O que falta para adaptação receber a merecida atenção?

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Enchente no Rio Grande do Sul. Foto: Mauricio Tonetto/SECOM

Em política climática, nem todos os temas têm o mesmo peso. Adaptação é sempre vista como uma preocupação secundária – ou pior, um sinal de derrota. Porém, preparar-se para os impactos da mudança do clima não é o mesmo que preveni-los, e essa forma de pensar desatualizada é perigosa. 

Adaptação e mitigação são complementares e estratégias igualmente indispensáveis para uma bem-sucedida transição a um futuro de baixo carbono. Entretanto, essa transição será somente efetiva se considerarmos as múltiplas realidades que afetam milhões de pessoas. Cada atraso em reduzir emissões torna a adaptação mais difícil, limitando nossas opções e aumentando os os riscos. 

Essa relação foi reconhecida – ao menos na teoria – na COP 8. E agora, na COP30, o Brasil, como anfitrião, tem a oportunidade única de liderar pelo exemplo, pressionando por políticas de adaptação ambiciosas, que protejam comunidades locais e ecossistemas em todo o mundo.

 

Por que “AGORA”?

Hoje secas reduzem produção de alimentos, aumentam a insegurança alimentar e deixam comunidades isoladas – sem acesso a recursos essenciais como cuidados de saúde e água limpa. Enchentes paralisam cidades e destroem casas. Calor extremo sobrecarregam redes elétricas. Calendários ecológicos e tecnologias indígenas – refinados por milênios – estão sendo jogados fora. 

Hoje adaptação ainda é lembrada somente nas grandes emergências, quando já é tarde demais. Porém, também hoje, sentimos nos corpos, bolsos e pratos, a urgência por adaptação. 

Hoje adaptação nos força a encarar uma verdade desconfortável: o que construímos pode não ser mais o suficiente. Adaptar é mudar. Isso afeta identidades, territórios e abala as fundações de nossos sistemas. 

Reconhecer a necessidade de adaptar é, acima de tudo, uma estratégia de sobrevivência coletiva – o que significa tornar o futuro  possível.

Lacuna de financiamento para adaptação: um ponto cego caro

Está se tornando cada vez mais claro que nenhum país no mundo, independentemente do nível de desenvolvimento, está imune a eventos extremos e outras consequências da crise climática. Mesmo com bem adaptados sistemas agroalimentares e infraestrutura, nenhum país consegue escapar da dependência dos esforços globais para atingir o net-zero. 

No Brasil, uma única enchente no Sul do país em 2024 custou cerca de US$ 10 bilhões em resposta emergencial – praticamente zerando as economias planejadas por cortes no orçamento federal. Na Espanha, as enchentes de 2024 causaram mais de 220 mortes, levando o governo espanhol a buscar €4,4  bilhões em apoio da União Europeia para recuperação e construção de resiliência.

Enquanto o financiamento global para adaptação alcançou cerca de US$ 28 bilhões em 2022 (UNEP, 2024), os países da União Europeia investiram mais de US$ 154 bilhões em resposta à guerra na Ucrânia. Enquanto a guerra é tratada como uma emergência, a adaptação climática é tratada como uma preocupação para o futuro.

Então, o que seria necessário para líderes e sociedades tratarem adaptação climática com o mesmo nível de urgência de uma invasão militar?

A lacuna de financiamento para adaptação hoje é estimada em US$ 187 bilhões a RS$ 359 bilhões por ano (UNEP, 2024). Ainda assim, adaptação nos fóruns globais recebe menos atenção e financiamento do que esforços em mitigação. Em governos nacionais, as responsabilidades também estão dispersas.

Três passos para elevar a adaptação

1. Financiamento visando ao futuro

A questão fundamental é não somente o que precisa ser feito, mas como assegurar que essa urgência alcance todos os níveis da sociedade. Como destacado acima, adaptação é uma prioridade compartilhada. Países em desenvolvimento, particularmente, requerem tanto financiamento quanto apoio técnico para implementar seus Planos Nacionais de Adaptação (NAPs, na sigla em inglês). Transformar esses planos em ação demanda mobilização de recursos em todos os níveis de governança. 

