Análise mensal – Julho 2023

Passamos da era do aquecimento global. Estamos na era da fervura global. O recado foi dado pelo secretário-geral da Organização das Nações Unidas, António Guterres, em Nova York, nos últimos dias de julho. Mesmo antes de se encerrar o mês, os dados mostraram que as temperaturas da Terra em julho quebraram recordes: as três semanas mais quentes já registradas, os três dias mais quentes já registrados, as mais altas temperaturas do oceano para esta época do ano já registradas.

“Para grandes áreas da América do Norte, da Ásia, da África e da Europa, um verão cruel. Para todo o planeta, um desastre. E para os cientistas, é inequívoco: os humanos são os responsáveis. Tudo isso é totalmente consistente com as previsões e os alertas repetidos. A única surpresa é a velocidade da mudança”

– António Guterres, secretário-geral da ONU

Enquanto o planeta ferve, o recesso político em julho manteve Brasília em banho-maria, depois de um início de mês a todo vapor no Congresso Nacional com a Reforma Tributária passando na Câmara dos Deputados. Só foram detectadas quatro normas do Governo Federal com impacto nas agendas para descarbonização do Brasil.


Monitor de Atos Públicos

Em julho, foram captados 47 atos relevantes para a agenda climática. A classe mais frequente foi Resposta, com 27 normas, seguida de Planejamento com 9 e Reforma Institucional, com 5 normas captadas.



Dentre os temas, Desastres se destacou, com 22 normas captadas e relativas a reconhecimentos de situações de emergência e calamidade pública, seguido do tema Terras e Territórios, que inclui também as respostas aos conflitos territoriais em terras indígenas, por meio da ação da Força Nacional de Segurança Pública.


A queda no volume de atos em relação a junho traduz o esfriamento observado normalmente em julho. 

Dentre as normas de relevância, destacamos a RESOLUÇÃO CMN 5.081/2023, que alterou as normas sobre impedimentos sociais, ambientais e climáticos para concessão de crédito rural. Confira em nosso post as mudanças.
NOSSA DESCARBONIZAÇÃO



Foram identificados apenas 4 atos considerados de impacto positivo no processo de descarbonização da economia brasileira:



  • PORTARIA CONJUNTA MDA/INCRA Nº 1, DE 11 DE JULHO DE 2023: Constitui Grupo Executivo intitulado Grupo de Alternativas de Obtenção – GAO para avaliar e desenvolver ações e estratégias para obtenção e destinação de imóveis rurais ao Programa Nacional de Reforma Agrária e a outras políticas públicas fundiárias.  O Grupo Executivo desenvolverá suas atividades no âmbito do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA e do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar – MDA, contando com o assessoramento jurídico de advogados públicos federais em exercício na Procuradoria Federal Especializada junto ao INCRA – PFE-INCRA e na Consultoria Jurídica junto ao MDA – CONJUR-MDA.
    • Agenda: Governança
    • Impacto na Nossa Descarbonização: Potencial impacto positivo


  • DECRETO Nº 11.614, DE 21 DE JULHO DE 2023: Institui o Plano Amazônia: Segurança e Soberania – Plano Amas, destinado ao desenvolvimento de ações de segurança pública que observem as necessidades e as especificidades dos Estados que compõem a Amazônia Legal com vistas à redução de crimes ambientais e conexos. Tem como instâncias Comitê Gestor;  Comissão Técnica; Comitês Estratégicos Estaduais; e Centro de Cooperação Policial Internacional – CCPI.
    • Agenda: Governança
    • Impacto na Nossa Descarbonização: Potencial impacto positivo


  • PORTARIA Nº 135, DE 24 DE JULHO DE 2023: Reconhece e declara como terras da Comunidade Remanescente de Quilombo de Santa Rita do Bracuí, a área de 616,6504 ha (seiscentos e dezesseis hectares, sessenta e cinco ares e quatro centiares), localizada no município de Angra dos Reis, no estado do Rio de Janeiro.
    • Agenda: Mitigação
    • Impacto na Nossa Descarbonização: Potencial impacto positivo


