(O conteúdo que você vai ler a seguir é feito totalmente por humanos, e para humanos)
A compreensão sobre o que é Adaptação Climática ainda carrega muitos estigmas. Da invisibilidade pública a visões catastróficas, a agenda que deve ser prioridade na COP30 ainda é vista como antagonista da mitigação – quando, na verdade, é sua aliada; além de ser lida como sinal de derrota – quando, na prática, revela maturidade e resiliência de quem admite que o mundo já mudou.
No Adaptação Climática – Guia para Cobertura jornalística reunimos e desconstruimos os 10 mitos sobre adaptação. O conteúdo fundamentado em dados e exemplos é precioso para reorientar o trabalho de reportagem, além de um importante instrumento para todas as pessoas que querem somar forças nos fluxos de informação sobre clima – nas redes sociais digitais, na produção de conhecimento, nos diálogos formais e nas conversas informais.
Confira o conteúdo completo e, para espalhar as mensagens, fique à vontade para acessar o template de carrossel com slides prontos, com os 10 mitos sobre adaptação. Basta dar os devidos créditos à Talanoa (@institutotalanoa).
1. “Adaptação é para quem desistiu de Mitigação”
Adaptação não é substituto da Mitigação. Cortar emissões continua sendo indispensável para evitar os piores cenários da mudança do clima. E mesmo que consigamos limitar o aquecimento a 1,5°C, ainda teremos mais inundações, ondas de calor e perdas de ecossistemas. Por isso, precisamos das duas estratégias ao mesmo tempo: Mitigação para frear o problema, Adaptação para lidar com os impactos inevitáveis.
Além disso, a própria Mitigação depende de Adaptação. Em 2024, ondas de calor elevaram tanto a demanda por refrigeração que responderam por 50% do crescimento das emissões do setor elétrico mundial (IEA). Sem redes elétricas preparadas para o calor extremo e sem eficiência em refrigeração, os ganhos de Mitigação se perdem. O mesmo vale para estradas, portos e habitação: se não forem resilientes, a transição energética fica vulnerável a desastres e não se sustenta.
Em um mundo que já aqueceu, Adaptação não é desistência, entreguismo ou derrotismo. Ela é a condição para que a Mitigação funcione.
2. “Conseguiremos nos adaptar a 4ºC de aquecimento global”
A Adaptação tem limites. Já hoje, com cerca de 1,3°C de aquecimento, os limites de Adaptação estão sendo ultrapassados em diferentes lugares, como recifes de coral que não resistem a ondas de calor marinhas sucessivas, cultivos que não suportam secas prolongadas, comunidades costeiras que perdem território para o avanço do mar.
Segundo o IPCC, a cada fração de grau adicional, a eficácia das medidas de Adaptação diminui. Há cenários em que a Adaptação é possível: em torno de 1,5°C, podemos reduzir riscos significativos se agirmos com rapidez e escala. Em 2°C, os custos aumentam muito e alguns limites se tornam intransponíveis. A partir daí, o espaço de Adaptação se reduz significativamente: não há infraestrutura, tecnologia ou recurso financeiro capaz de evitar crises humanitárias massivas e danos irreversíveis em um mundo com 4°C de aquecimento.
A Adaptação não é ilimitada. Podemos nos adaptar a parte dos impactos em cenários de 1,5°C e, com muita dificuldade, em 2°C. Mas acima disso, apenas perdas cada vez maiores.
3. “Adaptação é licença para manter os fósseis e atrasar a transição”
A Adaptação tem limites claros e não pode ser sequestrada como justificativa para prolongar a dependência de petróleo, gás e carvão. O IPCC mostra que simplesmente não existe Adaptação suficiente a um mundo 3°C ou 4 °C mais quente. Transformar Adaptação em “licença para fósseis” é distorcer a realidade: quanto mais demorarmos para cortar emissões, mais cara, difícil e até impossível ela se torna. A própria ciência é clara: só a Mitigação rápida e profunda mantém a Adaptação viável.
Além disso, a transição energética só será bem-sucedida se também for resiliente. Sem Adaptação, o próprio processo de descarbonização fica mais frágil. No Brasil, por exemplo, a redução do volume de chuvas tem pressionado a produção de energia hidrelétricas. Em tempos de seca, o fornecimento de energia é complementado pelo acionamento das termelétricas, que emitem e caminham na direção oposta da transição. Se não adaptarmos o setor de energia ao calor extremo, com eficiência em refrigeração e redes mais robustas, os ganhos de Mitigação se perdem.
O mesmo vale para a infraestrutura. O Brasil investiu US$ 2 bilhões em rodovias resilientes, evitando cerca de US$ 47 bilhões em perdas futuras (Banco Mundial). Sem esse tipo de Adaptação, até investimentos em energia limpa ficam comprometidos, já que não chegam aos mercados diante do colapso causado por desastres.
A Adaptação também fortalece os sistemas financeiros. Nos Estados Unidos, casas construídas com códigos de resiliência apresentaram 50% menos inadimplência hipotecária após furacões (CoreLogic). Isso garante estabilidade para bancos e investidores, um requisito essencial para sustentar a transição energética no longo prazo.
