O que significa o despacho presidencial sobre um mapa do caminho para o abandono gradual dos combustíveis fósseis

Foto: Roberto Rosa / Agência Petrobras.

O governo federal deu um passo crítico para estruturar institucionalmente a transição energética brasileira. Em Despacho Presidencial, publicado em 8 de dezembro de 2025, determinou-se que os ministérios de Minas e Energia, da Fazenda, do Meio Ambiente e Mudança do Clima, além da Casa Civil,  elaborem, em até 60 dias, uma proposta de resolução a ser encaminhada ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). A medida estabelece as bases para a criação de diretrizes formais destinadas à elaboração de um mapa do caminho para uma transição energética justa, planejada e financeiramente viável.

Chama-se à luz o fato de que não será, ainda, um Mapa do Caminho literal. Mas o começo da sua construção: após os 60 dias, em 5 de fevereiro de 2026, o Brasil terá um rol de diretrizes sobre como será a superação da dependência dos combustíveis fósseis. Ainda assim, independentemente dos resultados futuros, a determinação marca um processo central para o futuro do setor energético nacional. Isto é, o Brasil, o oitavo maior produtor de petróleo do mundo, elaborará uma estratégia estruturada para a redução gradual da dependência de combustíveis fósseis, alinhada tanto às metas climáticas de médio e longo prazo quanto às transformações que estão redefinindo a economia global. É essencial compreender quando começa a transição, considerando-se a estimativa no Plano Decenal de Expansão de Energia 2035 de se chegar a um pico de produção de 5,1 milhões de barris por dia em 2032 – o que tornaria o Brasil quarto maior produtor mundial.

A convocação simultânea de quatro pastas para a tarefa de desenhar o mapa do caminho indica que a transição deixa de ser tratada como agenda setorial e passa a ocupar posição transversal, quiçá até eleitoral, exigindo coordenação entre política industrial, política fiscal, regulação energética e política ambiental.

Uma das premissas mais relevantes do documento é a orientação para que o governo proponha mecanismos de financiamento adequados à implementação da política de transição energética, com destaque para a criação do Fundo para a Transição Energética. O desenho do fundo, segundo o texto, deverá utilizar parte das receitas governamentais provenientes da exploração de petróleo e gás natural. Essa alternativa, no entanto, carrega grau elevado de risco institucional e político. A criação de um fundo depende de lei específica, e, no ambiente atual do Congresso, isso tende a transformar as receitas do petróleo, que hoje somam R$ 31 bilhões no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2026 e hoje cumprem papel relevante no financiamento da transição energética no Fundo Clima, em moeda de troca para agendas de curto prazo, como ocorreu com outros fundos ligados ao pré-sal, posteriormente esvaziados por disputas políticas. Diante desse histórico, apostar num novo fundo lastreado em receitas fósseis é altamente incerto e pode comprometer a estabilidade financeira necessária à transição energética de longo prazo.

Some-se que ao direcionar recursos gerados pelos combustíveis fósseis, cuja participação tende a cair no longo prazo, para financiar a construção do novo sistema energético, surge o desafio de garantir previsibilidade sem expandir a produção de petróleo. Nesse ponto, é indispensável reconhecer que a revisão do uso das rendas petrolíferas não pode se restringir à redução da demanda. É preciso também planejar a redução progressiva da oferta e antecipar tanto os impactos orçamentários de primeiro momento, quanto das oportunidades fiscais associadas à não abertura de novos poços, como a redução de subsídios, de passivos ambientais futuros e de riscos fiscais vinculados à volatilidade do mercado global de óleo. Ao passo em que a lógica acompanha modelos adotados em países que utilizaram a renda fóssil para impulsionar transformações estruturais, como a Noruega, a crítica é que esse paralelo só se sustenta se o país evitar a armadilha de prolongar a exploração de um combustível declinante.

Modelos bem-sucedidos funcionaram porque a captura de renda fóssil ocorreu em janelas específicas, com horizonte claramente finito, e sempre subordinada à estratégia de transição, não o contrário.

