“COPep”

(O conteúdo que você vai ler a seguir é feito totalmente por humanos, e para humanos)

No mesmo ano em que o Brasil sediará a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, o país topou também aceitar o convite para fazer parte da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Como o Brasil pretende administrar essa estranha fusão de intenções? 

Vamos deixar as coisas bem claras? Depois de mais de 20 anos buscando trazer para os textos oficiais o compromisso de 197 países em transitar para longe dos combustíveis fósseis – algo obtido no Consenso de Dubai, na COP28, nos Emirados Árabes, em 2023 – o Brasil, animador de uma transformação econômica pelas mãos da ecologia, chamada de Novo Brasil, passará a fazer parte do clube cujo motivo de existência é a exploração, à exaustão, do que mais intensifica a mudança climática global: petróleo. Oi?!?

Ao jurar de pés juntos não haver contradição alguma nisso, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, parece ignorar três importantes projeções: a primeira delas diz respeito à escalada do Brasil no ranking de países produtores de petróleo podendo sair de 8º para 4º lugar; a segunda se refere à posição do Brasil no ranking de maiores emissores mundiais, que pode subir se explorarmos mais fósseis. A terceira é a lástima de todos: a temperatura média do planeta não vai parar de aumentar se novos poços de petróleo forem escancarados, “destravando” um carbono preso debaixo da terra há milhões de anos. Resultado: sinais confusos do Brasil para o mundo. E, na confusão, não convencemos ninguém. 

É retórica derrubando ciência. Boa parte dela baseada em um paradoxo pra lá de bizarro: explorar agora para lançar ainda mais carbono na atmosfera e, com parte dos lucros, financiar a transição para… lançar menos carbono! Pra quando? Não sabemos. O que sabemos é que o futuro de antigamente já chegou. 

Da parte do Brasil, o que poderia responder ao “Quando?” é a Política Nacional de Transição Energética (PNTE), apresentada oficialmente em agosto de 2024 e que, até agora, é uma “casca sem recheio”, já que informa diretrizes, mas não metas; instrumentos, mas não resultados esperados. Suas duas pernas – o Plano Nacional (Plante) e o Fórum Nacional (Fonte) – sequer existem na prática. Para completar, a principal instância colegiada consultiva do Plante – o Fonte – ainda sofreu mais uma prorrogação nesta semana. Se transição energética de verdade é prioridade, por que a PNTE rasteja? O delay entre a casca vir a público em agosto de 2024 e o recheio só começar a existir em maio de 2025 pode ser revelador. 

Outro ingrediente importante para entender os passos do MME, em linha com a convicção de que o Brasil tem de ingressar oficialmente na Opep, é o Programa de Incentivo e Revitalização das Atividades de Exploração e Produção de Petróleo e Gás, chamado Potencializa E&P, medida recente a qual se vinculam as pressões recentes para exploração offshore (no mar) e onshore (em território) de petróleo e gás, na Amazônia. Isto, sim, é concreto e está em plena marcha.

Parecem emblemáticos os movimentos da pasta de Minas e Energia. Em 2024, em plena semana em que o presidente Lula participava da Assembleia Geral das Nações Unidas, o MME conduzia o Rio Oil & Energy, evento de pompa internacional no Rio de Janeiro, e anunciava medidas de ampliação da exploração nacional de petróleo e gás que fizeram o “Potencializa” sair do papel. Agora, em ano de ser anfitrião de COP, mais um novo signo: Brasil na Opep+, uma espécie de “clube de segunda classe” da Opep (já que o país tem acesso aos núcleo da organização, mas não se vincula às decisões dos membros efetivos e também não tem direito a voto).

A retórica utilizada pelo MME insiste que o Brasil adentra a Opep+ para buscar influenciar as petro-nações a acelerarem a descarbonização de suas matrizes energéticas. Justo elas, que têm no petróleo sua principal fonte de receitas e de influência internacional. A lógica? É mais ou menos como entrar num grupo de cervejeiros e dizer algo como “oi, pessoal, tudo bem? O que vocês acham de os próximos happy hours serem regados a suco de laranja estupidamente gelado?”. Não é preciso ser especialista para saber: não vai acontecer. 

Em um mundo ainda ressabiado com os primeiros movimentos de Donald Trump nos EUA e vulnerável em resolver questões coletivas, pela crise do multilateralismo, o Brasil está se complicando para fazer seu dever de casa e ser o aluno exemplar para puxar a turma em matéria de geopolítica climática.

Boa leitura!

