Emergência ambiental antes que a fumaça dê sinal

(O conteúdo que você vai ler a seguir é feito totalmente por humanos, e para humanos)

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Repetindo 2024, o Brasil passa a ter, desde fevereiro, uma portaria de emergência ambiental buscando evitar a recorrência de incêndios florestais ao longo de 2025. Na prática, a portaria funciona como um “alerta customizado” para cada estado brasileiro e suas regiões, sobre em que épocas estarão mais suscetíveis à ocorrência de fogo durante o ano. Logicamente isto não significa “zona de conforto” nas demais épocas, mas indica que os cuidados devem ser ampliados nos períodos apontados. Tudo baseado em indicadores climáticos, meteorológicos, hidrológicos e, claro, nas experiências dos últimos anos. Afinal, em linguagem de prevenção, é preciso se preparar desde já.

Em coletiva nesta semana, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) detalhou que a portaria permite que brigadas florestais sejam fortalecidas, incluindo contratação de pessoal e aquisição de implementos. Além disso, em termos de financiamento, recursos oriundos de Fundo Amazônia (FA), Fundo Nacional de Meio Ambiente (FNMA) e até Fundo Nacional de Direitos Difusos (FDD) já estão sendo mobilizados para apoios a estados e municípios. 

No entanto, diante do tamanho do desafio, não bastam. Por isso, outro ponto essencial é que gestores públicos estaduais e municipais pressionem seus parlamentares federais a enviarem pelo menos parte de suas gordas emendas à prevenção e ao combate às chamas, a fim de colaborarem para que a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo (PMIF) – tornada lei em 2024 – seja robustecida. A estrutura federal atual de prevenção e contenção de incêndios, embora ampliada nos últimos 2 anos, não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo, motivo pelo qual a ação antecipada de estados e municípios se faz decisiva. 

Quando dizemos que mudança do clima é assunto transversal na vida brasileira, nos baseamos em dados e evidências. Em um levantamento recente da Política por Inteiro, detectamos que, em meio ao descontrole dos incêndios florestais em 2024, a mudança climática movimentou até o Ministério da Saúde, que teve de destinar emergencialmente mais de R$ 168 milhões para preparar o Sistema Único de Saúde (SUS), a fim de dar conta dos doentes que se multiplicaram por conta da secura e da fumaça que invadiu a vida da população sem pedir licença. Isso só em quatro estados da Amazônia Legal, entre outubro e dezembro. (Ver detalhes em nossa última edição do Tá Lá no Gráfico)

Um dos aspectos mais intrigantes que vêm com a alteração do clima global é que lidar com eventos extremos se torna, de certo modo, imponderável. Mesmo com a melhor ciência disponível, se o padrão climático muda, já não se pode mais prever com absoluta precisão onde, quando e com qual intensidade os perrengues virão. Dessa forma, governo, sociedade e empresariado já não podem mais atuar como antes, sob pena de serem surpreendidos a todo momento. É que a mudança do clima chacoalha um elemento fundamental ao funcionamento de tudo: a previsibilidade

Nos governos, dói no orçamento e empurra mandatos a viverem sob contingência, colocando a reputação de gestores em xeque; 

No empresariado, torna inseguros os investimentos e sacode as seguradoras… Conclusão: dói no bolso de todo mundo; 

Na sociedade em geral, se manifesta em perdas de todo tipo. De hábitos e modos de vida até a própria vida. 

Nessas circunstâncias, pensar e fazer diferente de outrora já são, por excelência, mandamentos básicos de adaptação climática

Passamos, então, a entender que adaptação e mitigação climáticas são irmãs siamesas, que só podem funcionar andando juntas: se atuamos para mitigar as causas, aumentam-se as chances de nos adaptarmos aos efeitos, evitando que a desordem se intensifique; da mesma forma, se conseguirmos nos adaptar bem diante dos efeitos, aumentam as chances de atuarmos com mais qualidade (e inteligência) para mitigar as causas. 