No acumulado do ano até agora, a agenda de adaptação tem tido poucos atos relacionados à Nossa Descarbonização. A abordagem para lidar com os eventos extremos tem se resumido às normas de Resposta a desastres (reconhecimentos de situações de emergência e calamidade pública), que não direcionam a agenda de descarbonização e adaptação de forma propositiva.
desmatamento

Desmatamento
[“Governança”]
[“Mitigação”]

financiamento

Financiamento
[“Financiamento”] [“Governança”]

precificacao-das-emissoes

Precificação das emissões [“Mitigação”]

energia

Energia
[“Adaptação”]

nota metodológica

Dada a transição do governo federal, a metodologia da POLÍTICA POR INTEIRO passou por uma revisão, na qual foram reformulados temas e classes e inserido mais um nível de sistematização das normas captadas no Diário Oficial da União, relacionado especificamente às agendas de mudança do clima. A partir de agora, os Balanços Mensais contarão com identificações (tags) para cada agenda do clima da qual pertencem as análises.

  • “Mitigação”
  • “Adaptação”
  • “Governança”
  • “Financiamento”
Redução do desmatamento [“Mitigação”]

Os números de julho – o mês historicamente com maior desmatamento na Amazônia no ano – confirmaram as boas novas trazidas no primeiro semestre. A perda de vegetação nativa no bioma desacelerou significativamente. Segundo o Deter, sistema de alertas do INPE, houve redução de 66% na área de alertas de desmatamento em julho. A queda acumulada no ano é de 42,5% em relação aos primeiros sete meses de 2022. É provável assim que o Prodes – o sistema de desmatamento do INPE que consolida o dado anual (agosto a julho) – traga queda no desmatamento, ainda que contabilize a alta devastação observada no segundo semestre do ano passado.



Por outro lado, o Cerrado segue com números preocupantes. O desmatamento no bioma subiu 26% em julho, acumulando aumento de 21,7% no ano. Para cumprir sua meta de desmatamento zero em todos os biomas, o Governo Federal terá de aplicar uma abordagem diferente no Cerrado, buscando, inclusive, alterações na legislação para as áreas de reserva legal nas propriedades e articulações com estados e municípios.


Plano para segurança amazônica “Governança”

Na esteira das medidas para recuperação do papel do estado na Amazônia, foi instituído, via Decreto Federal 11.614/2023, o Plano Amazônia Segurança e Soberania (Plano Amas), destinado ao desenvolvimento de ações de segurança pública que observem as necessidades e as especificidades dos estados que compõem a Amazônia Legal com vistas à redução de crimes ambientais e conexos. Esse Plano oficializa a instalação de 28 bases terrestres e 6 fluviais na região e uma frente de meio ambiente dentro da Força Nacional de Segurança conforme sugestão do ex-ministro do Meio Ambiente Carlos Minc, apresentada na transição de governo.
Fundo Amazônia [“Financiamento”] [“Governança”]

O Comitê Orientador do Fundo Amazônia (COFA) se reuniu na última semana de julho e aprovou diretrizes e critérios para a aplicação de seus recursos nos próximos dois anos. O saldo atual do mecanismo para desembolsos é de R$ 2,4 bilhões (entenda o saldo em nosso post sobre o tema). Os recursos serão destinados para reverter tendências de desmatamento apontadas no Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia (PPCDAm).

Mobilização e voto popular [“Financiamento”] [“Governança”]

O programa Enfrentamento da Emergência Climática foi o mais votado entre as 28 propostas ministeriais colocadas em consulta pública na construção do Plano Plurianual (PPA). O governo federal realizou a votação na plataforma Brasil Participativo, de 11 de maio até o 16/07. A proposta do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, que recebeu 20.534 votos, prevê fortalecer a ação nacional para enfrentar os desafios de mitigação das emissões de gases de efeito estufa e de adaptação às mudanças climáticas. Em 60 dias, a plataforma digital do PPA Participativo recebeu mais de 4 milhões de acessos e 1.529.826 votações da população brasileira sobre as prioridades de investimento do governo para os próximos 4 anos.