Longe de atrasar a transição, a Adaptação é o que a viabiliza: reduz riscos sistêmicos, protege ativos e dá solidez ao caminho rumo a um futuro livre de fósseis.
4. “Não precisamos nos adaptar hoje. Adaptação é só para o futuro”
Um em cada cinco habitantes do planeta já sente os efeitos fortes das mudanças climáticas todos os dias (Climate Central). Entre 2000 e 2019, desastres relacionados ao clima afetaram em média 3 bilhões de pessoas e causaram perdas econômicas de cerca de US$ 2,97 trilhões (UNDRR). Em 2024, os desastres custaram mais de US$ 320 bilhões, quase 40% acima do que antes era considerado “normal”. E no primeiro trimestre de 2025, já foram contabilizados US$ 162 bilhões em perdas, sendo US$ 40 bilhões apenas nos incêndios de Los Angeles Palisades, o evento de fogo florestal mais caro da história.
Os números deixam claro: Adaptação não é algo para depois. Para quem enfrenta secas, enchentes e deslizamentos hoje, a falta de Adaptação já afeta o bem viver.
5. “Adaptação não tem materialidade”
Desastres climáticos são visíveis porque destroem casas e infraestruturas de uma só vez, mas as medidas de Adaptação muitas vezes passam despercebidas justamente porque funcionam. Sistemas de alerta precoce salvam milhares de vidas silenciosamente. Manguezais restaurados evitam que tempestades causem danos catastróficos. Códigos de construção reduzem colapsos em furacões. A ausência de manchetes não significa ausência de impacto. O desafio é que Adaptação é menos “espetacular” que um desastre, mas seus efeitos são concretos e mensuráveis. Jornalistas podem ajudar a dar visibilidade a essa materialidade invisível, mostrando que a Adaptação salva vidas e reduz perdas todos os dias.
6. “Apenas os mais vulneráveis precisam se adaptar”
É verdade que comunidades pobres, povos indígenas, moradores de áreas costeiras e agricultores familiares estão entre os mais expostos — mas pensar que só eles precisam se adaptar é enganoso e até perigoso.
Primeiro, porque o clima já afeta infraestruturas críticas e economias inteiras. Se não adaptarmos nossas cidades e sistemas de energia, a transição energética de todos nós fica mais vulnerável.
Segundo, porque países e grupos considerados “menos vulneráveis” também estão pagando a conta. Isso mostra que mesmo em países ricos, quem não se adapta sofre perdas econômicas graves.
Terceiro, porque as cadeias globais de valor nos conectam. Uma seca na Índia ou uma enchente no Brasil podem interromper fluxos de alimentos, insumos e energia que afetam consumidores e empresas no mundo todo. Em outras palavras, a vulnerabilidade é desigual, mas o impacto é compartilhado.
Colocar a Adaptação como problema “apenas dos vulneráveis” é um mito que invisibiliza riscos sistêmicos. A diferença é que alguns têm mais recursos para se proteger, enquanto outros enfrentam riscos imediatos sem rede de segurança. Negligenciar isso é perpetuar desigualdades e ignorar que os impactos climáticos são, em última instância, sistêmicos.
7. “Adaptação é muito cara”
O IPCC mostra que muitas medidas de Adaptação são do tipo “sem arrependimento” porque trazem retornos imediatos, como menos perdas econômicas, mais resiliência e co-benefícios ambientais e sociais, mesmo que os impactos climáticos se revelem menos severos do que o previsto.
Melhorar códigos de construção, expandir sistemas de alerta precoce, restaurar ecossistemas costeiros, diversificar fontes de água ou ajustar infraestrutura agrícola são exemplos clássicos: mesmo que os impactos climáticos fossem menores do que o esperado, essas medidas já valeriam a pena pelo aumento de segurança, pela redução de perdas e pela geração de co-benefícios sociais e econômicos.
Na prática, isso significa que Adaptação não é um gasto perdido — é investimento que sempre compensa. Um exemplo é o Vietnã: comunidades que restauraram manguezais reduziram em US$ 7,3 milhões por ano os custos de manutenção de diques, ao mesmo tempo em que protegeram comunidades contra tempestades e geraram novos meios de vida.
Além disso, a Global Commission on Adaptation calculou que investir em resiliência pode ter taxas de retorno de 2:1 a 10:1. Ou seja: cada dólar investido gera múltiplos de retorno em benefícios econômicos e sociais.
É verdade que os custos da Adaptação aumentam conforme o aquecimento global avança. Aqui está o ponto central: os maiores custos não estão em adaptar, mas em atrasar a Mitigação. Se ultrapassarmos 2°C, muitos limites de Adaptação serão rompidos e as soluções se tornarão mais caras, menos eficazes ou até inviáveis. O IPCC é claro: só com Mitigação rápida e profunda conseguimos manter a Adaptação dentro do possível e financeiramente viável.
