O que falta definir para “descer pra BC” (Belém City)?

(O conteúdo que você vai ler a seguir é feito totalmente por humanos, e para humanos)

Se uma palavra pudesse sintetizar a primeira semana de 2025 para a política climática, seria: incerteza. Isso porque ela vai terminando com interrogações que já nos afligem desde 2024:

  • Quem será o presidente da COP-30 no Brasil, apesar de não faltarem postulantes à posição? 
  • Oficialmente, a UNFCCC confirmou explicitamente Belém do Pará como cidade-sede da COP? Sim, os anúncios políticos dos governos federal e estadual não bastam: a ONU precisa colocar o preto no branco. Oficialmente. 
  • Os países corresponderão em suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) à ambição necessária para mantermos ao alcance o objetivo de limitar o aquecimento global em 1,5ºC em relação à era pré-industrial? Até agora, faltando menos de três meses para o fim do prazo regulamentar pelo Acordo de Paris, apenas 3 dos 197 países signatários da convenção submeteram oficialmente o documento que afirma seus compromissos climáticos mais importantes, incluindo as metas de redução de emissões para os próximos dez anos.


Na falta de confirmações essenciais como essas, todo o restante segue indefinido. Por exemplo, da escolha da presidência brasileira na COP dependem outras indicações de alto calibre, como a de chefe de negociação e a de
climate champion (ou champions, já que o plural é permitido e poderia ajudar a “fatiar” o enorme desafio de articulações para debates que influenciem os rumos da Conferência). São reações em cadeia represadas pela falta de ignição. Apesar de urgente, não se pode desconsiderar que o atraso na escolha da presidência da COP deva ter sido influenciado pelo problema de saúde enfrentado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em dezembro, que o levou a internações e cirurgias na cabeça. Como Lula já voltou ao batente, é esperado que a decisão saia nos próximos dias.

Muito embora os investimentos públicos e privados em Belém assim como a busca por acomodações já estejam fervilhando e os preços de hospedagem estejam nas alturas, a ausência do carimbo da Convenção, com calendário e outras resoluções, deixa sempre no ar conjecturas sobre a sede da COP-30. Que urgentemente a ONU bata o martelo e ratifique o necessário: a COP será em Belém, na Amazônia. E que reste somente a questão castanheira: COP do Pará ou da Amazônia? 

O clima de incerteza transcende o “universo COP” e alcança o plano internacional. O ano não começa convidativo ao bom andamento das negociações pelo clima, e são vários os motivos. Enquanto Donald Trump vai se aquecendo à beira do gramado para entrar novamente em campo – da Casa Branca, na Europa persistem os efeitos da guerra Rússia-Ucrânia (com direito a desabastecimento de gás russo ao continente), os arroubos da extrema-direita e até uma preocupação de líderes europeus com o próprio Trump, após a revelação de que haveria um plano trumpista para ingerir sobre a Groenlândia, o que chegou a fazer a pacífica Dinamarca mostrar os dentes. E pensar que Trump ainda nem sentou na cadeira… 

No meio disso tudo está o Brasil, que, para além dos deveres de casa, terá que, como presidente da próxima COP, persuadir os países do Norte a aumentar a ambição climática. E concertar com os do Sul, como atual presidente dos BRICS e pólo de influência na América do Sul e na Panamazônia. Aliás, lembram da Cúpula da Amazônia, em 2023? Qual o plano do Brasil para reacender a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) e ter uma agenda clara com os vizinhos regionais, dentre os quais a Venezuela, onde Nicolás Maduro tomou posse pela terceira vez nesta semana após o questionado resultado eleitoral em 2024 e estremece relações diplomáticas com os vizinhos? Enfim, situações que parecem ter subido no telhado e cujos nós o Brasil precisará de muita energia dedicada se quiser realmente desatá-los.

Como tudo que é ruim sempre pode piorar um tanto mais, o dono da Meta, Mark Zuckerberg, anunciou que “joga junto” com o “homem laranja” e desativará os serviços de checagem de fatos em suas redes sociais. Péssimo sinal para a política climática, que pode ser desacreditada com novas escaladas de mentiras, meias-verdades e uma capacidade inimaginável de criação de realidades paralelas que não jogam a favor do clima.