TÁ LÁ NO GRÁFICO

Os blocos já estão na rua no esquenta do Carnaval. E que esquenta!! Mais uma onda de calor eleva as temperaturas das cidades brasileiras. O Tá Lá no Gráfico da semana mostra que a maior festa popular do país não fica imune às necessidades de adaptação. A mudança do clima impacta desde atividades cotidianas a grandes eventos, de pequenos equipamentos urbanos a grandes infraestruturas. E o aumento da resiliência climática se dá com ações em diferentes camadas.

FRASE DA SEMANA

A transição energética pode ser a chave para a reindustrialização do Brasil. No entanto, para que isso aconteça, é fundamental que o país olhe para o lado da demanda e crie condições reais para o crescimento da indústria.

Paulo Pedrosa, presidente da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (ABRACE Energia), sobre estudo que indica que o Brasil pode agregar R$ 1 trilhão ao PIB com transição energética eficiente. (Foto: Reprodução/Perfil do LinkedIn).

ABC DO CLIMA

Hipertermia: É o excesso de calor acumulado em um organismo vivo, que desencadeia alterações no funcionamento do corpo, podendo levar a desordens fisiológicas, dores e até a morte. A hipertermia é um conceito importante quando tratamos de mudanças climáticas, porque o aumento da temperatura local “atrapalha” as trocas de calor entre o corpo e o ambiente, essencial para regular a temperatura e nossas funções vitais. É como desobedecer uma Lei básica da Física: quando a temperatura local se aproxima da temperatura do corpo, o calor que produzimos deixa de “ter pra onde correr”, fazendo com que “cozinhemos” por dentro. É essencial lembrar que organismos vivos – a exemplo dos seres humanos – são sensíveis a mudanças de ambiente e, não à toa, nós temos mais chances de adoecer quando expostos a variações bruscas de temperatura. (Extra: explicamos a hipertermia com recursos visuais em uma de nossas edições do Tá Lá No Gráfico, que você pode conferir aqui.)

MONITOR DE ATOS PÚBLICOS

O Monitor de Atos Públicos captou 18 atos relevantes para a política climática nesta semana. A classe mais relevante foi Planejamento, com 12 atos. Já o tema mais frequente foi Oceano e Zonas Costeiras, devido às resoluções da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar.

Gaeco pelo Clima? 

Nesta semana, o Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF) publicou resolução em que cria o Grupo Nacional de Apoio ao Enfrentamento ao Crime Organizado (GAECO Nacional), uma “replicação” da experiência de Ministérios Públicos estaduais em SP, MG, BA, GO, PA, entre outros, que têm GAECOs criados, alguns há mais de duas décadas. 

A norma determina que o Grupo dedique especial atenção a investigações para desarticular organizações criminosas atuantes em território nacional e também “crimes contra direitos indígenas e comunidades tradicionais”, além de “crimes ambientais com repercussão nacional ou interestadual”, com destaque para “exploração de garimpo em terras indígenas”, perpetrados com a participação direta ou indireta dessas organizações. 

A princípio, o ato tem potencial para colaborar com a governança territorial do Brasil, de cujo êxito dependem as metas nacionais ligadas à mitigação de emissões de gases estufa. Afinal, quanto menor o controle sobre o território, mais difícil coibir práticas ilegais que impedem o país de reduzir emissões no setor de Uso da Terra, além de aumentar tensões e ameaças a indígenas e lideranças de povos e comunidades tradicionais. Essa nova estrutura deve atuar em investigações mais complexas, que apuram crimes como lavagem de dinheiro, corrupção, tráfico internacional de drogas e de armas, além de garimpo e desmatamento ilegal.

Bola fora, Ministério do Esporte!

Na sexta-feira (21), o Ministério do Esporte (MEsp) abriu processo seletivo para financiar a construção de “Espaços Esportivos Comunitários”, áreas de incentivo à prática de exercícios físicos em municípios brasileiros, com recursos públicos via PAC. Até aí super justo, pleito mais que legítimo! Acontece que, ao elaborar a norma, o MEsp simplesmente ignorou quaisquer diretrizes de Adaptação Climática na orientação para as propostas de construção desses espaços. Zero!

A Portaria do Ministério determina que estes espaços sejam compostos por campo society (grama sintética) de 30mx50m, quadra esportiva 3mx3m, pista de caminhada e parquinho infantil nas cidades brasileiras. Ok, mas… Em que condições? 

