Assim, janeiro marcou a entrada em vigor do Plano Plurianual (PPA) 2024-2027. O governo Lula teve 14 meses (considerando os 2 meses finais de 2022, após as Eleições, período da chamada transição) para entender, por dentro, a quantas andava a máquina pública brasileira, suas metas, o que precisava ser reconstruído, redirecionado e o que não parava em pé.
Como a Política por Inteiro indicou, em seu Balanço Anual, em 2023 a pauta climática assumiu protagonismo no Brasil. Tanto nos discursos quanto na prática, por meio de uma série de atos legais e infralegais, o ano de 2023 foi importante para restabelecer a mensagem, para dentro e para fora do país, de que os compromissos nacionais com o meio ambiente e com o clima não somente voltaram, como agora ocupam lugar central dentro das prioridades de governo, apesar das dissonâncias internas.
É evidente que 12 meses são pouco para uma reconstrução quando o assunto é institucionalidade. Leva tempo. Dessa forma, assim como em 2023, janeiro/24 seguiu emitindo sinais concretos de que pastas importantes, como a de Meio Ambiente e Mudança do Clima, seguem reformulando políticas públicas. Um claro exemplo disso foi a revogação do Programa Floresta+ e de todos os seus subprogramas, criados entre 2020 e 2021. Além disso, 35% (6 entre 17) das normas relativas a clima detectadas durante o mês se enquadram nessa reconstrução e buscam eliminar retrocessos e penduricalhos institucionalizados pelo antecessor.
Em fevereiro, Legislativo e Judiciário voltam oficialmente de seus recessos e, se a atmosfera de Carnaval deixar, tudo recomeça. Por isso, assim como acontece com cada cidadã e cidadão durante o período das festas de final de ano, o governo precisa seguir alerta para não perder o foco das “resoluções” que projetou para 2024. Em matéria de mudança do clima, são várias. O novo PPA se esforça para representá-las, mas também inspira cuidados.
Monitor de Atos Públicos
Em janeiro, foram captados 17 atos que impactam na política climática. A classe mais captada foi Regulação, seguida de Planejamento. O tema mais frequente no mês foi Terras e Territórios. As agendas de Governança, Mitigação e Financiamento registraram importantes sinais de avanço.
Nota metodológica: A partir de janeiro de 2024, as normas de desastres referentes aos reconhecimentos de situação de emergência nos municípios, por eventos meteorológicos e climáticos extremos, deixam de ser contabilizadas no Monitor de Atos Públicos. O monitoramento contínuo passa a ser realizado exclusivamente no Monitor de Desastres.
TOP 3 DESTAQUES DO MÊS
AGENDAS
- “Mitigação”
- “Adaptação”
- “Governança”
- “Financiamento”
Agenda Transversal Ambiental, do MPO:
O Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO) deu sinal colaborativo às agendas ambiental e climática do país, mas nem tudo são flores. Em uma dobradinha com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), e apoio direto do Banco Interamericano de Desenvolvimento, o MPO divulgou o documento Agenda Transversal Ambiental do PPA 2024-2027, que comunica como estão distribuídas as ações ligadas à pauta ambiental (e, por vezes, à climática) entre os órgãos e entidades da administração pública federal nos próximos quatro anos. Segundo a publicação, a pauta ambiental está contemplada em 50 dos 88 programas do PPA, e conta com 113 objetivos específicos, 372 entregas e 150 medidas institucionais e normativas, nos níveis estratégico, tático e gerencial”. Maaaaas… muitos dos programas listados não têm impacto na agenda climática. E mesmo quando os objetivos estão associados diretamente à mitigação das emissões de gases de efeito estufa, será preciso acompanhar com atenção. Por exemplo: o programa Transição Energética, cujos objetivos são relevantes, não conta com recursos na Lei Orçamentária de 2024. Já o programa Agropecuária Sustentável, apesar de indicar uma autorização de gastos bilionários, só tem uma pequena parte destinada à chamada agricultura de baixo carbono.Nos próximos anos, todos os alertas devem estar ligados porque 2023 acumulou sinais claros de que muitos setores apenas fingem preocupação, enquanto desejam surfar na onda climática. Decisões sobre orçamento devem ser pragmáticas e levar em conta os custos socioambientais a longo prazo.
