Análise mensal – Dezembro 2023

O último mês do primeiro ano de governo Lula foi marcado por disputas políticas com o Parlamento em pautas importantes à descarbonização do país, como o marco temporal das terras indígenas, a “diferenciação” da Rodovia Manaus-Porto Velho (BR-319) para fins de licenciamento, a sanção (com vetos) da lei geral dos agrotóxicos, e a aprovação, na Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei que cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), popularmente conhecido como “Mercado Regulado de Carbono”, que em 2024 será submetido à análise no Senado (que já havia aprovado matéria sobre o mesmo tema no mesmo semestre).

Os destaques do mês orbitaram bastante em torno da COP-28, realizada em Dubai e acompanhada in loco, dia após dia, pela equipe Talanoa.
Sultão Al-Jaber, presidente da COP-28, bate o martelo em sessão que aprovou o texto final da Conferência. Créditos: UNFCCC (Flickr), 13/12/2023.
E o tal GST? Iniciada sem grandes expectativas em razão de ter como sede um dos países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), a COP de Dubai deixou avanços importantes. Um deles logo de cara, no 1º dia, com o anúncio do início da operacionalização do fundo de perdas e danos. Os dias que se seguiram foram de “estica-e-puxa”, tensos, sob risco permanente de as negociações não saírem do lugar. O chamado Balanço Global de Emissões, ou GST (da sigla em inglês: Global Stocktake) foi o flanco mais importante da Conferência, pois é com base nesse balanço que os países precisam recalibrar suas ambições e esforços efetivos para que a missão 1,5 ºC seja exitosa. No final, aos 49 minutos do 2º tempo (já que a COP foi prorrogada em 1 dia), os 198 países-parte da Convenção do Clima, em consenso, fizeram o planeta adentrar oficialmente a rota para o fim da era dos combustíveis fósseis. As expressões no texto final da Conferência não foram as mais agudas e contundentes de que precisamos para uma drástica virada no jogo do clima, mas o multilateralismo tem disso, e ele é a única via possível para que o mundo caminhe para superar a crise climática. A análise da Política por Inteiro, logo após o término da Conferência, indica que a relação da Humanidade com os combustíveis fósseis inaugurou o que especialistas vêm chamando de “o começo do fim”.

Enquanto isso, no Brasil… Assim como nem só de pão vive o homem, nem só de COP-28 viveu dezembro… Os leilões de blocos de exploração de petróleo no Brasil que o digam.

No Congresso, a promulgação da Reforma Tributária serviu para, ainda que brevemente, distensionar a relação entre Executivo e Legislativo (ou nem tanto). Em desvantagem numérica em ambas as casas congressuais, foi um ano difícil para o governo em relação ao Parlamento, o que indica que 2024 será igualmente ou ainda mais (vide Eleições municipais) desafiador para Lula e seus ministros darem consistência e coerência aos esforços governamentais rumo à descarbonização. Este desafio adquire grau extra de dificuldade uma vez que, no plano internacional, o Brasil precisa começar a exercer de maneira persuasiva (e antecipada) seu papel, agora oficial, de “Presidente da COP-30” em relação aos demais Estados-parte da Convenção do Clima, no intuito de costurar a elevação da ambição climática global para o já-não-tão-distante ano de 2025.
Reforma Tributária é promulgada no Congresso Nacional. Créditos: divulgação Ricardo Stuckert/Presidência da República, 20/12/2023.

Monitor de Atos Públicos

Em dezembro, foram captados 92 atos relevantes para a agenda climática. A classe mais frequente foi Resposta, com 50 normas, referentes a declarações de emergência dos municípios por eventos climáticos extremos e ao emprego da Força Nacional de Segurança Pública em terras indígenas e em apoio ao Ibama em operações na Amazônia Legal. Em seguida ficou Regulação, com 23 atos, entre eles a redução do prazo para o aumento do teor da mistura de biodiesel e a promulgação do Protocolo de Nagoia sobre o acesso a repartição justa do uso da biodiversidade e do conhecimento tradicional.

Planejamento apresentou 7 normas, ficando em terceiro lugar, com destaque para a criação do Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas em Sistemas de Produção Agropecuários e Florestais Sustentáveis – PNCPD e Estratégia Nacional de Bioeconomia e Desenvolvimento Regional Sustentável BioRegio.

