Agora é pra valer: com o melancólico término da COP 29, a contagem regressiva de 1 ano daqui até a COP 30 começou. Se antes já era grande a expectativa com relação à COP de Belém, com o término das negociações em Baku – e as decisões que delas emergiram – a passagem de bastão da Presidência da COP do Clima para as mãos brasileiras fez o desafio aumentar de tamanho.
O mundo todo espera muito do Brasil. Não só porque a Conferência voltará a ser realizada em um país democrático, nem tampouco porque Belém é uma cidade-símbolo da Amazônia brasileira; mas, sobretudo, pela emergência climática que ocupa cada vez mais lugar à mesa – e em nossas vidas. Em discurso no G20 no Rio de Janeiro, durante a COP 29, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já mostrou a intenção de priorizar discussões sobre financiamento e justiça climática, bem como de consolidar a missão global para limitar o aquecimento a 1,5°C. Será a COP do Brasil o marco de virada na história das COPs?
Ainda não temos como responder a esta pergunta. Porém, o sucesso (ou o fracasso) em Belém dependerá do grau de articulação e da capacidade dos líderes globais em superar visões de mundo incompatíveis com a nova ordem climática; da habilidade para deixar de fora das mesas de negociações interesses pessoais e de setores econômicos que financiam o jogo político. Assim, poderão garantir que transição energética e financiamento climático sejam levados a sério, com a velocidade necessária para evitar uma era de colapsos.
É fundamental que a governança climática seja prioridade, tanto internamente quanto no âmbito global multilateral. Como presidente da COP, o governo brasileiro deve enxergar com clareza como ajustar uma curva de progresso para o Acordo de Paris, estruturando uma conferência que olhe para além de 2025.
Se o nosso país quer ser uma liderança climática, há que se preocupar mais com os sinais que está emitindo. Precisamos de mais ação e ousadia em todos os aspectos da economia de baixo carbono. Quando teremos um compromisso explícito sobre a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis? Quando teremos, na prática, a reinvenção do que o país entende ser infraestrutura viável? Quando o sistema federativo nacional reunirá meios de implementação mínimos para que governos locais revejam o planejamento de nossas cidades diante de eventos climáticos cada vez mais extremos em intensidade e frequência? Quando iremos rever as grades curriculares dos ensinos básico ao superior, adaptando-as ao contexto de emergência climática que direcionará a vida de todos nós?
A COP 30 não é uma oportunidade apenas para o Brasil repensar a Amazônia, mas para colocar em marcha algo bem mais estrutural e por isso mesmo profundo: um modelo de desenvolvimento nacional efetivamente centrado em produzir, incluindo, crescer protegendo, fortalecer-se adaptando-se.
Uma das trilhas que estão sendo traçadas pela diplomacia brasileira para o próximo ano é buscar uma sinergia maior entre as três Convenções do Rio: do Clima, da Biodiversidade e do Combate à Desertificação (UNFCCC, CBD e UNCCD, respectivamente, nas siglas em inglês), por meio do tema das florestas. Uma convergência positiva e necessária. Pode ser um dos caminhos para responder a afirmações sobre o esgotamento da estrutura jurídica, diplomática e negocial das COPs, que não parece mais dar conta de encaminhar resultados concretos e em linha com a velocidade requerida pelo contexto de emergência. O Brasil também terá que levar em conta esse movimento de “reinvenção” da diplomacia internacional.
Neste modelo atual, depois de Cali (COP da Diversidade) e Baku (COP do Clima), ainda temos neste ano a COP da Desertificação, que se inicia na próxima semana, dia 6, em Riad, na Arábia Saudita (mais na seção MUNDO). E ainda haverá uma COP-bis em 25 a 27 de fevereiro para tentar fechar as discussões que ficaram em aberto na COP 16 de Cali, onde não se chegou a um acordo sobre financiamento para biodiversidade.
No caso da Conferência do Clima, a possibilidade de uma COP-bis também chegou a rondar Baku, mas o acordo (bem longe do ideal) foi possível. Tão logo o martelo foi batido, passamos a “viver” a COP 30. A oportunidade se mostra tão grande quanto o desafio imposto.