Comissão Interministerial de Contratações Públicas para o Desenvolvimento Sustentável – CICS:
Um decreto instituiu a Comissão Interministerial de Contratações Públicas para o Desenvolvimento Sustentável – CICS, que tem como prioridade aproveitar a demanda estatal para a promoção do desenvolvimento nacional sustentável. A CICS passa a ser um ator importante na agenda climática, pois assume o papel de alinhar a política industrial estabelecida no Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial – CNDI com o Plano de Transformação Ecológica, e também com outros programas e políticas do governo federal, a exemplo do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Além disso, a CICS incidirá diretamente no funcionamento da maior engrenagem administrativa do Brasil: a lei nacional de licitações, responsável por orientar todas as aquisições de produtos e serviços de todos os níveis de governo no país. Importa para clima porque tem o potencial de estimular economia verde, cadeias produtivas da sociobiodiversidade, bioeconomia e boas práticas necessárias no contexto de emergência climática em que vivemos.Câmara Técnica de Destinação e Regularização Fundiária de Terras Públicas Federais Rurais – CTD:
Vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), a chamada CTD é um colegiado estratégico para avaliar e decidir o destino de terras públicas no Brasil. Criada em 2020 e reorganizada entre 2023 e o mês passado, cabe à CTD, entre outros objetivos, apresentar um plano de ação para destinar terras públicas em áreas prioritárias da Amazônia Legal, o que, dados os prazos legais, é aguardado que ocorra ainda no 1º semestre de 2024.A Amazônia é justamente o bioma em que a CTD pode ter sua colaboração mais expressiva, já que é onde ainda são vastas as terras públicas não-destinadas (TPNDs) federais. A atuação da Câmara se torna, assim, essencial para a redução do desmatamento, já que um dos alvos da 5ª fase do PPCDAm é a redução das TPNDs, a partir de destinações que devem ampliar o número de Unidades de Conservação, Terras Indígenas, Territórios Quilombolas e “concessões florestais e políticas públicas de prevenção e controle de desmatamento”, categorias legalmente aceitas no procedimento de destinação.
Em 2022, o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (Seeg) contabilizou que 48% de todas as emissões brasileiras vêm do desmatamento, ou com ele têm relação. A Amazônia é o bioma que mais emite, nesse sentido. Aí é que está: dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) para a Amazônia apontam que as áreas não-destinadas responderam por 32,5% de todo o desmatamento verificado no bioma em 2022. Para se ter uma ideia do tamanho da responsabilidade da Câmara, há atualmente cerca de 100 milhões de hectares de área não-destinada na Amazônia (fonte: Incra); destes, cerca de 60 milhões de hectares ainda estão sob responsabilidade da União, e é justamente nesta fatia que ocorre cerca 30,5% de todo o desmatamento do bioma (fonte: PPCDAm, 2023).
No entanto, o desafio é complexo e não basta apenas transferir áreas federais para a conta de estados e municípios – o que, aliás, é uma das atribuições legais da CTD, a ponto de ter sido criado neste mês o GT Diálogo Federativo, buscando discutir a fundo com os demais entes. É preciso que, desde antes de estas transferências serem concretizadas, a União fomente e crie meios para que estados e municípios tenham presença e governabilidade sobre essas áreas.
É bem verdade que a transferência de áreas da União para estados e municípios é um assunto que evoca um debate mais profundo sobre a revisão do modelo federativo brasileiro, agudamente incongruente quando comparadas as obrigações legais e os meios disponíveis de estados e municípios, além de excessivamente concentrado em Brasília.
Sob emergência climática, não temos todo o tempo do mundo para um debate ideal e aprofundado. Por isso, urge apostar no pragmatismo, a exemplo do Programa União com Municípios, lançado no ano passado, com R$ 600 milhões de investimento de largada nos municípios aderentes, e potencial para captar até R$ 6 bilhões em ampliação. Entre os objetivos do programa, está apoiar a regularização fundiária e ambiental nos municípios prioritários, o que parece conectar-se aos esforços da CTD.