Investimentos estrangeiros [“Financiamento”]

Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, anunciou ao lado do Presidente Lula que a União Europeia investirá mais € 45 bilhões (R$ 242 bilhões) na América Latina e no Caribe, como parte do programa Global Gateway, especialmente em “projetos de infraestrutura, climáticos e digitais para fortalecer as cadeias de abastecimento da Europa, impulsionar o comércio da UE e ajudar a combater a mudança climática”. O sinal foi bem recebido neste momento em que o Acordo Mercosul-UE está “empacado”. Resta saber se será suficiente para destravar as negociações.
Mercado de Carbono [“Mitigação”]

Pelos sinais dados durante o mês, o projeto de lei da regulamentação do mercado de carbono está pronto, com o aval dos diferentes ministérios envolvidos no tema. Segundo nota da Advocacia-Geral da União (AGU), após análise da Procuradoria Nacional de Defesa do Clima e do Meio Ambiente (Pronaclima), das consultorias jurídicas de mais de dez ministérios e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), foi encaminhado ao Ministério da Fazenda o texto do PL. A minuta será apresentada a “entidades da sociedade civil e ao setor privado para, na sequência, discutir a proposta com o Congresso Nacional”. Não se sabe, entretanto, por qual caminho tramitará. Projeto de lei do Executivo, um substitutivo parlamentar?

A ministra Marina Silva afirmou à imprensa que o projeto de regulamentação do mercado de carbono no Brasil deverá ser enviado ao Congresso Nacional em agosto. O texto, disse, buscará aproveitar “ao máximo o conteúdo de dois projetos que tramitam no Congresso”. 

Avançar na temática é tratado como uma das prioridades do Planalto, havendo informações de que o projeto de lei “será discutido em um dos grupos de trabalho do Conselhão, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social” e o Executivo deve trabalhar em sugestões no parecer da senadora Leila Barros (PDT-DF), relatoria do tema no Senado e presidente da Comissão de Meio Ambiente.
Transição “barata e competitiva”? [“Adaptação”]
Houve a afirmação pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, de que será discutido no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) uma proposta de aumentar de 27,5% para 30% o teor de etanol na gasolina, o que, na visão do ministro, contribui para que o Brasil tenha uma descarbonização “barata e competitiva”. Ele informou ainda que deve ocorrer em agosto o lançamento da Política Nacional de Transição Energética.

Em julho, o Monitor de Desastres contabilizou 128 municípios que fizeram o pedido de reconhecimento de emergência e calamidade pública. Grande partes destes municípios foram atingidos por tempestades e chuvas intensas, concentradas no sul e em algumas regiões do nordeste, seguido de estiagem no nordeste do país.

Dos 7 meses de 2023, 4 tiveram Desastres com maior número de atos captados mensalmente, incluindo julho. Neste ano, as declarações de emergência por estiagem e seca aumentaram em comparação ao mesmo período do ano passado, principalmente na região nordeste, fato que se deve à influência do fenômeno El niño, que também intensificou as chuvas intensas e tempestades no sul do país.



Em menos de um mês, o Rio Grande do Sul foi afetado por três ciclones extratropicais. O fenômeno meteorológico comum na região nesta época do ano pode se tornar cada vez mais frequente e mais intenso com as mudanças climáticas, afirmam especialistas. Os ventos fortes e as baixas temperaturas deixaram em alerta não apenas o estado gaúcho, toda a região Sul e até São Paulo.

O coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) José Marengo, falou ao G1 sobre o aumento dos riscos de fenômenos como esse com as pessoas vivendo em áreas vulneráveis e as temperaturas global e regional em alta, alterando os padrões da circulação atmosférica.