TÁ LÁ NO GRÁFICO
Após quase uma década, finalmente, os países chegaram a um consenso a respeito de discussões em torno do Artigo 6 do Acordo de Paris. Nesta semana, o Tá Lá no Gráfico explica como as decisões que ocorreram na COP 29, em Baku, impactam a operacionalização do mercado global de carbono. A presidência azerbaijana da Conferência atuou com bastante ênfase para que resultados no tema fossem alcançados logo no início das conversas. Assim, o aumento da transparência e da responsabilidade foi sacrificado sob a urgência de uma aprovação. Entenda os avanços e as críticas:
FRASE DA SEMANA
“Eu quero que o agronegócio brasileiro continue inovando em tecnologia e crescendo e causando raiva aos deputados franceses que se irritam com isso.“
Presidente Lula, após a polêmica envolvendo as relações comerciais entre Brasil e França, em pronunciamento no dia 27 de novembro. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil.
ABC DO CLIMA
Desertificação – Processo de degradação do solo causada pela perda de umidade que ocorre essencialmente nas zonas áridas, semiáridas e subúmidas secas. As principais causas da desertificação são as atividades antrópicas, como as práticas agropecuárias, podendo ser intensificadas por eventos climáticos extremos. No Brasil ocorre na região Nordeste e Centro-Oeste, impactando principalmente o bioma Caatinga, mas também o Cerrado. Além da descaracterização do bioma, o processo de desertificação agrava a pobreza e a insegurança alimentar.
MONITOR DE ATOS PÚBLICOS
O Monitor de Atos Públicos captou 13 atos relevantes para a política climática nesta semana. A classe mais frequente foi Resposta, com 6 normas, incluindo os repasses financeiros emergenciais do Ministério da Saúde para enfrentamento de queimadas, secas e crises climáticas no Brasil e as Medidas Provisórias de liberação de recursos ao estado Rio Grande do Sul e de combate e prevenção aos incêndios florestais.
O tema mais recorrente da semana foi Terras e Territórios, com 6 atos. Incluindo a criação dos programas Terra Cidadã, no Incra/MDA e do Periferia Viva. Além das novas políticas públicas, o tema incluiu as destinações de terras públicas federais para o MMA, Icmbio, Serviço Florestal Brasileiro e Incra para fins de criação e ampliação de unidades de conservação, de regularização do uso e da ocupação de povos e comunidades tradicionais.
Brasil, 500 atos depois
Nesta semana, o Brasil chegou à marca de 500 atos normativos relevantes para política climática em 2024. A efeito de comparação, 2023 havia contabilizado 438 normas relevantes para clima. Isto é, um salto de 15% na produção normativa para clima, no Brasil. A produção normativa em 2024 foi mais intensa que em 2023 em todas as principais classes de normas:
- Atos de Planejamento saltaram de 103, em 2023, para 138, até agora;
- Atos de Regulação, de 153 para 180;
- Atos de Resposta, de 86 para 95.
Qualitativamente, os atos têm demonstrado que o governo incorpora lições aprendidas no passado e busca trazer novos elementos que dialoguem com oportunidades e desafios da atual conjuntura, como é o caso de novas formas de financiamento climático (ex. Ecoinvest), estímulos à reconfiguração industrial e atração do setor privado (NIB, Mover), adaptação de cidades (Estratégia Nacional e Programa Cidades Verdes Resilientes), entre outros temas que se impõem na nova realidade climática do planeta.
A Política por Inteiro alerta que o ritmo de estruturação em certos temas precisará acelerar o passo. A 2ª metade dos ciclos de governo, no Brasil, costuma ser mais rápida que a 1ª. Afinal, é tarde, mas ainda temos tempo.
Periferia Viva
A fim de reduzir desigualdades socioterritoriais em territórios periféricos, foi lançado, via decreto, o novo programa do governo federal: o Periferia Viva. O Programa promove uma importante interseção entre a redução de desigualdades em territórios periféricos e as mudanças climáticas, ao definir como um de seus objetivos de “reduzir riscos de desastres e promover a adaptação dos territórios periféricos às mudanças climáticas”. Medidas de adaptação climática efetivas devem conter esse olhar territorial para as vulnerabilidades e riscos das periferias das cidades brasileiras, promovendo infraestruturas inteligentes e baseando-se no fortalecimento do tecido comunitário para garantir uma implementação de medidas de adaptação adequadas, que previna novos processos de transferência de vulnerabilidades. Esperamos que o programa possa ser implementado com robustez orçamentária e com um arranjo de governança que favoreça a participação social de lideranças e atores dos próprios territórios periféricos, seguindo o princípio de Adaptação Liderada a Nível Local.