Os temas mais recorrentes do mês foram Desastres [38], Terras e Territórios [31], seguidos dos temas Institucional e Energia, ambos com 5 atos captados cada.

As normas alocadas em Desastres são em sua totalidade declarações de emergência e calamidade pública. Em Terras e Territórios, destacamos os reconhecimentos de territórios quilombolas, 13 neste mês.

NOSSA DESCARBONIZAÇÃO

Foram identificados 21 atos considerados de potencial impacto positivo no processo de descarbonização da economia brasileira.

Destaque para:
– Reconhecimentos de territórios quilombolas, importantes instrumentos de mitigação dos efeitos da mudança do clima;
– Avanço no cumprimento das metas do Renovabio, com a antecipação do aumento de porcentagem da mistura do biodiesel;
– Criação do GT para avaliar a viabilidade do uso da gasolina C com adição de 30% de etanol

Em dezembro foram captados também 2 atos de possível impacto negativo:
– A promulgação da Lei que Regulamenta o art. 231 da Constituição Federal, para dispor sobre o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas sem os vetos do Presidente da República, validando o marco temporal e assim reduzindo a proteção às terras indígenas;
– Sanção das Lei geral dos Agrotóxicos, que apesar dos trechos vetados, ainda não está de acordo com as políticas setoriais necessárias para a construção de sistemas alimentares resilientes e justos, essenciais para a descarbonização.

governanca

Governança [“Governança”] [“Adaptação”] [“Financiamento”]

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Agropecuária [“Financiamento”] [“Governança”] [“Mitigação”]

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Energia
[“Governança”] [“Mitigação”]

nota metodológica

Dada a transição do governo federal, a metodologia da POLÍTICA POR INTEIRO passou por uma revisão, na qual foram reformulados temas e classes e inserido mais um nível de sistematização das normas captadas no Diário Oficial da União, relacionado especificamente às agendas de mudança do clima. A partir de agora, os Balanços Mensais contarão com identificações (tags) para cada agenda do clima da qual pertencem as análises.

  • “Mitigação”
  • “Adaptação”
  • “Governança”
  • “Financiamento”
PL do Mercado de Carbono [“Governança”] [“Adaptação”] [“Financiamento”]

Elencada pela Talanoa no final de 2022 como uma das principais medidas entre os dez pontos para a descarbonização do Brasil de 2023 a 2026, em dezembro o país deu um importante passo para reduzir suas emissões de GEE, especialmente as do setor industrial: a Câmara aprovou o PL 2148/2015, que cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE). Na prática, a proposta estabelece limites de emissões para cada atividade, abaixo dos quais cada operador de atividade passa a ter direito a um ativo (crédito) por tonelada, transacionáveis em mercado com operadores que não atinjam a redução esperada; o PL fixa ainda penalidades conforme infrações cometidas por operadores integrados ao SBCE, na expectativa de reduzir progressivamente as emissões do país pela indução de uma mudança comportamental e de processo produtivo. Em 2024, o PL vai à apreciação do Senado Federal, Casa em que são esperados aperfeiçoamentos ao texto da Câmara, que pode ser mais claro e conciso. A matéria já havia sido discutida pelos senadores e enviada para os deputados. Porém, com a determinação de que o PL originário da Câmara encabeça a proposta, esta passa a ser a casa iniciadora, e o Senado a revisora.

É sempre válido lembrar que o mercado de carbono regulado brasileiro pode ser um importante instrumento diferencial na competitividade de produtos brasileiros no mundo, uma vez que os grandes centros consumidores globais se movimentam em direção à taxação de carbono para produtos de importação, reduzindo a oneração de produtos nacionais menos carbono-intensivos. Em junho, a Talanoa destacou sete motivos para que o Brasil tenha, o quanto antes, seu mercado regulado de carbono.


