O Secretariado da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) divulgou nesta terça-feira (28) o Relatório de Síntese das Contribuições Nacionalmente Determinadas de 2025 (NDC Synthesis Report 2025), consolidando informações de 64 novas NDCs submetidas entre janeiro de 2024 e setembro de 2025.
O documento cobre cerca de 30% das emissões globais de 2019 e apresenta um quadro misto: o conjunto de países representados está comprometido com “achatar a curva” das emissões, mas ainda muito distante da trajetória necessária para manter o aquecimento em 1,5°C.
Segundo o relatório, as novas NDCs representam um progresso em qualidade e abrangência, já que 89% agora têm escopo de economia inteira, e 88% foram elaboradas levando em conta os resultados do Balanço Global (Global Stocktake – GST).
Coletivamente, esses compromissos projetam uma redução de 17% (intervalo de 11% a 24%) das emissões até 2035, em comparação a 2019. Isso significaria um pico global antes de 2030 e declínio posterior. Ainda assim, o relatório é claro: para manter a meta de 1,5°C, seria necessária uma redução global de cerca de 60% até 2035. Mesmo o cenário de 2°C, considerado o limite máximo de segurança pelo Acordo de Paris, exigiria reduções de pelo menos 27% no mesmo período, segundo o IPCC. A trajetória potencial caso estas NDCs sejam implementadas situa-se entre 2,4°C e 2,6°C até 2100, considerando os intervalos de emissões do Painel Intergovernamental, ou seja, fora da zona de segurança climática.
“As metas ficaram mais sofisticadas, mas o problema é o mesmo: estamos gerindo uma crise sem a urgência de uma crise. Há algo de profundamente equivocado em celebrar uma queda de 17% nas emissões quando a ciência diz que precisamos de 60%. É a ilusão do progresso incremental. Belém precisa ser o momento em que o constrangimento gera uma resposta coletiva dos países à crise das NDCs”, diz Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa.
DESTAQUES DO RELATÓRIO
1. Ambição
- As 64 NDCs novas levam a uma redução agregada de 17% (11% a 24%) nas emissões até 2035 em relação a 2019, podendo chegar a 24% com a implementação integral das metas condicionais. Mesmo que todas essas NDCs sejam totalmente implementadas, o mundo ainda estaria bem abaixo da trajetória de 1,5° e 2°C, que exigiria reduções de 60% e 27% até 2035, respectivamente.
- O grupo de países avaliados representa apenas um terço das emissões globais, o que torna as projeções ainda parciais: dos 64 países que tiveram suas NDCs consideradas, apenas 7 são membros do G20. Ou seja: apenas um terço dos grandes emissores globais enviou NDCs novas até setembro de 2025. Isso não inclui a China nem a União Europeia (apenas parcialmente). Por outro lado, considera os Estados Unidos (por conta da NDC submetida pela administração Biden em 2024).
- A China é o maior emissor do mundo, com cerca de 31% das emissões globais (cerca de 12 Gt CO₂e em 2023). Sua meta para 2035, anunciada durante a Assembleia Geral da ONU em Nova York, em setembro de 2025, prevê queda de 7% em relação ao pico e poderia equivaler a uma redução de cerca de 0,8 Gt CO₂e. Em escala global, isso teria efeitos moderados: deixaria o corte total em torno de 20% a 22% até 2035, ainda muito distante da faixa de 60% necessária para limitar o aquecimento a 1,5°C.
COMPARATIVO COM RELATÓRIOS-SÍNTESE DE ANOS ANTERIORES
- Em comparação com relatórios-síntese de anos anteriores, a edição de 2025 mostra um retrocesso em termos de cobertura de países. Em 2024, a abrangência foi de 95% das emissões globais em 2019, considerando metas para o ano de 2030.
- Com relação ao número de países, no ciclo anterior de apresentação de NDCs, os relatórios-síntese registraram submissões de 165 NDCs em 2021, 166 em 2022, 128 em 2023 e 168 em 2024. Portanto, números significamente maiores que em 2025.
