E só está começando

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil


“Agora que começou o jogo.” Assim, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva definiu os embates no Congresso acerca da Medida Provisória 1154, que estabelece a organização ministerial de seu governo desde 1º de janeiro de 2023. As alterações ao texto da MP, transformada no Projeto de Lei de Conversão (PLV) 12/2023, podem impactar na implementação e no avanço de agendas críticas, como as políticas socioambientais e de mudança do clima.

Organizações da sociedade civil alertaram sobre o esvaziamento do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) com a retirada das competências para gestão do Cadastro Ambiental Rural e da política nacional de recursos hídricos, incluindo a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) também foi alvo das emendas dos parlamentares, retirando-lhe a competência para reconhecer e demarcar terras e territórios indígenas. Lula se reuniu, juntamente com seu núcleo de articulação política (Rui Costa – Casa Civil, e Alexandre Padilha – Relações Institucionais), com as ministras Marina Silva (MMA) e Sônia Guajajara (MPI). 

A MP, agora PLV, precisa passar no Congresso até o dia 1º de junho. O governo afirma que vai trabalhar para reverter os pontos de desalinhamento até lá. Se passar como está, Lula ainda poderá jogar a prorrogação, vetando artigos na sanção da lei. Porém, haverá mais um tempo de disputa, para que o Congresso não derrube os vetos. O jogo começou pegado, sob pressão da torcida. Para um país que quer ser campeão, não há alternativa a não ser lançar-se ao ataque.

Outra batalha que já se encaminhou para a pressão por vetos presidenciais é relativa à flexibilização da proteção da Mata Atlântica via “jabutis” (propostas que não têm relação com o objeto da norma em análise, mas que foram inseridos por parlamentares) na MP 1150. Os trechos inseridos na discussão inicial na Câmara dos Deputados foram retirados do texto pelo Senado Federal, conforme reportamos semana passada. Contudo, no retorno da proposta à Câmara, os “jabutis” foram reinseridos e aprovados. Marina Silva afirmou que o presidente Lula disse que os vetará na sanção. No governo anterior, após publicação de despacho no qual recomendava a interpretação preferencial do Código Florestal em relação ao bioma, o então ministro Ricardo Salles sofreu grande pressão e revogou tal despacho. Ainda assim, foi protocolada uma ação perante o STF para discutir a prevalência (ou não) do Código Florestal sobre a Lei da Mata Atlântica, a qual está em pauta para ser julgada no próximo mês.

Na pauta indígena, houve a aprovação de urgência na Câmara para o Projeto de Lei (PL) 490/2007, que propõe restringir a demarcação de terras indígenas àquelas tradicionalmente ocupadas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. A chamada tese do marco temporal também é objeto de ação no STF, com julgamento agendado para 7 de junho.

As pautas socioambiental, de mudança do clima e indígena foram fundamentais para a campanha de Lula à presidência. Na COP 27, no Egito, já como presidente eleito, Lula fez diversos discursos e sinalizações de que tais pautas seriam centrais no seu Governo, com respeito e diálogo. Reafirmando que continua comprometido, Lula anunciou, nesta sexta-feira, que Belém foi confirmada como sede para a COP 30, em 2025, em vídeo ao lado do governador do Pará, Helder Barbalho, e do ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira.


Mais baratos e mais verdes?

O governo federal anunciou que reduzirá impostos (IPI e PIS/Cofins) para baratear o preço dos carros populares (até R$ 120 mil). Segundo o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, o desconto vai variar de 1,5% a 10,79%, tendo a eficiência energética como um dos fatores para o abatimento: “É quem polui menos. Você premia e estimula a eficiência energética, carros que poluem menos, com menor emissão de CO2”. Entretanto, não foi detalhado ainda os termos dessa eficiência. E, por enquanto, não há sinais de que a política de incentivos se alinhe a uma política de transição energética da frota do país, com estímulos e metas para vendas de veículos elétricos e implantação de infraestrutura de recarga.

Em artigo publicado no Estadão sobre o que chamam de “neoindustrialização do Brasil”, Lula e Alckmin reconhecem a mudança climática como imperativo a ser incluído na estratégia para indústria nacional: “Precisamos de uma política industrial inteligente, para o novo momento da globalização – em que mesmo países mais liberais investem em conteúdo nacional: seja para a construção de cadeias produtivas mais resilientes a choques, como o que provocou escassez de insumos na pandemia; seja para dar conta do imperativo da mudança climática, a corrida espacial do nosso tempo.” Ressaltam ainda: “Oportunidades comerciais se abrem para uma potência verde como nosso país. A redução do uso de combustíveis fósseis na indústria automotiva se dará com o carro elétrico, mas também com biocombustíveis. Podemos exportar carros ou motores flex para mercados aptos a usar etanol na Ásia, na África e na América”. Para não perder as oportunidades, a hora de traçar as metas e os caminhos a elas é agora.