Derrubada do veto do Executivo ao marco temporal [“Governança”]

Como já era de se esperar, em dezembro o Congresso decidiu pela derrubada do veto que o presidente Lula havia fixado em outubro, seguindo a decisão do STF sobre inconstitucionalidade da tese. Não houve surpresas, posto que ainda em outubro a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) avisou em nota que se articularia para derrubar o veto. De um lado o argumento indígena, de que as áreas ocupadas até 5 de outubro de 1988 (data da promulgação da Constituição) não necessariamente representam as áreas históricas de ocupação de sua população, haja vista o longo e sistemático processo de expropriação e morte de indígenas na história de ocupação do território brasileiro; de outro lado, o argumento da bancada ruralista, que gira em torno de alegada “segurança jurídica” para evitar que áreas atualmente privadas venham a ser desapropriadas por eventual constatação de serem terras indígenas no passado. No centro do debate, a decisão do Supremo Tribunal Federal, cujo plenário, por 9 votos a 2, em setembro, já havia declarado inconstitucional a tese defendida pela FPA. Para entender o impasse, é também preciso considerar uma camada muito nítida em Brasília: o tensionamento da relação entre os Poderes Legislativo e Judiciário. Durante 2023, esta relação foi esgarçada, com trocas de farpas de parte a parte. A derrubada do veto do Executivo à tese do marco temporal também pode ser entendida como um gesto político de rechaço do Congresso ao que se alega “atividade legislativa” e a ditos “excessos” do STF. A tensão escalou de tal maneira que, em novembro, o Senado aprovou uma PEC que altera procedimentos de funcionamento da Corte, dentre os quais os relativos a decisões monocráticas e pedidos de vista de ministros. Esse tensionamento repercute na agenda climática brasileira, já que uma das premissas – diga-se, constitucional (art. 2º) e pétrea (art. 60, § 4º) – para um país resolutivo quanto a um problema complexo, transversal e sem precedentes deve ser a harmonia entre os Poderes, que precisam cumprir suas funções essenciais acima de ruídos e arestas por acertar, já que o tempo urge. Para 2024, a expectativa de apaziguamento não é das melhores, uma vez que o desequilíbrio de forças no Parlamento – em desfavor de pretensões governistas e hipertrofiado por grande volume de emendas parlamentares – encoraja o Legislativo a demonstrações de força e leva o Executivo a caminhar em tênue linha entre conflitos e concessões a frentes parlamentares. A derrubada do veto na Câmara e no Senado se mostrou um exemplo dessa demonstração, que deve gerar novos episódios de acirramento. Ainda que buscando o tom moderado, o Executivo precisará saber lidar com os respingos gerados pelo embate entre Legislativo e Judiciário no plano interno, ao mesmo tempo em que, no plano internacional, precisará exercitar sua capacidade persuasiva de “presidente da COP-30” junto aos demais países, buscando liderar um mundo com um orçamento de carbono a cada dia menor para impedir a ultrapassagem de 1,5ºC de aumento da temperatura média global. 


Adaptação na lei [“Governança”] [“Adaptação”]

A Lei Federal nº. 12.608, de autoria do Senador Eduardo Braga – MDB/AM, foi publicada com 3 vetos. Ela alterou a legislação de 2012 responsável por instituir a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil. O objetivo é aprimorar os instrumentos de prevenção de acidentes ou desastres e de recuperação das áreas atingidas, as ações de monitoramento de riscos de acidentes ou desastres e a produção de alertas antecipados. Foram inseridos conceitos importantes na perspectiva de adaptação climática e incluído no escopo da lei o conceito de acidente. No que diz respeito aos alertas, foi retirado do texto a classificação de desastre natural, passando a ser considerado apenas como desastre.

Pastagens degradadas  [“Financiamento”] [“Governança”] [“Mitigação”]

Após o presidente Lula ter anunciado na COP 28 a meta de recuperar 40 milhões de hectares de pastagens degradadas, foi publicado o decreto instituindo o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas em Sistemas de Produção Agropecuários e Florestais Sustentáveis (PNCPD), cujo objetivo principal é promover e coordenar políticas públicas destinadas à conversão de pastagens degradadas em sistemas menos emissores.

Análise publicada no Blog da Política por Inteiro mostra que o PNCPD é componente importante dentro de uma estratégia de transição para uma agropecuária de baixo carbono e o estabelecimento de sistemas alimentares resilientes – temas também na pauta de negociações da COP 28. A questão agora é como esse plano se articulará com outras iniciativas como ABC+, Plano Safra e Planaveg.

