100 dias: por que a reconstrução está mais lenta do que o esperado?

Apresentar resultados e lançar as propostas desenhadas nos primeiros três meses do ano. Números para mostrar que a reconstrução está em curso e novidades para indicar que as agendas avançarão de fato. Sob essas perspectivas, as equipes na Esplanada dos Ministérios trabalharam nos últimos dias para levar seus balanços à reunião ministerial que marcará os 100 primeiros dias do governo Lula, na segunda-feira.

O quanto dos compromissos abraçados na formação de uma frente ampla na campanha eleitoral e, posteriormente, durante o governo de transição saiu do discurso para ser incorporado em políticas públicas? A análise das normas captadas pelo Monitor de Atos Públicos e pelo Monitor da Reconstrução da Política por Inteiro mostram que houve reformas institucionais positivas que abraçaram uma abordagem transversal da pauta climática e o acerto de uma governança dedicada à temática indígena com protagonismo de representantes dos povos originários. Por outro lado, o ritmo da reconstrução emperra diante da dificuldade de se recuperar rapidamente os órgãos ambientais da cupinização institucional promovida por um método de desconstrução, como apontado em nosso relatório Reconstrução, lançado em novembro de 2022.

O Monitor de Atos Públicos captou de 1º de janeiro a 6 de abril, 173 atos infralegais com interface com as políticas socioambientais e de mudanças climáticas do governo federal. Desse total, 49 se relacionam com o processo que chamamos de Reconstrução, revogando ou revisando 25 dos 473 atos do governo Bolsonaro apontados em nosso relatório com recomendação para que fossem revisitados. Isto é, somente 5% do caminho para a reconstrução foi percorrido nestes 100 dias.



O que foi reconstruído?

No relatório Reconstrução, a POLÍTICA POR INTEIRO dissecou o Método da Desconstrução aplicado em 28 temas e elencou sugestões para reversão do quadro. Abaixo, um balanço dos 100 dias em cada tópico:

  1. Restaurar participação e controle social

Foi possível verificar nesses quase 100 dias de Governo Lula uma movimentação importante na agenda: a publicação do Decreto Federal 11.371/2023 revogando os Decretos Federais 9.759/2019 e 9.812/2019, os quais deram sustentação jurídica para o desmonte dos colegiados. Via Decreto Federal 11.372/2023, houve a revisão da composição do Conselho Deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), ampliando a participação e representatividade. Em relação ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), que não foi extinto, mas muito modificado, foram publicados despacho presidencial, Decreto Federal 11.417/2023, editais e portarias referentes à nova composição, a qual, apesar do aumento da pluralidade de representações, permanece sem a paridade nos assentos entre representantes da sociedade e o Poder Público.


  1. Descupinização institucional

O novo governo trouxe logo na primeira semana novas estruturas ministeriais e de órgãos vinculados, sendo publicadas normas que reestruturaram a Administração Pública federal, dando ênfase à “transversalidade” de pautas ligadas às mudanças do clima. Destaque para o Serviço Florestal Brasileiro (SFB), que retornou ao MMA, e à FUNAI, que passou a integrar a estrutura de um inédito Ministério dos Povos Indígenas (MPI).


  1. Aumentar transparência pública

Lula afirmou no seu discurso de posse: “A partir de hoje, a Lei de Acesso à Informação voltará a ser cumprida, o Portal da Transparência voltará a cumprir seu papel, os controles republicanos voltarão a ser exercidos para defender o interesse público“. No entanto, reportagens apontaram uma série de negativas de acesso à informação já na atual gestão. No que tange às normas, foi publicada recentemente a Portaria 66/2023 do IBAMA, que aprova o Plano de Ação em Governo Aberto do IBAMA para o compromisso “Meio Ambiente, Floresta e Dados Abertos”, com o objetivo de melhorar a qualidade e disponibilização das bases de dados ambientais, buscando maior padronização, unificação e integração de informações de diferentes entes e órgãos.