Cabe agora agir rápido. Na Amazônia, por exemplo, eventos climáticos de incêndio florestal ainda são, em geral, pontuais nesta época do ano, mas, na medida em que o período de chuvas vai terminando (costumava ser a partir de março), é esperado que a fumaça comece a dar as caras. 

E “onde há fumaça…”

TÁ LÁ NO GRÁFICO

A temporada de queimadas no Brasil costuma ocorrer a partir do meio do ano. Ou costumava. Em uma era de clima mais instável, as sazonalidades conhecidas começam a não se confirmar. E esse não é um problema somente do nosso país. É planetário. Como disse o governador da Califórnia (EUA), Gavin Newsom, em meio à mais recente crise de incêndios florestais por lá, que ocorreu “fora de época”, não há mais temporada de incêndio, o fenômeno ocorre o ano inteiro. 

Nesta semana, como apontamos acima, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) publicou portaria de emergência ambiental para que os entes federativos possam já se preparar. Desde o ano passado, essa norma tem sido publicada em fevereiro, com antecedência. Porém, em 2024, mesmo com a antecipação, não foi possível evitar o desastre. O Tá Lá no Gráfico da semana mostra como os incêndios afetam tanto a agenda de mitigação quanto de adaptação e como são um exemplo de eventos extremos que nos obrigam a rever das estruturas de emergência à lógica em que operam todos os sistemas, incluindo áreas como a saúde, e também o planejamento e a gestão orçamentárias.

FRASES DA SEMANA

ABC DO CLIMA

Blended Finance: É uma expressão em inglês que, ao pé da letra, significa “dinheiro misturado”. É uma estratégia para levantar recursos financeiros de diferentes fontes, comumente utilizada quando governos buscam acelerar resultados de política pública “casando” recursos públicos com investimentos privados, em prol de objetivos comuns. Em matéria de clima, financiar a transição energética e repaginar a infraestrutura de cidades, preparando-as para a nova realidade climática em que vivemos, são desafios de tal tamanho que não poderiam ser superados apenas com recursos públicos, razão pela qual uma composição mista se apresenta como saída para alavancar as transformações necessárias. O blended finance faz sentido até mesmo ao observarmos a Constituição Brasileira, quando esta determina que obrigações ligadas ao “meio ambiente ecologicamente equilibrado” e à “sadia qualidade de vida” se impõem não apenas ao Poder Público, mas também à coletividade, da qual também faz parte o setor privado. A ideia é que, diante de um problema grande e complexo, os aportes venham de diferentes direções, com benefícios para todos. Por exemplo: o programa Eco Invest, aposta do Governo Federal para atrair capital privado estrangeiro para a transformação ecológica do país, tem uma sublinha de crédito de blended finance. É a primeira que foi colocada em operação, cujo primeiro leilão trouxe um potencial de alavancar R$ 44,3 bilhões em investimentos. (Veja mais sobre o assunto Financiamento em nosso documento especial O Ecossistema do Financiamento Climático no Brasil 2024).

MONITOR DE ATOS PÚBLICOS

O Monitor de Atos Públicos captou 12 atos relevantes para a política climática nesta semana. Planejamento e Regulação foram as classes mais captadas, com 5 atos cada, seguidas de 2 ações de Resposta, ligadas ao emprego da FNSP em apoio ao ICMBio e à Funai.  O tema mais frequente da semana foi Terras e Territórios, com 4 normas, incluindo a criação do Programa Intersetorial para Mulheres Quilombolas. Florestas e Vegetação Nativa registrou 4 atos, incluindo a declaração de emergência ambiental com o mapeamento de risco de incêndio florestal em todo o Brasil.

ICMBio e áreas privadas caminham

Nesta semana, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) reconheceu, oficialmente, a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Sussuarana do Cerrado, em Goiás. É apenas a 2ª RPPN criada em 2025 e, nas contas da Política por Inteiro, a 44ª desde o início do atual governo. 