A decisão da Meta é um dos pontos de maior atenção da semana e não pode ser lida apenas como um movimento mercadológico, guiado por uma competitividade com redes como o “X” e o “TikTok”. Precisa ser analisada dos pontos de vista político, jurídico e institucional: há uma clara mensagem de desafio à soberania de Estados Nacionais, na busca pela não-regulamentação e pelo “jogo solto” que favorece o uso desenfreado das redes, em detrimento do compromisso com causas coletivas que precisam da verdade como bússola, a exemplo da pauta climática. A frenagem das emissões de carbono depende necessariamente de uma sociedade com regulações claras e estímulos (tanto positivos, quanto repressivos) para enquadramento de pessoas naturais, governos e empresas a essas regulações. 

Voltando ao plano interno, os ventos da já anunciada reforma ministerial começam a bater. A primeira troca ocorre na Comunicação do governo (SECOM), indicando que Lula começa a se preparar para as Eleições de 2026. À frente da pasta, alguém que trabalhou diretamente na campanha das últimas presidenciais, assim como nas campanhas de Jaques Wagner e Rui Costa para o governo baiano, no passado. Um sinal bastante forte de que o governo – que não se saiu exatamente bem em criar bases locais fortes nas últimas eleições municipais Brasil afora – já encara 2025 com espírito de campanha.

Considerando que metade do mandato já aparece, agora, no espelho retrovisor, as incertezas também ficam por conta de uma série de entregas prometidas e ainda não realizadas. A lista é vasta e exemplos como o Plano Nacional de Desenvolvimento da Bioeconomia (PNDBio) e o Plano Nacional de Transição Energética (Plante) – que já deveriam estar em fase avançada de elaboração, ou já prontos – bem como a persistência da lei do marco temporal para demarcação de terras indígenas – uma “zona de embate” entre os Poderes Legislativo e Judiciário, cuja tentativa de conciliação já está em prorrogação, já que no tempo normal a “partida” ficou em “0x0” – ilustram bem o porquê a palavra incerteza é a escolhida para começar o ano.

A primeira semana do ano não fez nem questão de esconder: teremos mesmo um 2025 desafiador.

TÁ LÁ NO GRÁFICO

2024 foi o ano mais quente já registrado. O primeiro Tá Lá no Gráfico de 2025 mostra a tendência de elevação das temperaturas médias no Brasil e no mundo nas últimas décadas e como, em algumas regiões do país, as máximas ultrapassaram os 43°C. O calor foi intensificado nos últimos dois anos pelo El Niño – caracterizado pelo aquecimento das águas do Pacífico Equatorial. Agora, neste ano, estamos em La Niña, com resfriamento das águas na mesma região. O Tá Lá no Gráfico mostra quais devem ser as consequências do fenômeno – natural, mas cujos efeitos tendem a se intensificar com o aquecimento global – para o Brasil.

FRASE DA SEMANA

Não existe mais temporada de incêndios. É ano de incêndio, o ano inteiro.
Gavin Newsom, governador da Califórnia, ao referir-se ao pior incêndio da história do estado, num contexto de secas extremas e prolongadas decorrente das mudanças climáticas. Foto: Reprodução/CNN

ABC DO CLIMA

La Niña e El Niño 

Os fenômenos climáticos conhecidos como El Niño e La Niña são naturais e ocorrem periodicamente com intervalos que variam de dois a sete anos. Esses eventos provocam mudanças significativas na temperatura das águas do Oceano Pacífico, especialmente na região equatorial. Enquanto La Niña causa um resfriamento dessas águas, El Niño provoca o efeito oposto, aquecendo-as. Embora não sejam diretamente causados pelas mudanças climáticas, os impactos desses fenômenos podem ser intensificados por eventos extremos associados ao aumento global das temperaturas. As mudanças da temperatura do Pacifico Equatorial (para mais de 0,5°C acima da média no caso de El Niño e para menos de 0,5°C abaixo da média no caso de La Niña) alteram a pressão atmosférica e, assim, a circulação dos ventos numa grande área global, provocando chuva e temperatura anormais em muitas regiões do planeta. Esses dois fenômenos são apontados na Estratégia Nacional de Adaptação do Plano Clima (colocada em consulta pública no fim de 2024) como característicos do clima no território brasileiro. Inicialmente previsto para 2024, um novo ciclo do fenômeno La Niña começou efetivamente em janeiro de 2025, o que significar um ciclo de mais chuvas no Norte e Nordeste e seca no Sul do Brasil.

