O Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) foi reestruturado (finalmente!) após a publicação do Decreto Federal 11.417/2023. O colegiado, que foi um dos remanescentes da “extinção em massa” provocada pelo Governo Bolsonaro via Decreto Federal 9.759/2019, teve uma existência “zumbi” (manteve o nome, mas foram retirados seu conteúdo e espírito). A sua estrutura foi totalmente alterada, tendo sido diminuídos os assentos e a representatividade, destacando-se o alijamento de grupos vulneráveis (como comunidades tradicionais e povos indígenas) e da ciência. A norma recém-publicada busca trazer novamente à ativa, de forma plural, o colegiado. Mas, apesar da intenção positiva, há pontos a serem aperfeiçoados, especialmente na nova conjuntura governamental e pela necessária transversalidade da pauta socioambiental e climática. Nos tópicos abaixo, analisamos o novo CONAMA, comparando-o com composições e regramentos anteriores. Há uma janela de oportunidade para o Governo Federal fazer melhor, apoiado inclusive por entendimentos judiciais.
Modificação na composição a partir de 2019
O CONAMA sofreu diversas alterações na sua composição desde que o Decreto Federal 99.274/1990 o constituiu. Em especial, houve uma grande reformulação após 2019, quando se diminuiu (e muito) a participação social. De 96 assentos, o CONAMA passou a ter 23, via Decreto Federal 9.806/2019. Com isso, ocorreu uma concentração ainda maior das decisões no Executivo Federal com o aumento da discrepância entre membros do Poder Público Federal e outras esferas. Somando-se as representações de entes subnacionais, 17 dos 23 membros do colegiado eram de poderes públicos. Confira o post elaborado pela Política por Inteiro.
Em março de 2022, foi promovida, via Decreto Federal 11.018/2022, a alteração na composição do CONAMA de 2019. Essa nova norma foi publicada após decisão liminar da ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber, no âmbito da Ação Direta de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 623, a qual suspendia os efeitos do Decreto Federal 9.806/2019 até o julgamento do mérito da ação no Plenário da Corte. Confira nosso post.
Nessa alteração, o Governo Bolsonaro ampliou, de forma tímida, a representatividade do colegiado sem, contudo, revogar expressamente o Decreto Federal 9.806/2019, objeto da ADPF 623. Assim, aparentemente, teria sido essa uma tentativa de retomada das atividades do CONAMA, mesmo sob pendência de discussão judicial. O fato é que, mesmo com essa medida, não foram realizadas reuniões do colegiado em 2022.
Os Decretos Federais 9.806/2019 e 11.018/2022 foram revogados expressamente pelo Decreto Federal 11.417/2023.
Pelo novo decreto, podemos apontar como destaques:
- Aumento
- dos representantes dos governos estaduais (antes eram 9 e agora será 1 por estado e Distrito Federal) e dos governos municipais (antes eram 2 e agora serão 8).
- de representantes de entidades ambientalistas (antes eram 8 e agora são 13, além dos representantes de associações legalmente constituídas para a defesa dos recursos naturais e do combate à poluição e de entidades de profissionais com atuação na área ambiental e de saneamento).
- Inserção
- de representante do Serviço Florestal Brasileiro (SFB).
- de órgãos da Presidência da República (Casa Civil; Secretaria-Geral; e Secretaria de Relações Institucionais) e dos Comandos do Ministério da Defesa (Marinha; Exército; e Aeronáutica).
- Reinserção
- de um representante de cada um dos ministérios.
- de representantes de trabalhadores (envolvendo Central Única dos Trabalhadores – CUT, Força Sindical, União Geral dos Trabalhadores – UGT, Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria – CNTI e Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio – CNTC, Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares – CONTAG).
- de representantes de populações tradicionais e da comunidade indígena.
- de representante da comunidade científica, indicado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC.
- Manutenção
- dos assentos do ICMBio e da Agência Nacional de Águas – ANA (que já haviam sido reinseridos pelo Decreto Federal 11.018/2022).
E a paridade?
Mas, afinal, a nova estrutura do CONAMA trouxe a tão desejada paridade? Na ADPF 623, a ministra Rosa Weber ressaltou, em decisão liminar que suspendeu os efeitos do decreto n. 9.806/2019:
- que é “necessária uma organização procedimental que potencialize a participação marcada pela pluralidade e pela igualdade política, bem como a real capacidade de influência dos seus decisores ou votantes”.
- que a “igualdade política agrega o qualificativo paritário à concepção da democracia, em sua faceta cultural e institucional”.
- que a decisão proferida busca “afastar outros perigos e mesmo a completa concentração de poderes governamentais no CONAMA, com a exclusão da participação da sociedade civil, e suas heterogeneidades, bem como da comunidade científica, ao arrepio da normatividade constitucional”.
