Análise mensal – Outubro 2023

Os leitos dos caudalosos rios amazônicos expostos. Palafitas suspensas no vazio. Ribeirinhos caminhando sobre terra seca. Botos mortos às dezenas. As imagens alarmantes ilustram a pior seca dos últimos 40 anos na Amazônia. Na outra ponta do país, mais tempestades e enchentes. De Norte a Sul, os desastres relacionados a eventos climáticos se acumulam. Eles motivaram, em outubro, 265 reconhecimentos de situação de emergência em municípios pelo governo federal. O tema Desastres dominou o nosso Monitor de Atos Públicos. 

É cada vez mais evidente que é preciso mitigar e se adaptar aos efeitos de eventos extremos e paisagens em transformação. Porém, o alarme da urgência ainda não parece ter tocado alto o suficiente para fazer acelerar a agenda em gabinetes legislativos e executivos. 

Em outubro foi publicada a Lei Federal 14.701/2023, que regulamenta o artigo da Constituição Federal sobre os direitos dos povos indígenas, especialmente quanto ao reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas. A norma é resultado do veto parcial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao texto do PL 2.903 vindo do Congresso Nacional, o qual afronta direitos originários consolidados e constitucionalmente garantidos, tendo sido vetados os dispositivos que estabeleciam o dia 5 de outubro de 1988 (data da promulgação da Constituição Federal) como “marco temporal” para exercício de direitos pelos povos indígenas quanto às suas terras. Lula vetou ainda dispositivo que vedava a possibilidade de ampliação de terras indígenas já demarcadas. Esses e outros vetos devem ser analisados pelo Congresso Nacional em novembro, com chances significativas de que sejam derrubados. O Supremo Tribunal Federal, que já declarou a inconstitucionalidade do marco temporal, deverá novamente ser acionado caso se recupere a lei na forma aprovada pelo Legislativo. 

No Executivo, sinal positivo – ainda que com mais de um mês de demora – foram publicadas as normas aprovadas na primeira reunião do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), ocorrida em 14 de setembro. Destaca-se a Resolução 5, a qual previa que o governo brasileiro tinha 15 dias para comunicar à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) a correção da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC). Essa atualização foi oficialmente registrada na UNFCCC já em novembro, no dia 3. No documento, o governo brasileiro comunicou as metas absolutas de emissões líquidas de gases do efeito estufa (GEE) a serem alcançadas nos anos de 2025 e 2030:

  • 1,32 GtCO2e em 2025, representando uma redução de 48,4% em relação às emissões de 2005 e mitigação de cerca de 1,24 GtCO2e; e
  • 1,20 GtCO2e em 2030, representando uma redução de 53,1% e mitigação de cerca de 1,36 GtCO2e em relação às emissões de 2005.

Monitor de Atos Públicos

Em outubro, foram captados 46 atos relevantes para a agenda climática. A classe mais frequente foi Resposta, com 27 normas –  em sua maioria, relacionadas aos reconhecimentos de situação de emergência por eventos climáticos extremos e, em menor número, ao emprego da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) em apoio à Funai. Em seguida as classes Planejamento e Regulação se destacaram, com 6 atos cada, incluindo a instituição de Grupo Técnico Temporário (GTT) com o objetivo de elaborar proposta de regulamentação e de implementação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) e diretriz de atualização do Plano Nacional sobre Mudança do Clima.

Dentre os temas, Desastres segue como mais recorrente, com 24 normas captadas. Além dos reconhecimentos de emergência e calamidade pública, foi captada uma Lei relacionada a destinação de recursos para o Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil (Funcap).

NOSSA DESCARBONIZAÇÃO

Foram identificados 12 atos considerados de impacto positivo no processo de descarbonização da economia brasileira. Destaque para as normas do CIM, as quais trazem conteúdo de correção da NDC brasileira, criação de GT para atualização da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), atualização do Plano Nacional sobre Mudança do Clima (Plano Clima), a instituição dos Grupos Técnicos Temporários de Mitigação (GTT – Mitigação) e de Adaptação (GTT – Adaptação) e a instituição de Grupo Técnico Temporário (GTT) com o objetivo de elaborar proposta de regulamentação e de implementação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões – SBCE.