  1. Retomar garantia dos direitos indígenas

O Governo Lula, desde a vitória nas urnas, trouxe como promessa a criação de um ministério para os povos originários e assim o fez. A Funai foi colocada junto a esse novo Ministério dos Povos Indígenas (MPI), que ainda nas primeiras semanas o governo teve de lidar com a crise humanitária yanomami e os conflitos nos territórios pataxó. Como sinalização forte, revogou-se a instrução normativa que abria caminho para a exploração madeireira por não indígenas em TIs e também retirou-se o projeto de lei enviado pelo Executivo anterior ao Congresso para a regulamentação de mineração nesses territórios.


  1. Instituir estratégia de gestão de conflitos socioambientais

O uso da Força Nacional de Segurança Pública tem sido mais restrito à continuidade das operações já em curso. Importante ressaltar que na crise humanitária envolvendo os pataxó foi constituído um Gabinete de Crise (PORTARIA GM/MPI Nº 2, DE 18 DE JANEIRO DE 2023) pela ministra Sônia Guajajara, ou seja, uma lida com o problema diretamente pelo ministério e não somente via intervenção de forças militares. Em relação aos yanomâmi, foi instituída Sala de Situação e Controle (PORTARIA Nº 20, DE 1º DE FEVEREIRO DE 2023) para a coordenação, planejamento e acompanhamento das ações de combate ao garimpo ilegal.


  1. Evitar colapso socioambiental da Amazônia

A Amazônia voltou a ser prioritária com um olhar de conservação, como um dos pilares para o desenvolvimento sustentável do país. Aguarda-se a publicação para consulta pública do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) na próxima semana. Somado a isso, a reativação do Fundo Amazônia e outros instrumentos como o Plano de Desenvolvimento Agropecuário da Amazônia – Plano Amazônia + Sustentável, além de governanças em diversas pastas com atribuições para fazer avançar projetos de bioeconomia e de soluções baseadas na natureza, moveram a agenda na tentativa de se reverter a caminhada catastrófica rumo ao ponto de não retorno do bioma. As medidas contra o garimpo e de proteção às terras indígenas também colaboram para se evitar o colapso.


  1. Fortalecer ações de comando e controle

Um dos pontos alterados pelo Governo Lula logo na primeira semana foi o processo administrativo ambiental, ao extinguir os núcleos de conciliação (Decreto Federal 11.373/2023), os quais se mostraram pouco efetivos ao não avançarem na cobrança de multas por infrações ambientais e, consequentemente, responsabilização de agentes privados.


  1. Reativar fundos climáticos e alocar recursos estrategicamente

Na primeira leva de atos do novo governo foram publicadas normas para retomar a governança do Fundo Amazônia (DECRETO Nº 11.368, DE 1º DE JANEIRO DE 2023). No decorrer das semanas, houve intensa movimentação da ministra Marina Silva e do presidente Lula a fim de viabilizar recursos para o Fundo, como pode ser visto nas falas em Davos, no encontro com o presidente dos EUA, Joe Biden, e nas reuniões com o enviado especial de clima dos EUA, John Kerry.


  1. Integrar agendas de oceano e clima

Na nova estrutura do MMA, foi criado o Departamento de Oceano e Gestão Costeira, vinculado à Secretaria Nacional de Mudança do Clima.


Temas com sinalizações preocupantes

  1. Eliminar poços de “fracking”

Neste tema, sinalização foi contrária à demandada pelas organizações ambientais e de políticas climáticas. Lula, em viagem à Argentina, sinalizou a sua aproximação para viabilizar, via recursos do BNDES, o gasoduto de Vaca Muerta (gás de xisto).


  1. Adotar política preventiva de desastres e gestão de riscos climáticos

Não houve avanços na melhoria da sistemática, seja de reconhecimentos e repasses, seja de transparência das informações. Permanece a constância de reconhecimentos de desastres e transferências de recursos pela União para os municípios que solicitam apoio. Por ora, não se verificaram avanços na agenda de adaptação a desastres, apesar de aparentemente ser um tema de suma importância dentro da cúpula governamental.