Destinação de Terras Públicas
Nesta semana, a Câmara Técnica de Destinação e Regularização Fundiária de Terras Públicas Federais Rurais, aprovou a destinação de mais de um milhão de hectares (1.287.465,15 ha) para diversos fins. No âmbito do Incra, as terras federais foram para criação de assentamentos e regularização fundiária, as destinadas ao Icmbio são para ampliação e criação de novas Unidades de Conservação. Foram destinadas ainda áreas para concessão florestal, tanto para o Serviço Florestal Brasileiro quanto para o MMA. Para o ordenamento fundiário de povos e comunidades tradicionais em áreas de florestas públicas foram cedidas 18 áreas remanescentes de glebas federais, aos cuidados do MMA juntamente com o MDA.
O avanço na destinação de florestas públicas é uma questão histórica, incluída como meta no PPCDAm, que prevê 29,5 milhões de hectares de florestas públicas federais destinados até 2027. Além de garantir direitos fundiários, a destinação tem um impacto muito positivo no controle do desmatamento, na manutenção do estoque de carbono e na mitigação dos GEE.
Terra Cidadã
Na esteira das iniciativas de regulação fundiária, foi criado em portaria conjunta entre Incra e MDA, o programa Terra Cidadã. O objetivo é ampliar a capacidade operacional das políticas públicas de reforma agrária e de governança fundiária já em implementação, funcionando como um serviço de apoio ao Plano Nacional de Reforma Agrária. Entre as diretrizes está a priorização do atendimento aos povos e comunidades tradicionais, comunidades quilombolas e das famílias em situação de vulnerabilidade territorial e social.
BRASIL
PL das Eólicas
O projeto de lei que institui o Marco Legal das Eólicas Offshore (PL 576/2021), já aprovado na Câmara, teve sua discussão no Senado adiada, na última terça-feira, dia 26. O texto que originalmente era de regulamentação dos critérios de operação das plantas de energia eólica no mar, agora inclui jabutis vindos da Câmara, que incentivam a expansão das termelétricas a carvão e a gás natural. Se aprovado nos termos em que se encontra, o PL permitirá que o setor energético aumente em 60% as suas emissões de gases de efeito estufa. Uma bomba climática.
Além de elementos estranhos ao tema e que vão na contramão da descarbonização, o PL vem sendo questionado sobre as condições de salvaguardas socioambientais, como a falta de consulta livre, prévia e informada, nos termos da Convenção nº 169 da OIT, às comunidades pesqueiras diretamente impactadas pela instalação das usinas eólicas offshore. Outro ponto de debate é a dispensa do Planejamento Espacial Marinho (PEM) como requisito obrigatório no processo de licenciamento. O texto deve voltar a ser debatido na próxima semana, com relatoria do senador Weverton Rocha (PDT/MA).
MUNDO
COP 16 da Desertificação vem aí
Sim, mais uma COP neste ano. A sede? Um dos maiores exportadores de petróleo do mundo. Do dia 3 ao 12 de dezembro, ocorrerá em Riad, capital da Arábia Saudita, a COP 16 da Convenção da ONU para o Combate à Desertificação (UNCCD), com o lema “Nossa Terra, nosso futuro”. Algumas edições atrás da nossa série “Tá Lá no Gráfico”, explicamos que a Cúpula da Terra, ocorrida no Rio de Janeiro em 1992, definiu a criação de 3 Convenções paralelas e interdependentes: clima, biodiversidade e desertificação. A COP 16 coincide com o aniversário de 30 anos da UNCCD e representa um momento decisivo para aumentar a ambição de ações voltadas para a resiliência dos ecossistemas terrestres e o enfrentamento da seca. Espera-se que haja avanços na meta de alcançar a neutralidade da degradação da terra até 2030. Além disso, há expectativas para a avaliação do Plano Estratégico adotado de 2018 até 2030.
México mais próximo do Net Zero
Na COP 29, a delegação mexicana destacou o compromisso nacional do país em alcançar emissões líquidas até 2050. Enrique Ochoa, Subsecretário de Assuntos Multilaterais e Direitos Humanos do México, afirmou que o Plano Nacional de Energia do país busca aumentar as fontes de energia limpa para mais de 40% da geração de eletricidade até 2030. O México destacou, ainda, a equidade intergeracional como elemento essencial da justiça climática e a importância de mobilizar recursos para estratégias de mitigação.
A promessa de neutralidade líquida, entretanto, não se materializou em quaisquer atualizações formais da NDC mexicana, sendo categorizada como uma “promessa vaga aos reis magos de Belém”, pela sociedade civil mexicana, fazendo uma clara alusão anedótica à presidência brasileira da COP 30.