Mesmo com o Brasil há sucessivos anos batendo recordes de temperatura e com aumento da frequência de dias mais quentes no ano em todas as regiões, o MEsp nada traz sobre as propostas deverem levar em conta tópicos como conforto térmico, insumos de construção sustentáveis, seleção de locais de baixo risco a eventos climáticos extremos, áreas de arrefecimento e hidratação, entre outros ligados à Adaptação Climática. 

Como temos vivido, Adaptação é um imperativo científico, não uma questão “de gosto” do gestor. A seleção vai de 24/02 até 31/03/2025, ou seja, ainda dá tempo de o Ministério do Esporte ajustar a norma para a nova realidade climática que já experimentamos. Sem isso, é convidar a população ao risco. 

Em sua defesa, o MEsp poderia dizer que a norma indica que o município proponente deve ter “o compromisso de efetuar adaptações no projeto básico padrão, de forma a adequá-lo às condições do terreno e às especificidades locais”. Convenhamos: bela chance desperdiçada de dizer a como acertar desde agora, em vez de mandar corrigir lá na frente. 

O episódio é mais um a reforçar o que temos dito: a mensagem da Adaptação Climática precisa chegar a todos os ministérios e governos subnacionais. Ou nos adaptamos todos, ou o Brasil não estará à altura do desafio.

Sinais que (não) vêm do mar 

Nesta semana, uma nova leva de resoluções da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM) alterou a composição do Comitê Executivo Planejamento Espacial Marinho (CE PEM), assim como prorrogou o prazo de funcionamento do Grupo Técnico PIB do Mar. Reformas na governança, nas atribuições e nos prazos destes comitês têm sido a tônica, desde 2020 até o momento. Nada do que foi planejado para ser entregue por essas instâncias foi concluído, o que impacta diretamente na implementação da Política Nacional para os Recursos do Mar.

Transição Energética tem mais uma caixinha

Nesta semana, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), presidido pela pasta de Minas e Energia (MME), aprovou resolução que criará o Comitê Técnico do Programa de Aceleração da Transição Energética (CT-Paten). Criará, no futuro, porque a notícia saiu, mas até sexta (21), não havia formalização de ato, para eficácia.

Quando começar a operar oficialmente, o colegiado será responsável por regulamentar, executar e supervisionar a aplicação da Lei Federal nº. 15.103/2025, incluindo a realização de análises sobre os projetos de energia de baixo carbono a pleitearem apoio. 

Em nota, o MME indicou que haverá a mobilização de R$ 600 bilhões em investimentos nos próximos meses (até aqui, sem detalhes sobre como se dará a mobilização da bufunfa). Não é pouca coisa, mas faz sentido. 

Como num carro, o Paten precisará de potência e controle se for realmente pra valer. Potência em recursos que financiem e acelerem a transição; controle para levar essa potência ao lugar certo, estabelecendo critérios e aprovando projetos que reduzam consistentemente as emissões nacionais vindas do setor energético. Um atributo não dá certo sem o outro. 

Bom trabalho ao CT-Paten.

BRASIL

AdaptaCidades na praça

É alarmante: 65% dos 5.571 municípios brasileiros têm baixa capacidade de adaptação a eventos extremos. Num cenário em que esses eventos passarão a ser cada vez mais intensos e frequentes, é urgente apoiar municípios a se prepararem para um Brasil de clima mais instável. Lançado em Brasília na semana passada, o Programa AdaptaCidades foi aderido pela maior parte das unidades federativas: 22 estados e DF topam. É o começo para que o governo federal tire do papel um capítulo importante dos planos para Adaptação Climática. 

Mas apesar da adesão expressiva, ainda falta muito para que o programa se consolide, de fato, em planos e ações que previnam os danos das mudanças climáticas – principalmente durante eventos extremos. 

O AdaptaCidades largou prometendo formação de servidores, planejamento, dados e orientação para acesso a financiamento. Mas não basta. Para que a infraestrutura seja revista e adaptada, é preciso dar um passo indispensável: apresentar a previsão orçamentária de repasses que sustentem os planos de adaptação locais. É questão profunda, assunto espinhoso que deveria envolver uma re-arquitetura financeira de país, mesmo.

“Sem engajamento necessário por parte dos gestores municipais, o AdaptaCidades periga ser mais um plano, hospedado em uma plataforma virtual e sem resultados concretos na vida das populações mais vulneráveis, as que sofrem primeiro, e em maior intensidade, os efeitos das mudanças climáticas”. 

Leia a análise completa da Política por Inteiro.