Biodiesel em pauta [“Governança”] [“Mitigação”]

A última reunião do Conselho Nacional de Política Energética – CNPE resultou em importantes resoluções acerca dos biocombustíveis. Foi criado um GT para avaliação da viabilidade técnica, econômica e ambiental do uso da gasolina C, ou seja, a gasolina com adição de 30% de etanol. A avaliação deve levar em conta questões de qualidade e preço final ao consumidor, assim como a garantia de abastecimento em todo país. O Grupo é composto por diversos órgãos e entidades, incluindo o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Ficou instituído também um GT focado em avaliar o impacto da importação do biodiesel e da contribuição da produção nacional atrelada ao Selo Biocombustível Social. O objetivo é verificar se as estratégias estão sendo suficientes para cumprimento do percentual obrigatório de mistura ao diesel B, sendo que até os resultados finais do GT, previsto para 180 dias, a importação de biodiesel está suspensa. Seguindo a agenda da Política Nacional de Biocombustíveis, a evolução da adição obrigatória de biodiesel ao óleo diesel vendido ao consumidor final foi modificada. A meta de chegar aos 14% de teor mínimo da mistura foi antecipada para 2024, chegando a 15% já em 2025, o que representa um importante avanço nos indicadores da descarbonização da economia.


Petróleo, vai ou fica” [“Governança”

Enquanto o encerramento da COP declarava o início do fim da era dos fósseis, no Brasil, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis leiloou 603 blocos para exploração de petróleo e gás. Surgiram ofertas para 192 (32%), sendo 122 de uma empresa estreante, sem funcionários, criada especialmente para o leilão. Dos 22 blocos localizados na região amazônica, 5 deles foram arrematados, contrariando recomendação do Ministério Público Federal (MPF). Foi ofertado o bloco Campo do Japiim, nos municípios de São Sebastião do Uatumã e Urucará, a cerca de 277 km de Manaus. A Eneva, em parceria com a ATEM, levou a concessão. Além desse, mais quatro blocos do mesmo setor ficaram com a ATEM. A área está inserida na Floresta Amazônica, em região cercada de igarapés, unidades de conservação e terras indígenas.

Com o leilão, o governo arrecadou R$ 421,7 milhões. Em um leilão do pré-sal, realizado na sequência, as cinco áreas ofertadas foram arrematadas, com arrecadação de R$ 7 milhões. Em passo contrário à rota que se iniciou com a COP-28, o leilão  abriu novas frentes de exploração no sul do país, na bacia de Pelotas.

GOVERNOS SUBNACIONAIS

Embora marcado pela COP-28, em Dubai, o mês de dezembro trouxe sinais importantes em políticas públicas para estados da Amazônia Legal. Em evidência desde a COP-27, quando anunciada a intenção de ser sede da COP-30, o Pará apresentou elementos que merecem destaque neste dezembro:

— Regulamentação do Sistema Estadual de Unidades de Conservação do Pará (SEUC/PA): apesar de já figurar na lei de 1995 que institui a Política Estadual de Meio Ambiente, o SEUC nunca havia sido regulamentado. A regulamentação, em vigor a partir de 26/12, pela Lei Estadual nº. 10.306/2022, traz pontos positivos, como maior autonomia estadual para reconhecimento de categorias de UCs não previstas pelo Sistema Nacional, a exemplo dos rios cênicos – no texto legal classificados como Rios de Proteção Especial (RPEs) – bastante comuns num estado cujo nome significa “grande rio”. No entanto, nem tudo são flores: a lei e a conjuntura recente no Pará demonstram fragilidades: por exemplo, o texto da lei permite que a mineração seja autorizada em rios especiais, “desde que seus objetivos sejam ‘compatíveis’ e expressos no Plano de Gestão da UC”. Isto é: nem mesmo a nomenclatura “proteção especial” parece suficiente para que a mineração deixe de ser cogitada nesses espaços. Além disso, nos últimos quatro anos o Pará criou apenas uma Unidade de Conservação, de pequenas proporções, e retraiu na concessão de florestas públicas, um dos instrumentos de gestão e geração de receitas verdes estimulado pela legislação brasileira. É pouco para um estado com as proporções do Pará, e do qual sempre se espera muito em matéria de liderança regional.