Destaque ainda para a retomada do Grupo de Trabalho Interinstitucional de Atividades de Exploração e Produção de Óleo e Gás (GTPEG), que tem o objetivo de subsidiar tecnicamente a manifestação do Ministério de Meio Ambiente e Mudança do Clima na interlocução com o Ministério de Minas e Energia em discussões relacionadas a empreendimentos de petróleo e gás natural, especialmente quanto à Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS).

Outro destaque é a norma que instituiu o Grupo de Trabalho GT/PSA para elaborar proposta de decreto para regulamentação da Lei de Pagamentos por Serviços Ambientais (Lei Federal 14.119/2021), publicada no início de 2021. O PSA é um mecanismo financeiro importante na estratégia de mitigação de gases de efeito estufa previsto no Código Florestal, porém falta ser regulamentado.

Os atos captados estão distribuídos por origem no gráfico abaixo.

precificacao-das-emissoes

Precificação das emissões
[“Financiamento”] [“Governança”] [“Adaptação”]

desmatamento

Desmatamento
[“Governança”]

governanca

Governança
[“Governança”] [“Adaptação”]

nota metodológica

Dada a transição do governo federal, a metodologia da POLÍTICA POR INTEIRO passou por uma revisão, na qual foram reformulados temas e classes e inserido mais um nível de sistematização das normas captadas no Diário Oficial da União, relacionado especificamente às agendas de mudança do clima. A partir de agora, os Balanços Mensais contarão com identificações (tags) para cada agenda do clima da qual pertencem as análises.

  • “Mitigação”
  • “Adaptação”
  • “Governança”
  • “Financiamento”
Andamentos no PL do mercado de carbono brasileiro [“Financiamento”] [“Governança”] [“Adaptação”] Sem novidades em quesitos de tramitação ou avanços regimentais, o Mercado de Carbono Regulado está parado na Câmara dos Deputados há duas semanas. Em razão dos debates intrassetoriais do agronegócio quanto ao retorno ou não ao PL 412/22, captou-se a opção de apaziguamento por intermédio da regulamentação do Mercado Voluntário de Carbono, vinculando esse ao Patrimônio Verde – o que gera estranheza aos especialistas, os quais percebem “criatividade destrutiva” na tentativa legiferante. Com intenção de apresentá-lo à COP28, some-se que o Governo Federal pressiona o Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), pela aprovação célere e sem modificações do PL 412/22.
CAR no Ministério da Gestão e Inovação “Governança” [“Governança”]

Desde a reforma institucional que retirou o Cadastro Ambiental Rural (CAR) do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) e o alocou no Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), a governança desta importante ferramenta do Código Florestal estava em suspenso. Foi criada, via decreto, a Diretoria do CAR, dentro do MGI. Entre suas competências estão a transparência e disponibilização do banco de dados para a sociedade, de forma integrada com os entes federativos da união e articulada com o MMA e a Secretaria de Governo Digital.

A transparência ativa de dados do CAR é uma demanda recorrente das organizações da sociedade civil que monitoram a implementação do Código Florestal, como destacado em nota técnica do Observatório do Código Florestal para subsidiar a migração da gestão do CAR ao Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos. O CAR é um importante instrumento para se verificar qual é o status protetivo das propriedades rurais brasileiras, o que poderá direcionar esforços e políticas públicas que efetivem o cumprimento da legislação vigente.


REDD+ [“Financiamento”] [“Governança”] [“Adaptação”]

Foi publicada norma da Comissão Nacional para REDD+ (CONAREDD+) que definiu a distribuição dos limites de captação de pagamentos por resultados de redução de emissões provenientes do desmatamento no bioma Amazônia referente aos anos de 2018 e 2019 e alterou dispositivos da Resolução CONAREDD+ 14/2018.


REDD+ na Amazônia
Evolução da distribuição dos limites de captação de pagamentos por resultados de REDD+ entre o Governo Federal e os estados do bioma Amazônia


REDD+ na Amazônia
Trajetória das emissões por desmatamento no bioma Amazônia equivalentes para pagamento por resultados de REDD+ Em síntese, a norma está fazendo a chamada ‘distribuição de limites de captação de pagamentos por resultados’, ou seja, quem pode captar recursos de fonte externa por resultados alcançados pelo Brasil na redução do desmatamento. Foi utilizada uma fórmula de fluxo-estoque, quando estados que têm baixo desmatamento e alta cobertura florestal também ganham. A fórmula prevê 40% de pagamentos para o Governo Federal e 60% para os estados, sendo que desses 60% há uma distribuição entre área de floresta (estoque) e redução do desmatamento (fluxo), chegando a um valor total de toneladas que cada estado pode usar para captar recursos de REDD+ internacionalmente. Assim, cada estado pode atrair recursos externos diretamente, além do Fundo Amazônia.

Medida para o Plano de Transformação Ecológica [“Governança”] [“Adaptação”]

Foi publicada norma da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que estabelece que as companhias abertas, fundos de investimento e companhias securitizadoras publiquem, voluntariamente, a partir de 2024, relatório anual com informações financeiras relacionadas à sustentabilidade, seguindo duas normas (IFRS S1 e S2) padronizadas pelo International Sustainability Standards Board (ISSB). A publicação do documento  relacionado à gestão de riscos ESG será obrigatória em 2026 para as companhias abertas.

A medida foi divulgada como mais uma ação relacionada ao Plano de Transformação Ecológica, que ainda não foi publicado.

Desde agosto, quando o Governo Federal apresentou as diretrizes do Plano no evento de lançamento do Novo PAC, foram publicadas normas e documentos que fazem parte do Plano, mas ainda sem o seu conteúdo completo. É o caso da “Taxonomia Sustentável”, colocada em consulta pública e cujo Plano de Ação será apresentado na COP 28, e o “Arcabouço Brasileiro para Títulos Soberanos Sustentáveis”.

Em outubro, o Monitor de Desastres contabilizou 265 reconhecimentos de emergência por eventos climáticos extremos ocorridos em 249 municípios. Os principais eventos registrados foram a estiagem, concentrada no Norte e no Nordeste do país e as constantes tempestades e inundações na região Sul. Foram identificados também episódios de seca, erosão e incêndios florestais, resultantes da estiagem prolongada e da baixa umidade do ar, principalmente em municípios da região amazônica.



Considerando a série histórica da última década (2013 a 2023), as declarações por emergência devido a tempestades/chuvas intensas já estão acima da média em 2023, totalizando 871, a média dos últimos 10 anos foi de 557 declarações por ano.



O mês de outubro foi marcado por extremos climáticos. Norte e Nordeste estão enfrentando a maior seca dos últimos 40 anos, desde que o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) passou a monitorar o volume de chuva, em 1980.

A forte estiagem no Amazonas, afeta especialmente ou rios Negro, Solimões, Madeira, Juruá e Purus, com impacto em serviços básicos, como saúde para as populações locais. Não há água potável, alimentos ou remédios nas comunidades devido à dificuldade de transporte pelos rios. Indígenas da Amazônia têm reivindicado a declaração, pelo governo brasileiro, de emergência climática. 

A situação crítica no Rio Madeira, especificamente, fez com que uma das maiores linhas de transmissão do país tivesse que ser desligada, segundo informações do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Além disso, foi autorizado pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) o acionamento de duas usinas termelétricas para garantir o fornecimento de energia em Rondônia e no Acre, por conta da paralisação das operações da hidrelétrica de Santo Antônio, em Rondônia. No Monitor de Atos Públicos foi captada a resolução da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), que declarou situação crítica de escassez quantitativa dos recursos hídricos no Rio Madeira e o risco de comprometimento do atendimento aos estados do Acre e Rondônia.

Segundo registros do Serviço Geológico do Brasil (SGB) e da Defesa Civil do Amazonas, os rios Negro, Solimões, Amazonas e Madeira registraram níveis mínimos históricos. No Rio Negro, a profundidade mínima chegou a 13,29 m – a menor em 120 anos de medição. O Rio Madeira também registrou seu pior nível histórico.