A RPPN é uma das 12 categorias nacionais de Unidades de Conservação e existe para, ao mesmo tempo em que freia emissões provocadas por desmatamento e conserva a biodiversidade, permitir ao proprietário rural gerar receitas oriundas da exploração de serviços turísticos, recreativos e/ou educacionais intimamente ligados a essa conservação. 

A Política por Inteiro acredita que a conservação empreendida pelo setor privado pode ser melhor estimulada no Brasil, quer pela aceleração dos atos de criação – que são, em verdade, reconhecimentos formais ao compromisso do particular em conservar, e não um ato de criação como nas Unidades de Conservação de domínio público, mais complexo e moroso –, quer por incentivos fiscais e financeiros a áreas privadas com atributos ecológicos e serviços ecossistêmicos presentes nessas áreas. O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) precisa ser comunicado e visto pela sociedade como um indutor do desenvolvimento local! 

Há poucos dias, o ICMBio já havia marcado um gol importante, ao reconhecer oficialmente o Mosaico do Baixo Rio Madeira, envolvendo 5 Unidades de Conservação e 2 Terras Indígenas, no Amazonas. Com o reconhecimento, essas áreas protegidas passam a compartilhar recursos e meios que colaboram diretamente para o êxito da gestão territorial, essencial para a política climática por estimular atividades econômicas sustentáveis e a manutenção de estoques de carbono, ajudando a conter emissões no setor Terra e Florestas.

BRASIL

Adaptação como Prioridade para a COP30

O diálogo de vozes qualificadas e com poder de decisão marcou o evento realizado pelo Instituto Talanoa na última terça-feira de fevereiro, 25, em Brasília. A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, prestigiou a abertura e somou força ao apoio de mais de 300 participantes que consideram que a agenda de Adaptação Climática deve ser uma prioridade da COP que será realizada na Amazônia brasileira. A Talanoa promoveu debates de alto nível, reunindo especialistas com histórico reconhecido e atores políticos com poder de decisão. Ao longo de todo o dia a plateia presente e aqueles que se conectaram à transmissão ao vivo em inglês e português puderam ouvir embaixadores, gestores de fundos internacionais, lideranças locais e regionais, além de autoridades políticas. Foram tratados temas como justiça climática, financiamento e, claro, a urgência de se estabelecer indicadores e metas globais de adaptação, com olhar firme para implementação de estratégias que possibilitem fazer frente aos eventos extremos e persistir nos esforços de mitigação, conforme enfatizou a presidente da Talanoa, Natalie Unterstell, em discurso de abertura. 

A secretária nacional de Mudança do Clima e diretora-executiva da COP30, Ana Toni, participou do painel sobre financiamento ao lado da presidente da COP16, a embaixadora mexicana Patricia Espinosa; acompanhadas do líder do grupo de negociadores africanos, Richard Muyungi, do governo da Tanzânia; do líder de soluções para o setor público das Américas na Swiss Re, Rubem Hofliger e o líder do Fundo de Adaptação, Mikko Ollikainer. O debate reforçou a necessidade de esforços coletivos, de diferentes fontes de recursos, para se alcançar US$ 1,3 trilhão até 2035.

O encontro foi celebrado com a entrega de uma carta de propostas ao presidente da COP30. Dezesseis organizações da América Latina assinaram o documento que foi entregue nas mãos do embaixador André Corrêa do Lago. A principal reivindicação do grupo é que a Conferências das Partes que será realizada em Belém, em novembro, estabeleça metas globais de adaptação ao clima, incluindo financiamentos ambiciosos.

Manhã

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Tarde

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Em inglês

MUNDO

Carta da Troika do Clima expõe dificuldades

Nesta semana, uma carta assinada por Emirados Árabes Unidos, Azerbaijão e Brasil – os anfitriões das COPs 28, 29 e 30, que juntos formam a “Troika do Clima” – reafirma que os pactos alcançados nas últimas duas COPs significam fôlego, mas agora demandam maior engajamento coletivo para as diferentes agendas em progresso no âmbito da Convenção do Clima. 