— Lançamento do Plano Estadual de Recuperação da Vegetação Nativa (PRVN): parte fundamental para que o objetivo central de net zero no setor de uso da terra e florestas do chamado Plano Amazônia Agora (2020-2036) seja alcançado no Pará, foi apresentado na COP o PRVN/PA, formalizado no Decreto Estadual nº. 3.552/2023. O plano, que deve funcionar como um equivalente estadual do Planaveg nacional, conta com 10 objetivos estratégicos, que envolvem os eixos “governança e sistema normativo”, “planejamento, monitoramento e pesquisa” e “cadeia da recuperação e mecanismos financeiros”. Ao todo, estes eixos trazem 226 linhas de ação e uma página foi criada para dar transparência pública ao plano. Em 2020, o Pará já havia estabelecido como meta recuperar 5,6 milhões de hectares de vegetação nativa, o equivalente a 47% da meta nacional prevista em NDC, e o PRVN-PA parece organizar esforços nesta direção.

— Criação da Companhia de Ativos Ambientais e Participações do Pará S/A:  instituída pela Lei Estadual nº 10.258/2023, a Companhia de Ativos Ambientais e Participações do Pará S.A. (CAAPP) tem como objeto “o desenvolvimento e a comercialização de projetos e programas de geração de ativos ambientais, assim como a gestão e integração de programas, subprogramas, planos e políticas públicas ambientais, sociais, econômicas e climáticas” no Pará. Com a Lei, o estado caminha na mesma direção de vizinhos amazônicos que também criaram sociedades de economia mista para cuidar especificamente de ativos ambientais, como são os casos do Acre e sua CDSA, e do Maranhão, com a Maranhão Parcerias. Após publicada a lei, a Companhia paraense precisará de regulamentação, que deve ser estabelecida dentro dos próximos 150 dias.

— Alterações no funcionamento do Fundo Garantidor para Pequenos Negócios da Bioeconomia: criado em 2021, o fundo agora tem inclusos os “sistemas alimentares” em seu escopo de amparo a pequenos produtores, juntamente com “bioeconomia” e “manejo”, que constavam no texto original. Outra alteração importante é a abertura de aval do fundo para diferentes instituições financeiras, o que antes era exclusividade apenas do Banco do Estado do Pará (Banpará). As alterações foram promovidas pela Lei Estadual nº 10.289/2023.

O Amazonas também registrou dois movimentos relevantes, deliberados em nível federal em dezembro, e que inspiram preocupações quanto ao aumento das emissões nacionais. Foram eles: 

A aprovação da Reforma Tributária (PEC 45/2019), que trouxe a continuidade do regime diferenciado de tributação para a Zona Franca de Manaus (ZFM). O regime deve agora ser estendido para até o ano de 2073. Controversa por se tratar de um polo industrial no meio da Amazônia – cujos vários gêneros ali produzidos em geral não exercem relação com um aproveitamento racional dos recursos naturais amazônicos – a ZFM é também tida por alguns como uma espécie de “barreira” que impediria o aumento do desmatamento no estado do Amazonas, posto que gera cerca de 113.000 empregos diretos e indiretos na região, evitando a pressão sobre áreas de floresta. Hoje, no entanto, com o planeta diante do desafio de reduzir a intensidade de carbono, sabemos que nem tudo é sobre simplesmente “gerar empregos”, argumento desenvolvimentista comumente utilizado e que não se preocupa com as externalidades causadas pela atividade industrial, entre elas a produção de efluentes não tratados e resíduos fora de logística reversa, o que aumenta as emissões de GEE do Amazonas. O outro contra-argumento à tese da “barreira” é a não-distribuição da riqueza gerada pela atividade da ZFM de maneira equânime no estado do Amazonas, ampliando a desigualdade econômica e social entre Manaus e os demais municípios, no que a geógrafa brasileira Bertha Becker já classificava como “macrocefalia” amazonense. 