Itens do Reconstrução sem atos ou avanços nas pautas pelo Poder Executivo

  1. Aperfeiçoar licenciamento ambiental



  1. Eliminar grilagem de terras públicas e consolidar informações fundiárias



  1. Acelerar regularização ambiental das propriedades privadas



  1. Retomar implementação da Política Nacional de Mudança do Clima



  1. Regular o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões



  1. Recuperar credibilidade e implementar a NDC Brasileira



  1. Rever programas inadequados e inefetivos de gestão das Unidades de Conservação



  1. Avaliar concessões de áreas protegidas e realizar parcerias mais sólidas com o setor privado



  1. Fortalecer conservação de espécies ameaçadas



  1. Regulamentar a lei de pagamentos por serviços ambientais e rever projetos relacionados



  1. Combater o racismo ambiental



  1. Antecipar transição justa do carvão mineral sem novos estímulos e subsídios



  1. Devolver energia nuclear à competência da pasta de Minas e Energia



  1. Amenizar efeitos deletérios de normas embutidas na privatização da Eletrobras



  1. Adotar política robusta de transição da agropecuária para carbono-zero



  1. Adequar critérios de liberação de agrotóxicos aos mais avançados padrões internacionais



  1. Preencher vazios normativos



Os 100 dias para além da Reconstrução





A transversalidade das agendas relacionadas às políticas de mudança do clima foi o principal avanço neste 100 dias do Governo Lula. O documento Chamado à Transversalidade 2023-2026”, publicado pelo Instituto Talanoa no início de março, apontou que, dos 37 ministérios, 19 contém sustentabilidade na forma de estruturas, programas ou competências. Porém, como apontado, a articulação dessas atribuições para que possam gerar políticas públicas efetivas está comprometida, principalmente, pelas dificuldades para nomeações. Novas estruturas já anunciadas também enfrentam os gargalos de recursos – orçamentários e humanos – para que se façam os arranjos que as viabilizem. É o caso da Autoridade Climática, prometida pela ministra Marina Silva para sua criação formalizada até março (o que não ocorreu, mas espera-se que possa ocorrer agora no marco dos 100 dias).

As normas captadas pelo Monitor de Atos Públicos que não são diretamente relacionadas ao processo de Reconstrução são majoritariamente atos que classificamos de “Resposta”. Os avanços e inovações das políticas climáticas que deveriam se desenrolar paralelamente à reconstrução, dada a urgência da pauta, pouco caminharam. 

Com as nomeações em cargos estratégicos avançando nas últimas semanas, espera-se que os próximos 100 dias possam ser mais comemorados do que os que se encerram agora. Alguns pontos aguardados: PPCDAm puxando a fila para planos de combate ao desmatamento em todos os outros biomas e operações de repressão a crimes ambientais; atualização do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM) e seu funcionamento; proposta para regulamentação do mercado de carbono; retomada de demarcações de terras indígenas e de unidades de conservação; entre outras demandas.


Poder Executivo e Poder Legislativo

Com uma composição congressista fortemente relacionada à base bolsonarista, ainda não está claro a força de negociação e convencimento que o Governo Lula tem. O primeiro grande retrocesso ambiental ocorreu na Câmara dos Deputados que aprovou a Medida Provisória (MP) 1.150/2022, a qual altera as regras de proteção da Mata Atlântica em diversos pontos críticos como a flexibilização das regras para desmatamento de vegetação em estágio avançado de regeneração. A se verificar como a pauta segue no Senado Federal e, posteriormente, dentro do próprio Governo Lula.


Poder Executivo e Poder Judiciário

A relação do Executivo com o Poder Judiciário ocorre, até o momento, de forma menos conflituosa do que na gestão anterior. A Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou petições em 10 processos em trâmite no STF relacionados à chamada Pauta Verde. Todas as petições foram instruídas com a Nota Técnica 128/2023-MMA, da Secretaria Executiva do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). O documento busca trazer argumentos que comprovam, na sua visão, a reversão do chamado “Estado de Coisas Inconstitucional”, conceito cunhado pela ministra do STF Cármen Lúcia quando do proferimento de voto no julgamento da ADPF 760 (sobre as políticas para combater o desmatamento na Amazônia, ainda pendente de andamento por pedido de vistas do ministro André Mendonça). Para saber mais sobre o tema, acesse o nosso post.

Em consonância com normas do Executivo que tentam estrangular o mercado de ouro ilegal, o ministro Gilmar Mendes, do STF, suspendeu a eficácia da legislação que presume a legalidade do ouro adquirido e a boa-fé da pessoa jurídica que o adquiriu.

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