Políticas Territoriais
Na esteira do ordenamento territorial – tema que é um dos eixos prioritários de PPCDAm e PPCerrado – o ICMBio criou o Comitê de Acompanhamento e Implementação do Programa Aquilomba Brasil, com o objetivo de melhor compreender a situação de comunidades remanescentes de quilombo situadas dentro ou no entorno de Unidades de Conservação (UCs), colaborar para uma gestão integrada de áreas de UCs que sobreponham Territórios Quilombolas, em articulação com MMA, INCRA, SPU e órgãos estaduais de terras, e gerar insumos para o aprimoramento da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial Quilombola – PNGTAQ, recém-instituída, em novembro de 2023. Alternativas de gestão integrada que estimulem atividades econômicas que valorizem essas populações é um dos caminhos para a contenção do desmatamento nesses espaços protegidos.Destinação de Terras Públicas:
Três glebas públicas federais foram destinadas à Funai, para usufruto dos grupos indígenas Kanela do Araguaia e Apurinã, nos estados de Mato Grosso e Amazonas. As áreas totalizam 22.451 hectares.Territórios Quilombolas:
Foi reconhecido o Território Quilombola Soledade, com 707 hectares, no estado do Maranhão. O reconhecimento também autoriza a abertura de análise visando à inclusão de 50 famílias quilombolas no Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), porta de entrada para outras políticas públicas de desenvolvimento local. Com o TQ Soledade, o governo chega a 62 quilombos reconhecidos, que juntos somam 294 mil hectares, uma área equivalente a quase 2 vezes a cidade de São Paulo.A legitimação de territórios quilombolas importa para a agenda climática, já que comunidades remanescentes de quilombo se mantêm por gerações justamente por exercerem importante papel na conservação de florestas, com cultura e modos de vida intimamente atrelados à natureza e ao uso racional de seus recursos naturais.
Balanço Fundo Amazônia:
BNDES e MMA apresentaram um balanço do Fundo Amazônia em 2023. Os dados demonstraram avanços, mas também deram a dimensão do tamanho do desafio que o fundo terá nos próximos anos. Depois de quatro anos com os recursos congelados, o Fundo Amazônia fechou 2023 com R$ 1,3 bilhão em projetos aprovados e editais em funcionamento. Esse valor representa, sozinho, 22% de todo o montante de recursos internalizados em conta desde 2008, de R$ 6 bilhões. Ao todo, somando os contratos dos anos anteriores, R$ 3 bilhões (ou 50% do montante acumulado) já foram ou estão sendo operados. Outros R$ 2,2 bi já foram pleiteados e aguardam análise. O desafio está por conta de garantir a efetividade dos recursos empregados para a redução sustentada do desmatamento, a maior causa de emissões de gases de efeito estufa no Brasil.O BNDES afirma que o diferencial tem sido a operação em três grandes frentes:
- I) Editais: com projetos que somam, juntos, R$ 800 milhões (projeto Restaura Amazônia, de restauração no arco do desmatamento, em R$ 450 milhões; projeto Amazônia na Escola, de estímulo ao fornecimento de produtos da sociobiodiversidade para alimentação escolar, em R$ 350 milhões);
- II) Apoio aos estados: centrado em esforços no eixo de Comando & Controle e de estímulo aos entes subnacionais, dentre os quais se destaca o Programa União com Municípios, anunciado com R$ 600 milhões, de largada;
- III) Fortalecimento das ações da própria União: segundo o banco repartidos entre Ministério da Justiça e Segurança Pública (Plano AMAS, R$ 320 mi), Ibama e Ministério dos Povos Indígenas/Funai.
O MMA destacou que a boa execução do fundo tem sido primordial para aumentar sua força e captação, já que os doadores querem ter a certeza de que o instrumento está fluindo com boa vazão e eficiência.
Fim do Programa Floresta+:
Lançado em 2020 (o ano do famigerado “passar a boiada” com “parecer-e-caneta”), o Programa Floresta+ foi finalmente revogado. Além dele, também foram revogadas as portarias que instituíram todas as suas modalidades: “carbono”, “empreendedor”, “bioeconomia” e “agro”. Agora, resta apenas a memória do mau exemplo de condução de uma política pública, já que o Floresta+ apresentou “limitações em sua formulação e em seus componentes, assim como fragilidades nos instrumentos de governança e um baixo grau de implementação”, palavras da Controladoria-Geral da União (CGU) após auditoria. Para alimentá-lo, foram utilizados recursos do Fundo Verde para Clima (GCF).Um dos motivos pelos quais tecnicamente o programa foi questionado é o de seu desenho ter sido baseado na chamada abordagem de projeto, que, pela relação desproporcional entre alta demanda de beneficiários elegíveis e baixo teto de recursos financeiros disponíveis, apresenta dificuldades para dar escala a resultados de redução de emissões e de conservação da biodiversidade aos quais se compromete o estado brasileiro. Isso não significa que a abordagem de projeto seja exatamente ruim. Ela apenas deve ser encarada como um elemento complementar, dentro de uma abordagem mais ampla, capaz de amplificar resultados de conservação.