Nova NDC: agora vai?

Houve reunião entre o MMA e jovens que são autores de uma ação judicial que discute a chamada “pedalada climática” (artifício utilizado pelo último governo para alterar o cálculo e, assim, trazer a aparência de maior ambição nacional quanto à redução das emissões de gases de efeito estufa quando, na verdade, estão aumentando – confira nosso material exclusivo sobre o tema).

Assim, há expectativa de que o Governo Federal faça a correção da “pedalada climática” ainda em junho.


Mercado de Carbono

Foi noticiada a intenção do Governo Federal revogar norma que prorrogava os prazos para que entidades setoriais apresentassem planos e metas para redução de emissões de gases de efeito estufa, o que não ocorreu até então. Assim, há perspectiva da elaboração de texto que congregue os mercados regulado e voluntário de carbono.

Ainda, foi realizada audiência pública no Senado Federal, na qual se discutiu a regulamentação do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE). A subsecretária de Desenvolvimento Econômico e Sustentável do Ministério da Fazenda, Cristina Reis, afirmou que a regulação do mercado de carbono é um dos caminhos da sustentabilidade com inclusão. “A gente deve ter certeza que o nosso sistema brasileiro é uma meta, pode ser uma referência mundial e pode gerar receita para outras políticas nessa visão de descarbonização.”

Pelo monitoramento realizado pela POLÍTICA POR INTEIRO foi captada a Lei Federal 14.590, que alterou a lei de gestão de florestas públicas para permitir a exploração de atividades não madeireiras e a comercialização de créditos de carbono de forma mais ampla, a lei é resultado da MP 1151, proposta no apagar das luzes do governo Bolsonaro. A lei foi aprovada com um veto, relacionado à possibilidade de reserva legal.


Petróleo na Bacia da Foz do Amazonas

A Petrobras reapresentou um pedido para explorar petróleo na bacia da Foz do Amazonas. Lula afirmou que se o empreendimento causar problemas ambientais à região, não será emitida a licença. Apesar disso, disse que “acha difícil” o impacto negativo, tendo em vista que o ponto de possível exploração fica a 530 km de distância da Foz.


Sociedade civil se mobiliza

O esvaziamento do MMA e MPI, que coloca em risco as pautas ambientais e indígenas, tem mobilizado ações de várias entidades entre ONGs, universidades e movimentos sociais. Cerca de 790 associações assinaram um manifesto pedindo para que os parlamentares corrijam equívocos na MP 1154. 

Em outra frente, 140 entidades da sociedade civil lançaram uma carta de reivindicações para que o governo federal combata o racismo ambiental. Mais uma forma de demonstrar o apoio e crença das entidades no fortalecimento do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. 


MONITOR DA RECONSTRUÇÃO

Desde o início do novo governo federal, o Monitor de Atos Públicos captou 245 atos relacionados à política climática, destes, 96  tratam de normas que incidem no processo de reconstrução da agenda climática e ambiental brasileira, conforme os caminhos apontados no relatório Reconstrução da Política por Inteiro. A maioria destes atos são decretos e despachos assinados pelo Presidente da República, em segundo lugar estão os atos publicados pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, seguidos dos atos com origem no Ministério dos Povos Indígenas.Nesta semana o Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA entrou na agenda com a publicação das normas de reconhecimento de territórios quilombolas.

TALANOA NA MÍDIA

BBC News BrasilPor que disputa sobre petróleo na foz do Amazonas não deve levar a nova ruptura entre Lula e Marina, segundo analistas




MONITOR DE ATOS PÚBLICOS

Essa semana o Monitor de Atos Públicos captou 14 normas relevantes no DOU. O tema mais frequente foi Terras e Territórios, com 8 atos. A classe mais captada foi Regulação, com 7 normas, relativas ao reconhecimento e declaração de terras quilombolas e a aprovação do Regulamento Técnico para o Banco Boas Práticas em Ações de Proteção e Defesa Civil da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil.




MONITOR DE DESASTRES

Nesta semana foram captados 3 atos de reconhecimento de emergência, envolvendo 13 municípios. Os principais eventos registrados foram estiagem, chuvas intensas e alagamentos.

Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO

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