Assim, é possível entender que a dita “paridade” se conecta diretamente com a organização democrática para a participação efetiva nas decisões e votações do colegiado (chamada de “real capacidade de influência” em trecho do voto).
Importante ressaltar que houve sim um aumento de assentos (13 para entidades ambientalistas, 3 para representantes de associações legalmente constituídas para a defesa dos recursos naturais e do combate à poluição, 1 para entidades de profissionais com atuação na área ambiental e de saneamento, 1 para representante de trabalhadores indicado pelas centrais sindicais e confederações de trabalhadores da área urbana, 1 para representante de trabalhadores da área rural, 1 representante de populações tradicionais, 1 para representante da comunidade indígena, 1 para representante da comunidade científica). Contudo, do total de assentos do novo CONAMA (113) há uma baixa representação da sociedade civil, científica, de grupos vulneráveis e de trabalhadores (22), totalizando menos de 20% de representação desses grupos no colegiado. Dessa forma, não parece haver a dita paridade defendida e perseguida principalmente pelas organizações da sociedade civil e dos grupos vulneráveis.
Tal fragilidade foi apontada no relatório “Reconstrução”, da Política por Inteiro, que recomendou que os colegiados fossem “restabelecidos seguindo diretrizes claras de transparência, representatividade e meios de assegurar a participação plena da sociedade civil, além de uma maior pluralidade e publicidade das discussões e decisões”. O “Reconstrução” foi elaborado pela equipe do Instituto Talanoa e entregue em mãos ao Grupo Técnico de Meio Ambiente do Gabinete de Transição do Governo Lula.
Como será a escolha dos representantes das entidades ambientalistas?
Na nova estrutura, os representantes de entidades ambientalistas devem ser escolhidos por eleição. O sistema de escolha foi modificado (e muito) nos últimos anos. Até 2018, prevalecia a eleição. Trazia o Decreto 99.274/1990 que “serão eleitos pelas entidades inscritas, há pelo menos um ano, no Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas-CNEA, na respectiva região, mediante carta registrada ou protocolizada junto ao CONAMA”.
No Governo Bolsonaro, houve uma mudança radical: seria via sorteio. Consta na antiga redação do dispositivo do Decreto 99.274/1990 que os representantes de entidades ambientalistas “serão escolhidos de forma sequencial conforme lista estabelecida por sorteio”.
Em ambas as sistemáticas, as entidades deveriam estar cadastradas no Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas (CNEA). O CNEA também sofreu profunda modificação, notadamente pela Resolução CONAMA 502/2021, trazendo maior burocracia e dificuldades para o cadastramento de entidades a exigência de que a entidade deveria apresentar: (i) declaração de Corpo Técnico com experiência em pelo menos uma das seguintes áreas: Biodiversidade, Áreas Protegidas, Florestas, Educação Ambiental, Controle e Qualidade Ambiental e Gestão Territorial; e (ii) comprovação por meio de atestados técnicos de experiência em projetos e pesquisas socioambientais em pelo menos um bioma. Confira nosso post exclusivo sobre o tema, elaborado à época da discussão da minuta da resolução pelo Plenário do CONAMA. Por ora, segue vigente a Resolução CONAMA 502/2021.
MMA com mais assentos?
Ponto relevante é a abertura de interpretação que pode dar mais assentos ao MMA. Segundo a nova redação do art. 5º-A do Decreto Federal 99.274/1990, integrará o plenário do CONAMA um representante de cada ministério. Tal disposição já constava na redação original do Decreto Federal 99.274/1990, bem como de alteração posterior realizada em 1995. Contudo, o MMA já possui, dentre cargos do próprio ministério e das entidades/órgãos vinculados, seis assentos (Ministra, Secretário-Executivo, IBAMA, ICMBio, SFB e ANA). Assim, com a redação do art. 5º-A, serão 7 assentos para o MMA, ou seja, maior poder de voto dentro do colegiado.
Não podemos esquecer que nas alterações realizadas à época de Ricardo Salles os assentos ministeriais tinham listagem limitada a sete ministérios (além de somente IBAMA ser autarquia vinculada ao MMA e com assento até a mudança promovida pelo Decreto Federal 11.018/2022).
Autonomia?
Mais um ponto da nova estrutura que chama a atenção é o fato de que, apesar de serem 22 representantes de entidades de trabalhadores e da sociedade civil, os 3 representantes relacionados a associações legalmente constituídas para a defesa dos recursos naturais e do combate à poluição deverão ser de “livre escolha do Presidente do Conama”, ou seja, mais 3 assentos com influência direta do MMA, tendo em vista que a ministra do Meio Ambiente (ou quem a substitua) preside o colegiado. Nesse sentido, a autonomia de escolha dos representantes da sociedade civil se reduz.