O Instituto Talanoa analisou as promessas de campanha da Presidente Claudia Sheinbaum e seus paradigmas basilares. Veja no nosso blog.
Trump deve taxar o México
Nos Estados Unidos, o recém-eleito presidente Donald Trump anunciou que taxará todos os produtos oriundos do México em 25%. O problema é que o México é o maior exportador para os EUA, principalmente de produtos eletrônicos, e a esperada queda no comércio trará pressões orçamentárias ao Estado mexicano – que contará com menos recursos financeiros para financiar sua transição energética. Outra vez, o financiamento climático é o nó górdio.
Tratado Global sobre Plástico sob pressão
Mais de 200 lobistas da indústria dos combustíveis fósseis estão em Busan, na Coreia do Sul, participando da INC-5, a Quinta Sessão do Comitê Intergovernamental de Negociação para definir o Tratado Global sobre Plásticos. Eles fazem parte até das delegações oficiais de alguns países, que deveriam estar preocupados com o objetivo real do encontro: traçar planos para reduzir o uso do plástico no mundo. O encontro é uma iniciativa do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), segue até domingo (1º) e deve produzir um instrumento que será legalmente vinculante e incorrerá em Planos Nacionais de Redução da Poluição Plástica. Fizemos um post em nosso blog explicando melhor. Acesse aqui.
Último encontro multilateral importante do ano: Cúpula do Mercosul
A Cúpula de líderes do Mercosul acontece no Uruguai entre os dias 5 e 6 de dezembro. A principal expectativa é que sejam anunciados avanços nas longas negociações de 20 anos sobre o acordo União Europeia-Mercosul, um tratado comercial com o objetivo de facilitar as trocas com a redução de tarifas e barreiras comerciais, ao mesmo tempo em que promove cooperações em direitos humanos e combate ao desmatamento.
Os entraves relacionados às agendas de clima e meio ambiente giram em torno do impacto do desmatamento, especialmente na Amazônia e do apontamento por parte dos europeus da falta de compromissos climáticos claros alinhados ao Acordo de Paris por parte do bloco sulamericano. Existe um especial desconforto dos agricultores europeus com a possibilidade de o acordo significar uma concorrência desleal. Por outro lado, países do Mercosul consideram alguns adendos de sustentabilidade propostos pelo bloco do velho continente como excessivos e mesmo uma desculpa para evitar que o acordo seja fechado por pressão dos agricultores, em especial dos franceses. Também há críticas ao uso de agrotóxicos proibidos na UE e ausência de mecanismos efetivos para monitoramentos das garantias ambientais. O governo brasleiro está otimista e acredita que o acordo pode ser fechado no primeiro trimestre de 2025.
“Bis!” da COP16 de Biodiversidade
A Conferência da ONU sobre Biodiversidade, suspensa em novembro de 2024 em Cali, será retomada de 25 a 27 de fevereiro de 2025, em Roma, na sede da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). A ideia é pautar assuntos relacionados aos meios de implementação, em especial financiamento, do Marco Global de Biodiversidade Kunming-Montreal. O movimento de uma COP-bis também sinaliza esforços para fortalecer a governança e garantir avanços substanciais em um momento de dúvidas sobre o funcionamento dos processos multilaterais.
MONITOR DE DESASTRES
O Monitor de Desastres captou 7 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos extremos, que atingiram 41 municípios. Nesta semana a Estiagem e a Seca foram, novamente, as ocorrências mais frequentes, concentradas na Região Nordeste e no estado de Minas Gerais. As chuvas intensas, incluindo episódios de granizo e vendaval foram registradas no Sul e no Sudeste do Brasil.
Nota explicativa: os dados registrados no Monitor de Desastres referem-se única e exclusivamente às situações de emergência ou calamidade pública reconhecidos oficialmente pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil/MDIC nesta semana. Eventualmente, é possível que desastres ocorridos na mesma semana não sejam contabilizados, dado que o reconhecimento do governo federal leva alguns dias para ser publicado.
TALANOA NA MÍDIA
Exame.com | Reportagem sobre resultado da COP29, com citação da opinião do Instituto Talanoa. |
Folha de S. Paulo | Artigo de Opinião de Natalie Unterstell sobre COP29 publicado com destaque no jornal. |
Estadão | Reportagem sobre a aprovação do PL do mercado de carbono, com entrevista de Natalie Unterstell. |
Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO