De Teerã a São Paulo: o risco de escassez hídrica e a urgência da adaptação

Sistema Cantareira está com 21% do volume de água disponível. Foto: Reprodução/TV Globo.

Teerã vive em 2025 a sua pior crise de água em quatro décadas e, nos últimos dias, autoridades elevaram o alerta ao máximo. A capital iraniana, com uma população de aproximadamente 10 milhões de pessoas, corre o risco real de se tornar inabitável nas próximas semanas se as chuvas não retornarem. A escassez hídrica afeta toda a região metropolitana, que engloba uma área com cerca de 18 milhões de moradores.

O presidente Masoud Pezeshkian declarou que, se não chover até o fim do ano, o governo começará o racionamento de água e, se o abastecimento não se recuperar, “não sobrará água” e a evacuação de Teerã poderá ser necessária. Ainda que os moradores da capital e também especialistas achem improvável uma evacuação, o alerta do presidente mostra a gravidade da situação. 

As principais barragens que abastecem a cidade estão com níveis críticos. O reservatório Amir Kabir, por exemplo, caiu de cerca de 86 milhões de metros cúbicos para apenas 8% a 10% de sua capacidade. Especialistas dizem que a crise vai além da seca: trata-se de uma “falência hídrica” estrutural. Décadas de má gestão, explorações excessivas de aquíferos, barragens em excesso, uso intensivo da água na agricultura e falta de planejamento deixaram o sistema frágil e vulnerável a variações climáticas. Muito do uso descontrolado da água para tornar as áridas terras do país produtivas é decorrente dos incentivos governamentais para buscar a autossuficiência alimentar, devido às sanções comerciais impostas pelo Ocidente. Boa parte da água do país destina-se à agricultura, setor que consome mais de 90% da água nacional, embora represente uma fração pequena do PIB e do emprego. 

A rápida urbanização, o crescimento populacional e o consumo crescente intensificaram a pressão sobre os recursos hídricos. Mesmo com chuvas regulares, a recarga dos reservatórios seria insuficiente sem mudanças profundas no modelo de uso e gestão da água.

A crise de Teerã não é um caso isolado. Ela ilustra um padrão global: megacidades construídas em regiões áridas, com desafios de abastecimento de água, expostas à mudança climática, à má gestão e ao uso insustentável de recursos naturais. A combinação desses fatores transforma crises pontuais em ameaças sistêmicas.

No Brasil, há governança mais consistente para a gestão dos recursos hídricos e um acúmulo de experiência e políticas públicas. O que não quer dizer que estejamos livres do risco de faltar água – ainda mais quando vemos triunfar os desmontes dos sistemas de proteção ambiental, como o caso do licenciamento ambiental. 

As projeções para 2030 apontam que 71% dos 5.570 municípios brasileiros enfrentarão risco alto ou muito alto de falta de água. A possibilidade de escassez hídrica é um dos aspectos que devem direcionar as políticas de adaptação. O Plano Nacional de Adaptação, que está à espera da aprovação do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM) para ser apresentado pelo Brasil à Convenção do Clima (UNFCCC), prevê reduzir para 7,5% o total dos municípios com insegurança hídrica até 2035. 

A concretização do risco pode ser observada no presente. Em comunicado na semana passada, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e a Agência de Águas do Estado de São Paulo (SP Águas) anunciaram que o Sistema Cantareira, principal manancial de abastecimento da maior Região Metropolitana mais populosa do país – São Paulo –, operará em dezembro na Faixa 4, chamada de Restrição. Essa classificação é dada quando o sistema registra de 20% a 30% de seu volume útil acumulado. Em 28 de novembro, o índice era de 21,27%. Devido à restrição, o limite de retirada de água pela Sabesp para a Região Metropolitana é de 23m³/s. Quando o volume útil está em uma faixa de operação considerada normal, essa vazão permitida é de 33m³/s. 

O último boletim mensal sobre a situação hidrológica do Cantareira, publicado pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), informa que o volume do sistema fechou novembro 2% abaixo do registrado no final de outubro e está no menor patamar desde a crise hídrica de 2014/2015.

1
BarragemJunhoNovembroVariação
1. Taleqan9,636,96-27,7%
2
BarragemJunhoNovembroVariação
2. Amir kabir1,931,54-20,2%
3
BarragemJunhoNovembroVariação
3. Latyan2,290,63-72,5%
4
BarragemJunhoNovembroVariação
4. Lar4,341,15-73,5%
5
BarragemJunhoNovembroVariação
5. Mamloo1,881,72-8,5%

Equipe Editorial (Liuca Yonaha, Marta Salomon, Melissa Aragão, Ester Athanásio, Marco Vergotti, Renato Tanigawa, Taciana Stec, Wendell Andrade, Daniel Porcel, Caio Victor Vieira, Beatriz Calmon, Rayandra Araújo e Daniela Swiatek).

Assine nossa newsletter

Compartilhe esse conteúdo

Apoio

Realização

Apoio