Para fazer a adaptação realmente efetiva, instrumentos financeiros – como títulos vinculados à resiliência – devem ser implementados como critérios de transparência, salvaguardas sociais e ambientais e mecanismos rigorosos de monitoramento.

Somente assim, a adaptação se tornará mais do que uma mera reação a desastres e, em vez disso, será reconhecida como uma necessidades estrutural para um futuro resiliente. 

2. Investir em adaptação compensa

Adaptação não é somente uma resposta – ela cria benefícios socioeconômicos. Estudos mostram que, na América Latina e no Caribe, cada US$ 1 investido em adaptação pode trazer até US$ 12 em benefícios econômicos ao reduzir danos de eventos extremos, custos de reconstrução e perdas em produção.

Enquanto os custos iniciais da adaptação possam parecer elevados, esse tipo de investimento reduz a necessidade de gastos com emergências públicas, que, como mencionado anteriormente, podem ser substanciais.

A adaptação também reduz a necessidade de grandes reservas de contingência nos orçamentos públicos e promove melhorias estruturais de longo prazo na economia. Por exemplo, investimentos em práticas agrícolas resilientes e infraestrutura adaptativa podem evitar perdas e assegurar a continuidade da produção e dos meios de subsistência. 

3. Construir missões nacionais de adaptação

Adaptação climática não é apenas uma preocupação local – ela é essencial para resiliência nacional. Uma vez que respostas fragmentadas e de curto prazo não são mais suficientes, soluções estruturais e de longo prazo devem ser priorizadas. 

A adaptação precisa ser uma prioridade compartilhada por toda a sociedade e, sem uma mobilização generalizada, qualquer estratégia terá sua efetividade limitada. É necessário que riscos climáticos sejam traduzidos em termos tangíveis, do nosso dia a dia, para tornar a emergência climática mais compreendida, mostrando como esses desafios afetam diversos setores – da relação entre crise climática e a alta nos preços dos alimentos à necessidade de uma infraestrutura urbana robusta para evitar alagamentos. Isso passa por incorporar a questão na educação, na mídia, no discurso político, assegurando que as pessoas mais afetadas sejam as protagonistas dessa conversa. 

Sistemas nacionais de adaptação precisam ser estabelecidos, integrando capacidade técnica, estratégia de financiamento e governança inclusiva, com uma clara coordenação entre níveis federal, estadual e local.

O que podemos fazer?

Temos a chance de finalizar os indicadores para a Meta Global de Adaptação (GGA, na sigla em inglês), fazendo as metas rastreáveis e prontas para implementação.

Podemos definir uma nova meta de financiamento que deverá substituir a meta atual de duplicação, incorporando uma meta de adaptação no roteiro de US$ 100 bilhões para US$ 1,3 trilhão até 20235. 

O Brasil, como anfitrião da COP30, tem uma papel único. Além das negociações, ele precisa liderar pelo exemplo com ações concretas: 

  • Apresentar políticas nacionais que façam do Brasil um modelo global de implementação da adaptação.
  • Garantir progresso diplomático em indicadores, financiamento e no Roteiro Baku-Belém. 
  • Trazer uma agenda econômica real, que apresenta projetos, pipelines e pessoas impulsionando a mudança. 
  • Enfatizar uma narrativa que coloque as pessoas em primeiro lugar – quebre falsas dicotomias entre adaptação, mitigação e desenvolvimento. 


No Instituto Talanoa, acreditamos que a adaptação merece visibilidade, mas também poder. Visibilidade por si só não reduz o risco. Poder significa dar à adaptação a autoridade institucional, o financiamento e o apoio político necessários para impulsionar a transformação real.

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