A liminar de Nunes Marques liberando pesca de arrasto no RS e as desregulações do governo no setor

Em mais um capítulo da disputa entre a Secretaria de Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e os Estados acerca das regulações sobre a pesca e dispositivos de proteção ambiental, o recém-empossado ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar suspendendo efeitos de lei do Rio Grande do Sul. Com a decisão, proferida na terça-feira (15), fica autorizada a pesca por meio de rede de arrasto nas 12 milhas náuticas (mar territorial) da faixa marítima da zona costeira, que havia sido proibida pela norma estadual.

Na terça-feira (15), o magistrado acatou o pedido feito na Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.218, proposta pelo Partido Liberal (PL). A ADI  tendo como objetivo questionar a legitimidade jurídico-constitucional do parágrafo único do art. 1º e da alínea “e” do inciso VI do art. 30, ambos da Lei estadual nº 15.223/2018, editada pelo Estado do Rio Grande do Sul, que “institui a Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável da Pesca no Estado do Rio Grande do Sul e cria o Fundo Estadual da Pesca”. Tais artigos referem-se a:

  • aplicação da norma a “toda atividade de pesca exercida no Estado do Rio Grande do Sul, incluindo a faixa marítima da zona costeira”;
  • a proibição de pesca mediante utilização de “toda e qualquer rede de arrasto tracionada por embarcações motorizadas, em todo território do Estado do Rio Grande do Sul, incluindo as 12 milhas náuticas da faixa marítima da zona costeira do Estado”.

Pela liminar, o ministro suspendeu “a eficácia dos arts. 1º, parágrafo único; e 30, inciso VI, alínea ‘e’, ambos da Lei n. 15.223, de 5 de setembro de 2018, do Estado do Rio Grande do Sul”. Importante ressaltar que a liminar já havia sido indeferida pelo ministro Celso de Mello em dezembro do ano passado, conforme próprio relatório da decisão monocrática de Nunes Marques.

Celso de Mello, no indeferimento anterior da liminar, havia pontuado importantes aspectos para o entendimento da questão da pesca e mar territorial:

“(…) é vedado ao Estado-membro definir a largura do mar territorial brasileiro, ou estabelecer critérios e métodos a serem utilizados para medir a sua extensão, ou dispor sobre o direito de passagem inocente, no mar territorial brasileiro, em relação a navios e embarcações de qualquer nacionalidade, ou, ainda, explicitar em que consiste, para efeito de travessia marítima, o conteúdo da passagem inocente, pois tais matérias sujeitam-se, quanto à sua regulação normativa, à competência privativa de legislar da União Federal, fundada no poder soberano de que se acha investido o Estado nacional brasileiro.”

(…)

“Vê-se, portanto, que, mesmo que a Constituição Federal venha a atribuir a titularidade sobre determinados bens à União Federal (tal como efetivamente o fez em relação àqueles constantes do rol inscrito art. 20 do texto constitucional, como o mar territorial), isso não significa que o regime de dominialidade pública existente afaste a possibilidade de os Estados-membros exercerem, amplamente, no âmbito do seu próprio espaço territorial (vale dizer, no espaço de validade e de eficácia de sua própria ordem normativa), todas as competências materiais e as atribuições legislativas que lhes foram outorgadas pelo texto constitucional, especialmente em matéria de proteção ao meio ambiente (CF, art. 23, VI, e art. 24, VI), mesmo que tais atividades estaduais possam recair sobre bens do domínio da União Federal situados em território estadual.”

(…)

“Observa-se, desse modo, que o Estado do Rio Grande do Sul, ao estabelecer a “Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável da Pesca” (Lei gaúcha nº 15.223/2018), instituindo a proibição da utilização de rede de arrasto tracionada por embarcações motorizadas, parece ter agido em conformidade com a legislação nacional editada pela União Federal (Lei nº 11.959/2009), que, em relação à atividade pesqueira no Brasil, também prevê a vedação absoluta ao emprego de quaisquer instrumentos ou métodos de pesca de caráter predatório (art. 6º, VII, “d”), tal como a pesca de arrasto por tração motorizada, sendo de referir, ainda, que, em observância ao que estabelece o diploma legislativo que fixa as normas de cooperação entre a União Federal e os demais entes da Federação no tema (LC nº 140/2011), compete aos Estados-membros o exercício do controle ambiental da pesca em âmbito estadual (art. 8º, XX).”

O presidente da República, Jair Bolsonaro, comemorou no Twitter a decisão de Kassio Nunes Marques, expressando que “a pesca do camarão na costa do Rio Grande do Sul foi restabelecida”.

Nesta semana, o governo também celebrou o decreto nº 10.576, que trouxe desregulações para cessão de reservatórios da União para aquicultura. Fica evidente que o Governo Federal vem adotando discurso de maior liberalização da pesca de forma predatória e contrário aos ecossistemas locais, como se verifica no planejamento de criar peixes em 73 hidrelétricas do país, dentre elas Itaipu, que receberia tilápias. Para essa liberação em Itaipu, entretanto, é necessário aval do parlamento paraguaio, uma vez que a usina é gerida de forma binacional.


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