É importante dizer que a revogação do programa não afetou o Projeto Floresta+ Amazônia, homônimo nascido no governo Temer – anos antes do Floresta+, portanto – e que teve seu nome “sequestrado” para o programa de 2020, que em seguida o vinculou, como se a ele pertencesse.
A revogação do Programa logo no 1º dia útil de 2024 demonstra que o MMA segue sua cruzada particular para reconstruir a política ambiental do país.
BNDES Azul
O Planejamento Espacial Marinho (PEM) é uma das quatro frentes de atuação da iniciativa BNDES Azul, lançada pelo BNDES. O contrato referente à costa da Região Sul do Brasil foi assinado, e inclui incentivos à inovação e descarbonização da frota naval, estímulo à infraestrutura portuária e apoio a projetos de recursos hídricos via Fundo Clima. A ministra Marina Silva ressaltou que o projeto é mais uma alternativa para ajudar no desafio em relação à mudança do clima.MUNDO
Davos
Lula não foi, Fernando Haddad (Fazenda) também não, mas a ministra Marina Silva deu dois recados importantes em mais uma edição do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça: o primeiro deles foi o de que o mundo precisa se decidir, pois ao passo em que crescem as preocupações de cidadãos, países e grandes corporações a respeito do clima do planeta, seguem firmes também as pesquisas e os largos subsídios à exploração de combustíveis fósseis, quando os investimentos deveriam ser direcionados pesadamente para acelerar a transição energética, em linha com a principal decisão da COP-28.No segundo, centrou a mensagem na necessidade de valorização de serviços ecossistêmicos prestados pela Natureza, que mantêm as condições básicas para a reprodução econômica dos países. “Por exemplo, a Amazônia produz 20 bilhões de toneladas de água por dia. Metade dessa água é dispensada na atmosfera, que é responsável pelo nosso regime de chuvas, ao qual se relaciona 75% do PIB de toda a América do Sul. Se fôssemos bombear essa água, precisaríamos de 50 mil Itaipus. Alguém consegue imaginar o custo de um investimento de 50 mil Itaipus para poder alimentar nosso regime hidrológico? Mas a Natureza faz isso (…), um serviço ecossistêmico incalculável, que nossa existência não é capaz de precificar”, disse.
Ambos os temas trazidos por Marina importam diretamente para a agenda climática, pois referem-se a desafios para reduzir emissões nos setores “Energia” e “Uso da Terra e Florestas”, respectivamente. Juntos, os setores representam dois terços (66%) de todas as emissões brasileiras.
Assim como a estiagem no Nordeste, as tempestades seguem constantes no Sul e Sudeste do Brasil, com episódios frequentes de inundações e alagamentos.
Nos municípios da Baixada Fluminense foram registradas 10 situações de calamidade pública devido às chuvas intensas/tempestades que afetaram a região de maneira grave no início de janeiro.
Entra ano, sai ano, e o posicionamento de autoridades públicas diante de eventos meteorológicos e climáticos extremos continua o mesmo. Há anos a Ciência tem dito que desastres seguirão ocorrendo, com tendência de maior frequência e intensidade. Ainda que cientistas não parem de alertar, veículos de imprensa deem cada vez mais atenção e cidadãos estejam mais preocupados, políticos em nada têm mudado o modo de (não) agir. A sensação que fica é a de estarmos chovendo no molhado. Notícia boa: este é um ano de Eleições!
TERMÔMETRO DO MÊS
Em um mês tradicionalmente de recesso nos Poderes Legislativo e no Judiciário, já era de se esperar que a movimentação de atos e sinais políticos fosse menor que a usual no cenário climático do país. De todo modo, o fim oficial do Floresta+ e os avanços da Câmara de Destinação de Terras Públicas Federais trazem ânimo e combinam com o senso de urgência de que o país precisa.
Além disso, é sempre bom ver a União dando passos em direção a Estados e Municípios, postura que ultrapassa as fronteiras do “climático” e toca em questões estruturais do país, que só podem ser solucionadas a partir de uma boa relação interfederativa. Nessa linha, o GT de Diálogos Federativos, no seio da Câmara de Destinação de Terras Públicas, soa animador para, senão resolver, ao menos melhorar o governabilidade sobre territórios no país, especialmente porque o desmatamento corre solto justamente quando o Estado tropeça nas próprias pernas.
Pautas como o mercado de carbono, o marco temporal para terras indígenas e a revisão do marco do licenciamento ambiental – que terminaram 2023 “quicando” na sala – devem voltar aos holofotes a partir de fevereiro, quando o Congresso retoma suas atividades.