Portanto, longe de ser “cara demais”, a Adaptação é um investimento inteligente e urgente. O verdadeiro risco está em atrasar a Mitigação porque quanto mais demorarmos para cortar emissões, mais cara e mais difícil se torna a Adaptação.
8. “Adaptação é local”
É verdade que os impactos climáticos se manifestam em lugares específicos, como uma enchente em uma cidade, uma seca numa região agrícola, a erosão de uma costa. Mas dizer que Adaptação é “só local” é reducionista e enganoso:
- Impactos locais têm efeitos globais. Uma seca na Índia pode interromper exportações de arroz, afetando preços de alimentos em diversos continentes. Enchentes no Brasil podem paralisar cadeias globais de soja, minério e energia. Ou seja: a falta de Adaptação em um lugar repercute no mundo inteiro.
- A interdependência exige coordenação. Sistemas de energia, transporte, comércio e saúde são globais. Adaptar uma usina ou um porto é um ato local, mas sem redes internacionais de financiamento, seguros, comércio e cooperação, a resiliência não se sustenta.
- A diplomacia do clima reflete isso. O próprio IPCC destaca que a Adaptação tem dimensões locais, nacionais e globais. Não é à toa que países disputam acesso a financiamento internacional para Adaptação: as falhas locais acabam por gerar custos transnacionais.
A Adaptação começa no território, mas não termina ali. Ela é local na ação e global nas consequências. Tratar Adaptação apenas como “problema local” é outro mito que esconde a interdependência da economia mundial e a necessidade de solidariedade internacional.
9. “A queda nas mortes por eventos climáticos extremos prova que a humanidade está se adaptando com sucesso”
A vulnerabilidade está crescendo até em países ricos — onde se presume que infraestrutura, saúde e redes de proteção sejam suficientes para proteger a população.
Um estudo do NBER analisou 50 anos de dados em 21 tipos de impactos climáticos e mostrou que, em três quartos dos casos, não houve Adaptação real: um furacão ou uma onda de calor hoje causam praticamente os mesmos danos que há décadas, mesmo com mais tecnologia, mais riqueza e supostas proteções.
Existem exceções, mas são poucas: ganhos em milho nos EUA, trigo na Europa e reduções de mortalidade por calor em alguns países europeus; nos EUA, também houve menor relação entre renda e calor, e menos mortes ou crimes violentos associados a ondas de calor. Mas isso representa só 6 dos 21 casos estudados — pequenas vitórias diante de um quadro geral de estagnação.
A implicação é clara: se já estamos enfrentando dificuldades com 1,3°C de aquecimento, os cenários de 2,5 a 3°C até o fim do século podem trazer impactos devastadores, muito além da capacidade de Adaptação atual.
10. “O setor privado não tem interesse em Adaptação”
A ideia de que o setor privado não tem interesse em Adaptação não se sustenta quando olhamos para os incentivos reais. Empresas, bancos e seguradoras já perceberam que investir em resiliência protege seus ativos, reduz riscos e pode gerar retornos concretos. A motivação principal está na proteção de ativos físicos: fábricas, armazéns, estradas, redes de energia. Sem Adaptação, eventos climáticos extremos podem paralisar operações inteiras. O Banco Mundial mostra isso com clareza: o investimento de US$ 2 bilhões em rodovias resilientes no Brasil evitará cerca de US$ 47 bilhões em perdas futuras.
Outro motor de interesse é a continuidade das operações. Cidades inundadas, portos bloqueados ou redes elétricas instáveis interrompem cadeias de suprimento globais. É por isso que o Porto de Roterdã, um dos maiores do mundo, já destinou bilhões para defesas contra a elevação do mar, garantindo que mercadorias sigam circulando mesmo diante de tempestades mais intensas.
Há também um forte componente de gestão de risco financeiro. Isso significa menos risco para bancos e investidores, menores prêmios de seguro e maior estabilidade nos mercados financeiros.
O setor privado se move ainda por competitividade e oportunidades de mercado. Multinacionais como Nestlé e Olam investem em variedades de cacau e café resistentes à seca para garantir a oferta estável de insumos estratégicos. Da mesma forma, empresas de tecnologia e startups já oferecem soluções inovadoras, como o uso de drones para reduzir riscos de enchentes em Camarões, atraindo capital de impacto.
Por fim, há a pressão regulatória e reputacional. Empresas que não incorporam Adaptação ficam expostas a perdas de valor de mercado à medida que investidores e governos exigem planos claros de gestão de riscos climáticos. Já aquelas que se antecipam são vistas como mais seguras, capazes de atrair capital mais barato e de longo prazo.
O retorno sobre investimento na Adaptação é, portanto, evidente. A Global Commission on Adaptation calcula que investir US$ 1,8 trilhão em cinco áreas-chave até 2030 pode gerar US$ 7,1 trilhões em benefícios líquidos, considerando desde maior produtividade agrícola até menos mortes e doenças. Em resumo: o setor privado investe em Adaptação porque é boa gestão de risco e bom negócio.