O reconhecimento da rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho) como de “infraestrutura crítica” e “indispensável à segurança nacional”, trazido pelo PL 4994/2023. Em 19/12, por 311 votos a 103, a Câmara aprovou o projeto que, se também aquiescido pelo Senado, pode trazer vulnerabilidade aos procedimentos de licenciamento ambiental da revitalização da rodovia. Na prática, todas as ações relativas à recomposição da BR-319 passam a funcionar com uma espécie de “etiqueta diferencial”, que garante ao empreendimento, por exemplo, passar por “procedimentos simplificados” nos casos de médio potencial poluidor, o que se mostra crítico em se tratando de uma rodovia que atravessa o ecossistema amazônico entre as capitais Manaus e Porto Velho. Tal regime pode representar esvaziamento de planos de prevenção e mitigação de impactos ambientais e sociais, bem como enfraquecimento do cumprimento de salvaguardas socioambientais. Além disso, dispositivo do projeto de lei autoriza que sejam utilizados recursos do Fundo Amazônia para linhas de custo da obra que, embora incluam custeios como adaptação para resiliência da rodovia às mudanças climáticas e travessia segura de fauna, incluem também a recomposição do pavimento, o que na prática pode significar Fundo Amazônia virando asfalto. Governistas disseram não ser contra a revitalização da rodovia, mas sim críticos a intervenções que não respeitem os ritos usuais de licenciamento para este tipo de empreendimento, que pode desencadear problemas de ordem ambiental (dentre os quais o aumento do desmatamento), social (movimentos migratórios não planejados) e econômico (p. ex., pressão por infraestrutura básica incompatível com o orçamento público nos municípios por onde passa a rodovia). O deputado Nilto Tatto (SP) disse lamentar que o Fundo Amazônia seja colocado em posição de custeio de uma obra que pode desencadear aumento do desmatamento do modo como se apresenta, o que traz preocupações ligadas à credibilidade junto a países doadores, que em 2023 passaram a ter Suíça e EUA na lista. Por outro lado, o governador Wilson Lima vem defendendo a obra como vetor de desenvolvimento sem, no entanto, mencionar preocupações com questões ambientais. Vale lembrar que, no acumulado entre 2019 e 2022, o estado do Amazonas ultrapassou Mato Grosso e passou a ocupar o 2º lugar na lista dos estados com maior taxa de desmatamento. Em 2023, apresentou redução da taxa, mas ainda está 60% acima da taxa média nos anos pré-Bolsonaro.
Em dezembro, o Monitor de Desastres contabilizou 259 reconhecimentos de emergência por eventos climáticos extremos. A estiagem foi o evento mais recorrente na região Nordeste, assim como os episódios de seca, registrada, pontualmente, também nos estados do norte. As tempestades e inundações continuam afetando de forma intensa a região sul e, em menor escala, os estados do Sudeste. Neste mês os desastres alocados na classe Outros são referentes às infestações e pragas. No Acre, o El Niño contribuiu para a superpopulação da lagarta Mandarová, já no Amapá a infestação de besouros é resultado da transição da estiagem severa para o inverno amazônico.



Em 2023, foram captadas normas de reconstrução da agenda climática e socioambiental, originadas tanto na Presidência da República como em diversos ministérios, o que permite avaliar o nível de transversalidade da agenda. Neste mês foram contabilizados 26 atos.
Dentre as 471 normas propostas pela POLÍTICA POR INTEIRO para revisão ou revogação, foram efetivadas 9,3% no primeiro ano de governo.

TERMÔMETRO DO MÊS

No último mês do ano, as tensões nas negociações da COP-28 sintetizaram a encruzilhada em que a sociedade global se encontra: o embate entre forças que nos mantêm na atual rota da inexorável elevação da temperatura média do planeta a mais do que 1,5º C acima dos patamares pré-Revolução Industrial, e, de outro lado, aquelas que tentam uma guinada que permita evitar o colapso climático. O documento do Balanço Global que emergiu em Dubai traz como ponto positivo inaugurar a era do fim dos combustíveis fósseis. Mas a mudança de rota exige força para girar o volante a tempo, e dar novo sentido às engrenagens. É necessário que os planos nacionais de combate às mudanças climáticas em formulação, que devem ser apresentados até 2025, com metas até 2035, concretizem a inflexão e as novas trajetórias.

Nesse cenário em que os países devem direcionar seus esforços de políticas públicas para estarem alinhados com o Acordo de Paris, o que se viu em dezembro é que o Brasil terá de acelerar sua transformação, a despeito de forças reativas à agenda climática. Sobretudo nas relações com o Congresso, o Executivo terá de ter capacidade de articulação para que as pautas das agendas socioambiental e climática deixem de ser aquilo de que se abre mão para aquilo que se quer proteger e avançar. O governo conseguiu vitórias importantes no primeiro ano em suas prioridades, como a promulgação da Reforma Tributária no último mês. A capacidade de mobilizar por uma agenda necessária e urgente deve se manifestar também na seara climática. Caso contrário, a ambição de ser uma liderança climática global não encontrará a credibilidade necessária para se concretizar.

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