Condições especiais na conta de luz e água para atingidos por eventos extremos

Foi aprovado na Câmara dos Deputados o PL 2302/2023, de autoria da deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS), apensado ao PL 124/2022, que cria condições especiais para o pagamento das tarifas de energia elétrica e de serviços de saneamento básico aos usuários diretamente atingidos por eventos extremos. Entre as medidas estabelecidas, proíbe-se o corte dos serviços e garante-se a não permissão de cobrança de taxas adicionais, além da isenção de juros em casos de inadimplência.

Câmara de Conciliação do Marco Temporal viabiliza mineração em Terras Indígenas 

Na segunda-feira (17), o gabinete do ministro Gilmar Mendes, responsável pela Câmara de Conciliação do Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal (STF), apresentou uma minuta de Anteprojeto de Lei Complementar, a qual, entre outras disposições, prevê a autorização para mineração em Terras Indígenas (TIs). De acordo com a proposta, os povos indígenas seriam consultados quanto a tais empreendimentos, mas não teriam o direito de vetá-los. As propostas contidas na minuta foram criticadas pelo Ministério dos Povos Indígenas e denunciadas pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e mais de 50 organizações da sociedade civil, alegando violação de direitos constitucionais e normativas internacionais garantidos aos povos indígenas. Após novo tensionamento na Câmara de Conciliação, Gilmar Mendes anunciou na sexta-feira (21) a suspensão das atividades por um mês, respondendo a um pedido da Advocacia Geral da União (AGU).

MUNDO

NDC do Japão: consultou, mas não considerou

O Japão atrasou a entrega de sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) alegando que necessitava de mais tempo para avaliar todos os mais de 3.000 comentários recebidos em consulta pública. Porém, uma semana depois do prazo inicialmente estabelecido pelo secretariado da Convenção do Clima da ONU (UNFCCC), o país decepcionou ao não apresentar metas de redução de emissões de gases do efeito estufa mais ambiciosas, como pediam 80% das participações, segundo dado da Reuters, citado pelo Climate Home News. A NDC do Japão traz uma meta de redução de 60% das emissões em 2035 em relação a 2013 e de 73% em 2040. Os valores são o que foram colocados em consulta pública e a justificativa do governo para não atender à demanda vinda do processo de escuta da sociedade foi de que os argumentos para metas mais ousadas já haviam sido levados em conta para se chegar aos tetos divulgados. 

O prazo inicial para a apresentação das NDCs era 10 de fevereiro. Porém, em visita ao Brasil na semana anterior, o secretário-executivo da UNFCCC, Simon Stiell, afirmou que, se os países precisam de mais prazo para trazerem documentos mais ambiciosos, que o façam. O Japão não atendeu ao apelo. Pelo cálculo do Climate Action Tracker, para estar alinhado ao objetivo de limitar o aquecimento global em 1,5°C, o país precisa reduzir em 81% as emissões em relação a 2013. O limite para que as novas NDCs sejam consideradas no relatório síntese a ser apresentado antes da COP30 em Belém é a submissão até setembro.

MONITOR DE DESASTRES

O Monitor de Desastres captou 15 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos extremos, que atingiram 52 municípios

Apesar das Chuvas Intensas e das Inundações registradas nesta semana, em diversas regiões do país, a Estiagem ainda predomina. As regiões Sul e Nordeste são as mais afetadas pela falta de chuva, com episódios pontuais de Seca também na Região Nordeste.

Para consultas detalhadas, visite nosso Monitor de Desastres.

Nota explicativa: os dados registrados no Monitor de Desastres referem-se única e exclusivamente às situações de emergência ou calamidade pública reconhecidos oficialmente pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil/MDIC nesta semana. Eventualmente, é possível que desastres ocorridos na mesma semana não sejam contabilizados, dado que o reconhecimento do governo federal leva alguns dias para ser publicado.

TALANOA NA MÍDIA

 

O GloboEm artigo para o jornal O Globo, a presidente da Talanoa, Natalie Unterstell, defende a agenda da Adaptação como prioridade para a agenda política global em 2025 e desmistifica a falsa dicotomia entre “mitigar” e “adaptar”.  Evento em Brasília, na próxima semana, discutirá diplomacia da adaptação e financiamento, reunindo especialistas e tomadores de decisão de todo o mundo.
Climate TrackerMarta Salomon, especialista sênior do Instituto Talanoa, comentou sobre a estratégia de articulação de políticas de incentivos econômicos para redução do desmatamento.

Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO

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