MONITOR DE ATOS PÚBLICOS

O Monitor de Atos Públicos captou 10 atos relevantes para a política climática nesta semana. Não houve predominância entre os temas, que cobriram Terras e Territórios, com 3 atos, seguida por Finanças, com 2 atos, em função da decisão da SUDECO (Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste) de alinhar seus investimentos ao Plano de Transformação Ecológica do Brasil (ver tópico mais adiante). A classe mais frequente foi Planejamento, com 5 normas, seguida de Regulação, com 3 normas.

Primeira lei pró-clima de 2025 já está na praça 

Foi sancionada nesta semana uma Lei que altera a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS, de 2010) para vedar a importação de resíduos sólidos ao Brasil.

Como toda regra, há excepcionalidades, e elas estão relacionadas a casos em que os resíduos sejam essenciais à transformação de materiais para o desenvolvimento industrial nacional, à logística reversa e à exploração e ao (re)uso de minerais estratégicos. A lei pode ser considerada uma medida pró-clima porque agrega racionalidade a um setor (chamado “resíduos”) que atualmente é responsável por cerca de 4% de todas as emissões brasileiras, com tendência de aumento na medida em que o país cresce economicamente (SEEG).

Centro-Oeste se aproxima da Transformação Ecológica

Nesta semana, o Conselho Deliberativo da Superintendência de Desenvolvimento da Região Centro-Oeste (SUDECO) trouxe a público uma resolução que determina novas diretrizes e prioridades para aplicação de recursos do Fundo Constitucional do Centro-Oeste (FCO) para 2025. Projetos que estejam alinhados ao Plano de Transformação Ecológica (PTE) e/ou a missões do Plano Nova Indústria Brasil (NIB) passam a ter prioridade imediata para a carteira de investimentos do Fundo, o que por sua vez representa redução dos riscos de dinheiro público indo na contramão da descarbonização. Ainda na mesma leva, outra decisão da SUDECO veda investimentos públicos para infraestrutura em áreas de risco, ou que “deixem de minimizar devidamente os impactos ambientais” ou que, ainda, tenham dirigentes condenados por crimes contra o meio ambiente.

Em 2024, a Política por Inteiro já havia detectado movimentos interessantes por parte da SUDECO, como investimentos em usinas de energia solar, afins a PTE e NIB, enquanto a SUDAM, na Amazônia, no mesmo período, aprovava investimento em termelétricas movidas a combustível fóssil.

BRASIL

O futuro do que deveria ser presente: os cenários da Transição Energética 

O Ministério de Minas e Energia (MME) e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) lançaram, nesta semana, o primeiro caderno do Plano Nacional de Energia (PNE) 2055. O estudo traz as principais tendências e incertezas para o futuro energético do Brasil e será insumo para o Plano Nacional de Transição Energética (Plante).

No caderno, cinco cenários exploram diferentes futuros para a descarbonização no país:

1. Transição para todos
Bem-sucedida, ancorada em uma governança multilateral fortalecida e equilibrada.

2. Transição para quem?
Parcialmente sucedida, com priorização desigual de setores e grupos.

3. Transição desperdiçada
Cenário de oportunidades perdidas e retrocessos.


4. Transição para quê?
Governança fraca limita e lentifica o progresso.



5. Transição bloqueada
Obstáculos e aumento da oferta de combustíveis fósseis impedem a descarbonização.

MUNDO

Biden x Trump: O caso do óleo offshore 

O presidente dos Estados Unidos de saída, Joe Biden, anunciou a vedação de novas perfurações de petróleo offshore (expressão para algo situado distante dos limites de terra) em aproximadamente 253 milhões de hectares nas costas pacífica e atlântica. A proibição impede que as petroleiras arrendem áreas da plataforma continental para a exploração de hidrocarbonetos, protegendo, assim, comunidades costeiras e toda a economia a elas associada.

A Ordem Executiva de Biden, instrumento com força similar à Medida Provisória no Brasil, encontra respaldo na Lei de Terras da Plataforma Continental Exterior, de 1953, cujo texto permite que presidentes retirem águas federais de contratos de arrendamento para óleo e gás. A reversão da Ordem Executiva, entretanto, é dificultada: a Lei não permite, explicitamente, que outros presidentes revoguem as decisões anteriores. Isto é, uma vez que Donald Trump assuma a Presidência, ele necessitará que o Congresso Nacional altere a Lei para que, então, ele possa revogá-la.