Emergência Climática [“Mitigação”] [“Adaptação”]

Em 22 de julho, Dia da Emergência Climática, o Instituto Talanoa promoveu a projeção do Relógio do Clima no Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, mostrando o tempo que ainda temos para limitar o aquecimento global em 1,5°C. Os anos, dias, horas, minutos e segundos são calculados a partir do chamado “orçamento de carbono”. Isto é, a quantidade de carbono que pode ser emitido globalmente antes que a probabilidade de impactos climáticos devastadores se torne muito alta. Se as taxas de emissões continuarem a aumentar, nosso orçamento de carbono se esgotará cada vez mais rápido, sendo necessário ajustar o Relógio do Clima, aproximando seu marco zero.

Placar da Reconstrução

Desde o início de 2023 foram captadas 140 normas de reconstrução da agenda climática e socioambiental, originadas tanto na presidência como em diversos ministérios, o que permite avaliar o nível de transversalidade da agenda. Dentro do Monitor de Atos Públicos essas normas representam 38% do total de atos captados, que foi de 365 até 28 de julho de 2023.



Dentre as 471 normas indicadas para revogação ou revisão, o atual governo agiu sobre 35, o que significa 7,4% de ação sobre o estoque normativo herdado do Governo Bolsonaro.

TERMÔMETRO DO MÊS

Como disse o secretário-geral da ONU, António Guterres, o que assusta é velocidade das mudanças climáticas. Estamos já em fervura, e em muitos aspectos, nos aproximamos perigosamente de pontos de ruptura – ou já os ultrapassamos. Com desequilíbrios ecossistêmicos que não serão mais revertidos, adaptar-se é questão de sobrevivência.

Sob as cenas de calor intenso, os recordes de temperatura e as mortes pelo verão extremo no Hemisfério Norte, nos trópicos amazônicos, líderes da região e convidados de outros continentes discutirão a proteção das florestas – ecossistemas fundamentais para frear a velocidade das transformações em todo o planeta. Anúncios são aguardados na Cúpula da Amazônia, em Belém, no início do mês. O presidente Lula receberá representantes dos outros países abrangidos pelo bioma: Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa/França, Peru, Suriname e Venezuela, além de República Democrática do Congo, República do Congo, Indonésia, São Vicente e Granadinas. Alemanha e Noruega, doadores do Fundo Amazônia, também devem participar do evento, preparado pela Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA).

Para agosto, está prevista a realização da primeira reunião do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), que deverá discutir, dentre outros temas, a atualização da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), planos setoriais de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas e a correção da Contribuição nacionalmente Determinada (NDC) brasileira.

A expectativa também é grande para a apresentação do Plano de Transição Ecológica. No último mês, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deu algumas indicações do que virá. O plano deverá ter seis eixos: finanças sustentáveis; adensamento tecnológico do setor produtivo; bioeconomia; transição energética; economia circular; e nova infraestrutura e serviços públicos para adaptação ao clima.

No Congresso, as apostas cresceram ao longo de julho sobre a possibilidade de um novo projeto de lei para a regulação do mercado de carbono entrar no Legislativo ainda na primeira metade de agosto. Porém, as fichas foram deixando a mesa. O relógio continua a correr, já que ter uma lei sobre o tema aprovada é uma das realizações que o Governo Federal gostaria de ter na bagagem para a COP 28, em Dubai, no fim do ano (de 30 de novembro a 12 de dezembro).

Com mercado de carbono ou não, a temperatura sobe no Congresso em agosto, com projetos de lei que trazem riscos às agendas climáticas e socioambientais, do chamado Pacote da Destruição (projetos de lei do Licenciamento, do Veneno/Agrotóxicos e do Marco Temporal).

O sucesso ou fracasso das iniciativas do Executivo demandará novamente de grande articulação de Lula e seus ministros junto aos parlamentares. Será necessário acompanhar quais pautas serão utilizadas como “moeda de troca” para que se avance internamente e se entregue o que se promete ao mundo. Em um planeta que ferve, o Brasil pode ambicionar ajudar a ajustar a deter o termômetro? E o relógio? É tarde, mas ainda temos tempo.

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