2ª carta da presidência da COP30: transição para longe dos fósseis ainda não entrou no mutirão

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André Corrêa do Lago, presidente da COP30 - Foto: Rafa Neddermeyer/COP30

A Presidência da COP30 publicou nesta quinta-feira (8) a segunda carta da presidência brasileira. Seguindo o tom dado no primeiro documento, quando o presidente André Corrêa do Lago convocou um “mutirão global pelo clima”, a carta avançou sobre a agenda de mobilização global, trazendo a operacionalização da ação climática e deixando um pouco mais claro o desenho da governança da COP que, embora tenha contornos de proatividade em escala global, será acionada a partir de uma série de iniciativas cujo o diálogo e o engajamento de redes é central.

A Climate Week que acontece nas próximas semanas no Panamá é citada por ACL como um “marco da missão coletiva”, o que ajuda a materializar o movimento “com  base na  proliferação  de  iniciativas  autônomas mundo afora”. Neste tom de convocatória, a liderança da Conferência do Clima convida a todos a se integrar ao processo de alguma forma, destacando que todos os atores são bem-vindos à missão: “A Presidência da COP30 deixa aqui um convite aberto a todos os membros da família humana: venham como são e como podem ser. Na moldura do Mutirão Global serão acolhidos todos, independentemente do nível de engajamento, de especialização e de perspectiva”, escreveu.

Mas um ator importante aparece muito tímido – por enquanto – na convocação para esse mutirão global. Objeto de negociação e decisão nas últimas COPs, a Transição para Longe dos Combustíveis Fósseis (TAFF, na sigla em inglês) não é mencionada.  Há trechos em que a economia de baixo carbono é aclamada como meta desejável, além de acomodar expressões como “transição para futuro”, mas o incentivo mais entusiasmado acerca da transição para longe dos fósseis, a ambição, metas e meios para implementação permanecem ausentes. O grande vilão do clima é evitado. Sabendo que, como humanidade, não temos tempo a perder e a COP30 é logo ali, é preciso que a liderança brasileira ative os instrumentos políticos disponíveis para enfrentar o tema mais difícil e necessário. 

Como ponto louvável, a carta reparou ausências percebidas e criticadas no pronunciamento por escrito anterior. Carentes de menção explícita no primeiro texto, desta vez ACL valorizou o papel dos povos indígenas, comunidades tradicionais e grupos afrodescendentes, especialmente quando defendeu a importância do Círculo dos Povos: “garantindo que essas perspectivas críticas informem e aprimorem as soluções climáticas internacionais, com respeito a seus direitos e combate ao racismo e às desigualdades ambientais”. 

Uma NDC para cada um

Na lógica de mobilização global, em que todos os atores são estimulados a se unir pelo clima, a carta incentiva a reflexão de metas e ambições de mitigação de ordem privada e em menor escala. Em paralelo às NDCs – Contribuições Nacionalmente Determinadas que as partes signatárias do Acordo de Paris apresentam periodicamente se comprometendo a reduzir as emissões -, a carta fala que “a moldura do Mutirão Global acolherá indivíduos e organizações para que apresentem “contribuições autodeterminadas”. Ou seja, há um estímulo para que empresas e outras organizações criem estratégias e metas para reduzir as pegadas de carbono. 

“O Mutirão Global, para ser posto em prática, requer uma nova abordagem: uma em que a Presidência da COP30 atue como veículo para inspirar a capacidade de agir de outros. Nas mais diversas esferas da vida – governos, sociedade civil, setor privado, indivíduos –, todos são todos convidados a assumir a liderança na obtenção de resultados concretos em ações autônomas”, defendeu. 

Uma (nova?) governança global 

Embora não aprofunde uma proposta, a carta também aponta para um novo modelo de governança climática global. Sem diminuir o papel da UNFCCC, ACL menciona a necessidade de se criar uma nova dinâmica para acelerar os esforços e lidar com os desafios do multilateralismo, para que as ferramentas disponíveis não se tornem obsoletas diante da magnitude e complexidade da emergência climática. “É mais que hora de começarmos a refletir sobre formas de fortalecer a governança global para acelerar exponencialmente a implementação do Acordo de Paris e apoiar o processo e os mecanismos de tomada de decisão da UNFCCC, a partir de uma perspectiva intergeracional. A mudança do clima exige que inovemos em direção a novos modelos para novos desafios, à medida que pressupostos do passado se tornam rapidamente obsoletos em um ambiente que muda exponencialmente, e no qual surgem soluções de forma também exponencial, inclusive tanto em evolução quanto impacto. As florestas tropicais e a internet sobressaem como casos inspiradores em que a complexidade e a diversidade passam a contribuir para o dinamismo e a adaptabilidade”, escreve. 

ACL contribui, assim, para a percepção de que a governança global pelo clima precisa superar a deliberação concentrada em grandes processos como a COP, que acontecem anualmente. É preciso conceber uma visão mais ampla. “Deixando para trás antigos modelos burocráticos que comprometem velocidade e escala, os debates na Assembleia Geral das Nações Unidas poderiam explorar abordagens inovadoras de governança para dotar a cooperação internacional de recursos para o rápido compartilhamento de dados, conhecimento e inteligência, bem como para alavancar redes, agregar esforços e articular recursos, processos, mecanismos e atores dentro e fora da ONU. As inovações na cooperação internacional poderiam concentrar-se no “alinhamento” de atores e esforços hoje dispersos, preservando e mesmo reforçando o papel da UNFCCC na negociação, coordenação e criação de regras sobre mudança do clima em termos de direito internacional”.

O documento é finalizado como mensagem esperançosa e ambiciosa para a COP30: “Imaginemos que, em 2028, o mundo se lembrará de 2025 não apenas como um ano de negociação, mas como um momento de alinhamento global – quando governos, comunidades, empresas e instituições se uniram para mudar a trajetória do relacionamento da humanidade com o planeta. Um ano a ser lembrado como a alvorada de um novo ciclo de cooperação, inovação e prosperidade em todo o mundo”. 

Nas próximas cartas, a presidência da COP30 promete detalhar a agenda de ação, negociações formais e cúpula de líderes, respectivamente.

Equipe Editorial (Liuca Yonaha, Marta Salomon, Melissa Aragão, Ester Athanásio, Marco Vergotti, Renato Tanigawa, Taciana Stec, Wendell Andrade, Daniel Porcel, Caio Victor Vieira, Beatriz Calmon, Rayandra Araújo e Daniela Swiatek).

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