O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, disse que o Governo Federal já empenhou R$ 628 milhões ao estado do Amazonas, abrangendo medidas de prevenção e combate a incêndios, brigadistas, dragagens e custeio emergencial para a saúde da população.

Foi instalada na Câmara dos Deputados uma comissão especial para analisar as medidas de prevenção a desastres e calamidades, com objetivo de propor normas para aperfeiçoar o sistema e resposta aos eventos. A comissão será presidida pelo deputado Leo Prates (PDT-BA).

Declarações de emergência ao longo do Rio Amazonas, de Santarém a Manaus.



Desde o início de 2023, foram captadas 177 normas de reconstrução da agenda climática e socioambiental, originadas tanto na Presidência da República como em diversos ministérios, o que permite avaliar o nível de transversalidade da agenda. 

Para a reconstrução da agenda climática nacional, o atual governo apresentou em outubro 12 atos, entre eles: a destinação de parcela das arrecadações de recursos financeiros advindos do pagamento de multas por crimes e infrações ambientais para o Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil (Funcap), a criação de Grupo de Trabalho GT/PSA e a criação da diretoria do Cadastro Ambiental Rural (CAR) dentro do MGI, além das resoluções aprovadas pelo CIM.
Do total de 471 normas propostas pela POLÍTICA POR INTEIRO para revisão e revogação, foram efetivadas 38 até o momento, estando pendentes de revisão  atos, como apresentado no gráfico abaixo:

TERMÔMETRO DO MÊS



Com a proximidade da COP 28, que se iniciará no final de novembro, os preparativos para a participação brasileira se intensificarão nas próximas semanas. Lula esteve na conferência no ano passado, na primeira viagem internacional como presidente eleito, indicando que seu então futuro governo buscaria reinserir o Brasil internacionalmente, sobretudo pela agenda climática. Neste ano, o presidente deverá ser acompanhado de uma grande comitiva de primeiro escalão. Fala-se em 17 ministros. Parlamentares e também atores subnacionais buscarão seu lugar ao sol em Dubai.

No Congresso Nacional, há a expectativa do avanço das discussões sobre o PL que busca regulamentar o mercado de carbono no Brasil. Caso seja aprovada, a proposta poderá ser um grande chamariz de boas práticas e possíveis resultados futuros do Governo Federal na agenda climática. Porém, já não há muita confiança de que haja tempo hábil para finalizar a tramitação a tempo de estar na bagagem de Lula para Dubai.

Pelo menos,  o Brasil chegará à COP 28 com sua NDC corrigida, ainda que não tenha feito o ajuste a tempo de o dado constar no relatório oficial da UNFCCC, para o qual serão considerados os dados enviados até 25 de setembro.

Há a previsão de que o CIM se reúna novamente em novembro, antes do início da COP 28. Porém, a data ainda não foi divulgada.

No Legislativo, a análise dos vetos do presidente Lula ao PL 2.903, do Marco Temporal, é esperada com ansiedade. Há grande incidência da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) contrária aos vetos, o que pode ser um ponto de tensão nas negociações e, caso os vetos sejam derrubados, gerar possível judicialização no âmbito do STF, o qual já tem entendimento consolidado contrário à “tese” do marco temporal e também à vedação de ampliação de terras indígenas.

O PL do Veneno e o PL que visa instituir a Lei Geral do Licenciamento também estão sendo acompanhados com sinais que devem avançar em novembro. As propostas flexibilizam de forma perigosa os sistemas de proteção ambiental do país.

Lula já colocou na bagagem a redução de 22% do desmatamento na Amazônia. Com 9.001 km² de estimativa de perda de vegetação nativa, o Prodes, apresentado em 9 de novembro, trouxe a menor taxa desde  2019. Porém, derrubadas de vetos ao PL do marco temporal e também à lei que afrouxou proteções à Mata Atlântica e aprovações dos PLs do Veneno e do Licenciamento podem ser contrapesos significativos. Que Brasil o mundo verá na COP? O que olha para o futuro com esperanças e responsabilidades no presente para segurar o aquecimento global em 1,5ºC ou aquele que ainda está de costas para a estrada que todo o planeta precisa atravessar?   

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