A estabilidade de longo prazo, portanto, não depende da persistência da exploração petrolífera, mas da capacidade de desvincular o planejamento fiscal e industrial do ciclo volátil do barril. Esse reposicionamento exige reconhecer que o petróleo se tornou um passivo para a segurança energética e fiscal do país, tanto pela expectativa de declínio estrutural da demanda futura quanto pelas pressões climáticas, regulatórias e reputacionais que já reprecificam ativos e restringem fluxos de capital. Adiar decisões estratégicas sob o argumento de “aproveitar a renda fóssil por mais tempo” tende, na prática, a ampliar a vulnerabilidade da transição energética. Tensiona ainda mais esse quadro o fato de inúmeros municípios e estados dependerem de royalties e participações governamentais para equilibrar seus orçamentos. Essa dependência fiscal cria incentivos políticos para prolongar a exploração de combustíveis fósseis, mesmo quando isso contraria sinais econômicos e climáticos globais. 

O desafio estratégico é garantir estabilidade justamente ao se preparar para um cenário de declínio. Isso implica usar a renda que ainda existe como instrumento transitório e regressivo, em sentido econômico heterodoxo, canalizando-a para criação de capacidade fiscal e produtiva independente do petróleo. Políticas de diversificação acelerada, fundos de estabilização anticíclicos, novas bases tributárias alinhadas à economia de baixo carbono e uma agenda industrial voltada para eletrificação, minerais estratégicos e inovação energética são mecanismos de estabilidade que dispensam a ilusão de longevidade do petróleo.

Desta forma, o Instituto Talanoa recomenda quatro pontos críticos para a elaboração de diretrizes pelo CNPE: 

1) estabelecer critérios técnicos para a redução da demanda interna;

2) definir prazos alinhados com a obrigação legal da neutralidade climática em 2050;

3) calibrar incentivos e desincentivos econômicos, bem como o fim dos subsídios aos combustíveis fósseis, pela modernização dos marcos regulatórios; e 

4) orientar políticas industriais para novos vetores energéticos, como hidrogênio de baixo carbono, biocombustíveis avançados e redes inteligentes.

O despacho menciona explicitamente a transição justa, componente indispensável para um país cuja matriz produtiva e estrutura fiscal ainda dependem significativamente de processos extrativistas autodestrutivos. Isso significa que a política energética deverá incorporar medidas voltadas à proteção de trabalhadores e regiões afetadas, bem como ao aproveitamento de oportunidades econômicas verdes e de baixo carbono, tudo isso com a devida atenção a raça, cor, gênero, orientação sexual e outras vulnerabilidades. Ressalta-se, a título de didática, que apenas a Petrobras é responsável por 400 mil empregos diretos.

Ao estabelecer um prazo curto de 60 dias, o governo cria uma janela de oportunidade para que o Brasil avance rapidamente na construção de um roteiro formal capaz de orientar investimentos. Porém, não reduz incertezas regulatórias ao escantear o Fórum Nacional de Transição Energética (Fonte) e a própria Política Nacional de Transição Energética do processo formal. O Instituto Talanoa defende que o envolvimento de ambas, para tornar o Mapa do Caminho um instrumento crível, justo e participativo. A princípio, a etapa seguinte depende somente do CNPE, cuja atuação será decisiva para transformar a determinação presidencial em política pública com força normativa.

Se bem conduzido, esse processo pode marcar o início de uma nova fase da política energética e inaugurar um projeto nacional de desenvolvimento alinhado à estabilidade climática, mais justo, orientado por evidências científicas e finalmente estruturado para enfrentar o declínio inevitável do extrativismo pelo esgarçamento da capacidade planetária.

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BarragemJunhoNovembroVariação
1. Taleqan9,636,96-27,7%
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2. Amir kabir1,931,54-20,2%
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3. Latyan2,290,63-72,5%
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4. Lar4,341,15-73,5%
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5. Mamloo1,881,72-8,5%

Equipe Editorial (Liuca Yonaha, Marta Salomon, Melissa Aragão, Ester Athanásio, Marco Vergotti, Renato Tanigawa, Taciana Stec, Wendell Andrade, Daniel Porcel, Caio Victor Vieira, Beatriz Calmon, Rayandra Araújo e Daniela Swiatek).

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