Para quem quiser ler nas entrelinhas, a mensagem também rebate a esquisita quadra da História em que vive o multilateralismo no mundo, com a truculência querendo ganhar espaço no debate de problemas complexos. “Não devemos perder o ímpeto. Na COP30, em Belém, devemos demonstrar que a cooperação internacional e o multilateralismo podem gerar resultados concretos diante da crise climática nesta década crítica. Quando trabalhamos juntos, o multilateralismo pode e irá entregar resultados”, frisam. 

Para além do exercício da presidência brasileira nesta COP30, é esperado que o trabalho da Troika também ajude a elevar a ambição climática dos países que integram o Acordo de Paris.

Trump barra cientistas norte-americanos do IPCC

Na véspera da primeira reunião do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC em 2025, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, decidiu impedir que uma das cientistas líderes do painel e da NASA, Katherine Calvin, participasse do encontro em Hangzhou, na China. Além disso, outros dez cientistas tiveram contratos rescindidos pela NASA para apoiar tecnicamente o Grupo de Trabalho III do IPCC, responsável por produzir estudos sobre mitigação climática. Assim como no Acordo de Paris, os Estados Unidos se ausentam do painel, no momento onde dá-se início à produção de seu sétimo relatório (AR7). O próximo relatório do IPCC guarda grande importância, havendo inclusive uma discussão se é possível uma antecipação de seu lançamento previsto para 2029, para que possa servir de base para o próximo balanço global (GST), mecanismo que avalia as políticas climáticas dos países, previsto para 2028. Mas os países não chegaram a um acordo sobre esse cronograma, na 62ª Sessão Plenária do IPCC, nesta semana em Hangzhou, na China.

MONITOR DE DESASTRES

O Monitor de Desastres captou 12 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos extremos, que atingiram 57 municípios

Estiagem segue predominando, especialmente nas regiões Sul e Nordeste. No Sudeste, Chuvas Intensas ainda é o desastre mais frequente, especialmente em MG e SP. Houve, ainda, um incomum Colapso de Edificações no Maranhão, mesmo estado que semanas atrás já havia decretado emergência por conta de uma Voçoroca.

Para consultas detalhadas, visite nosso Monitor de Desastres.

Nota explicativa: os dados registrados no Monitor de Desastres referem-se única e exclusivamente às situações de emergência ou calamidade pública reconhecidos oficialmente pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil/MDIC nesta semana. Eventualmente, é possível que desastres ocorridos na mesma semana não sejam contabilizados, dado que o reconhecimento do governo federal leva alguns dias para ser publicado.

TALANOA NA MÍDIA

Veja Painelista convidado pela Talanoa, o representante do Governo das Maldivas, Ali Shareef concedeu entrevista à revista Veja e comentou expectativas sobre a atuação do Brasil na COP30, além de opinar sobre a ameaça de exploração de petróleo na Foz do Amazonas.
Site Oficial da COP30 O evento Adaptação como Prioridade para a COP30, organizado pelo Instituto Talanoa, repercutiu no portal, trazendo falas importantes de Marina Silva, André Corrêa do Lago e Ana Toni, em português, inglês e espanhol.
Exame Avinash Persaud, assessor especial de mudança climática do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), também concedeu entrevistas à imprensa após palestra a convite da Talanoa. Em entrevista à Exame, o painelista reforçou a aposta na diplomacia brasileira como caminho para destravar recursos para financiamento climático. A revista também repercutiu o discurso de Marina Silva durante evento e conversou com o climatologista Carlos Nobre, que destacou a importância da restauração como caminho para Adaptação.
Valor Econômico A CEO da COP30, Ana Toni, e a Ministra do MMA, Marina Silva, concederam entrevistas ao Valor após o evento.

Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO

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