- No agregado, o relatório de 2024 apresentou uma estimativa de redução global de 2,6% até 2030 em relação às emissões de 2019. Como o IPCC estimou ser necessária uma queda de 43% em 2030 para se manter vivo o cenário de 1,5°C, faltariam 40 pontos percentuais.
- No relatório-síntese de 2025, não houve alteração significativa das metas para 2030. Isso significa que, politicamente, os compromissos seguem inalterados e num ritmo extremamente abaixo do necessário para descarbonização das economias nesta década.
- Para 2035, como dito acima, o progresso das NDCs representa apenas um terço do progresso necessário para se garantir o cenário de 1,5 °C e cerca de metade do necessário para 2 °C.
2. Financiamento
- 75% dos países que entregaram NDCs (64) incluíram informações sobre necessidades financeiras, que somam US$ 1,97 trilhão: US$ 1,34 trilhão para mitigação e US$ 560 bilhões para adaptação.
- O valor acima não se refere ao US$ 1,3 trilhão do Objetivo Global Coletivo Quantificado (NCQG), negociado na COP 29, em Baku, já que esse último é exclusivamente dedicado a países em desenvolvimento. Tampouco trata das necessidades de financiamentos dos países mais vulneráveis. Os dados acima se referem a todos os países, desenvolvidos e em desenvolvimento, incluídos no relatório-síntese de 2025.
3. Adaptação
- O relatório destaca que 73% das Partes incluíram um componente específico de adaptação em suas NDCs e que há uso crescente de metas quantificadas e indicadores para monitorar progresso (aumentou 21 pontos percentuais em relação às NDCs anteriores).
- Também é positivo que a identificação de sinergias entre adaptação e mitigação tenha crescido de 53% para 81% dos países, com destaque para ações baseadas na natureza (como manguezais, reflorestamento e agricultura climática inteligente).
94% das Partes com seção de adaptação mencionam perdas e danos, o dobro em relação ao ciclo anterior. Esse aumento indica uma maior atenção aos limites da adaptação e o reconhecimento crescente de que alguns impactos já ultrapassam a capacidade de resposta dos países.
CONCLUSÃO
O Relatório de Síntese das NDCs 2025 confirma que há uma desconexão perigosa entre os compromissos nacionais e a trajetória necessária segundo a melhor ciência disponível.
O mundo está se movendo devagar demais. As novas NDCs revelam um esforço crescente para integrar mitigação, adaptação e justiça social, mas dependem criticamente de financiamento previsível, tecnologia e capacitação.
“Dez anos depois do Acordo de Paris, os compromissos apresentados até aqui seguem aquém dos objetivos de conter o aquecimento global. É uma distância que se mede em gigatoneladas de carbono, mas também em vontade política”, afirma Marta Salomon, especialista em política climática do Instituto Talanoa.
Mesmo assim, o relatório é uma ferramenta poderosa para medir o pulso da ação climática global. Ele traduz em números o que muitas vezes fica diluído nos discursos: quem está fazendo, quanto e com que impacto coletivo. Por isso mesmo, a ausência de novas NDCs de dois terços do G20 e de mais de dois terços das emissões globais é um sintoma preocupante de paralisia política em meio à emergência climática. Ainda assim, essa lacuna não deve abalar a confiança no valor desse tipo de análise. Pelo contrário: reforça a necessidade de usá-la para cobrar transparência, consistência e ambição dos países que ainda não vieram à mesa.
“Às vésperas da COP 30 em Belém, o relatório funciona como um chamado para cobrar os países que estão descumprindo o Acordo de Paris por não terem ainda apresentado suas NDCs. Além disso, é preciso reconhecer que estamos diante de uma crise real, que exige uma resposta conjunta, coordenada e à altura da emergência climática na COP 30”, diz Salomon.
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