Especialistas em energia atestam que o banimento não implica perda de segurança energética para os Estados Unidos. Há inúmeras outras perfurações existentes pelo Golfo do México que garantem oferta estável para exportação e importação estadunidense de petróleo. 

Trump se comprometeu a revogar a medida. Biden sabe disso, mas o movimento é importante porque pode ter significado “ganho de tempo” para atrapalhar os intentos de Trump. Em se tratando de um governo de orientação desregulamentadora, cada segundo importa. Os republicanos têm maioria na Suprema Corte, a qual pode decidir interpretar a Lei permitindo que o futuro presidente coloque as águas federais à disposição das petroleiras. Depois do desastroso vazamento de petróleo no Golfo do México em 2010, dada a desnecessidade de novas áreas de exploração de petróleo e vista a recomendação da Agência Internacional de Energia de reduzir a demanda de petróleo em 5% anualmente para manter o clima global dentro do aquecimento a 1,5ºC, será que vale a pena arriscar a estabilidade atmosférica pelos ganhos de alguns?

“O incêndio florestal mais destrutivo da história de Los Angeles”

Foi com essa manchete que a CNN noticiou, nesta semana, um incêndio florestal de grandes proporções no estado da Califórnia, na costa oeste dos EUA. Até o fechamento deste Boletim, as informações dão conta de que 150 mil pessoas tiveram de deixar suas casas e há cerca de 1,5 milhão de outras residências sem energia elétrica em toda a região. Ao menos dez pessoas morreram.

O presidente-eleito, Donald Trump, talvez agindo pela conveniência de chegar com menor pressão à Casa Branca no próximo dia 20 de janeiro, reconheceu que os incêndios florestais são “uma verdadeira tragédia”, mas disse que o governo estadual “não tem feito um bom trabalho” e que não tem sequer água suficiente para combater as chamas.

Talvez o problema esteja muito mais na disponibilidade de recursos naturais diretamente impactada pela mudança do clima do que no governo estadual, né Trump? 

O governador Gavin Newsom respondeu a Trump, expressando ser inacreditável que enquanto Trump “politiza tamanha tragédia”, ele estava com Joe Biden “oferecendo todo suporte possível a cada comunidade afetada”.

Cientistas buscam explicações para diferentes focos de incêndio estarem se alastrando em janeiro, inverno no Hemisfério Norte. Alguns fatores são relacionados ao aquecimento global, outros, não. Mas o governador Newsom sintetizou o tamanho da crise e a urgência de entender que o cenário requer adaptação: “não há mais temporadas de incêndios. É o ano todo no estado da Califórnia”.

Agora vejamos: os incêndios ocorrem em um estado rico, moderno, tradicionalmente inovador em ciência e tecnologia, preparado em termos infraestruturais e com uma curva de aprendizagem bem trilhada sobre desastres, justamente pelo histórico de incêndios florestais e até de movimentos sísmicos na região. Não é difícil imaginar o quanto eventos extremos como esse podem trazer consequências ainda piores quando ocorrem no Sul Global, em países que estão muito longe de contar com o mesmo repertório californiano. Por tudo isso, insistimos: mitigar e adaptar (além de financiar, é claro) são verbos a serem conjugados urgentemente por todos os países.

MONITOR DE DESASTRES

O Monitor de Desastres captou 5 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos extremos, que atingiram 13 municípios. Por enquanto, segue um padrão observado em 2024, de eventos relacionados à baixa pluviosidade ao norte do país e mais chuvas ao sul. Mas a confirmação de que o Pacífico Equatorial está em modo La Niña, é possível que esse quadro vá se invertendo ao longo dos próximos meses.

Nota explicativa: os dados registrados no Monitor de Desastres referem-se única e exclusivamente às situações de emergência ou calamidade pública reconhecidos oficialmente pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil/MDIC nesta semana. Eventualmente, é possível que desastres ocorridos na mesma semana não sejam contabilizados, dado que o reconhecimento do governo federal leva alguns dias para ser publicado.

TALANOA NA MÍDIA

MoozNEWS O programa Mesa para 6 entrevista Wendell Andrade, analista de políticas públicas para a Amazônia do Instituto Talanoa, sobre o que esperar para a COP-30.

Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO

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