forçado em nome da remediação de desastres que a Ciência avisou, com antecedência, que aconteceriam. O momento do choque pode incentivar saídas para a crise, mas é preciso atenção para que não nos leve novamente a becos de falsas soluções. Sigamos firmes para trilhar os caminhos que tornem o país mais resiliente e preparado para um mundo mais quente, sem fugir das escolhas difíceis.

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