Os Estados Unidos Mexicanos empossaram oficialmente, nesta terça-feira (1), sua nova presidente, Claudia Sheinbaum. “É presidenta, com A no final”, disse em seu discurso, a primeira mulher a presidir o país. Mas, para além de inovar quanto ao perfil de gênero da ocupação máxima do Palácio Nacional, o país logrou dupla agremiação: terá, em adendo, a primeira cientista climática conduzindo um Governo Federal na história.
Física e engenheira energética, Sheinbaum possui extenso currículo no que tange às capacitações acadêmicas em questões climáticas e em desenvolvimento sustentável, de maneira mais ampla. Com 62 anos, a nova presidente mexicana não se dedicou apenas aos estudos e ao avanço das ciências climáticas. Desde 2000, possui cargos governamentais nos vários níveis federativos da governança no país da América Latina.
Vencedora do pleito federal pela coalizão partidária que abarca o Movimento de Regeneração Nacional (MORENA), o Partido del Trabajo e o Partido Verde Ecologista de México, Sheinbaum terá o desafio de implementar, na prática, questões que ela conhece e defende muito bem na teoria. Há quem duvide disso, uma vez que Andrés Manuel López Obrador (AMLO), ex-presidente do México, criador do MORENA tem grande influência sobre a nova presidente e foi um dos principais apoiadores de Sheinbaum durante a campanha eleitoral.
Ainda, as organizações da sociedade civil climática mexicana possuem posicionamento crítico contra AMLO. Há alegações variadas de falta de implementação de ações climáticas, principalmente os projetos de energia renovável aprovados pelo ex-presidente Enrique Peña Nieto (2012-1018) e que nunca saíram do papel; de inexistência de visão estratégica quanto à possibilidade de redução nas tarifas elétricas com a diminuição da dependência do petróleo; e pela expansão da indústria petrolífera no país sob a argumentação de soberania energética.
Sheinbaum se une ao rol de lideranças políticas que visam a se tornar lideranças climáticas, como os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Gustavo Petro, da Colômbia. O título de campeão climático da América Latina está em disputa.
Quem é Claudia Sheinbaum?
No seu currículo há títulos pelo Programa de Estudos Avançados em Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (LEAD-México) do Centro de Estudos Demográficos, Urbanos e Ambientais, bem como pelo Programa de Estudos Avançados em Desenvolvimento Sustentável do El Colegio de México. Além disso, é membro do Sistema Nacional de Pesquisadores e da Academia Mexicana de Ciências. Atuou ainda como assessora da Comissão Nacional para a Conservação de Energia e da Gerência de Estudos Econômicos da Comissão Federal de Eletricidade (CFE).
Entre 2000 e 2006, esteve no Gabinete do Chefe de Governo do Distrito Federal Mexicano (DF), assumindo naquele mesmo interim a Secretaria Distrital de Meio Ambiente. Em maio de 2006, ela foi alçada à equipe de campanha de Andrés Manuel López Obrador como porta-voz.
Em 2018, foi eleita prefeita da Cidade do México, posto que ocupou até meados de junho de 2023. Sendo a responsável pela gestão municipal perante à Crise da COVID-19, a Cidade do México logrou uma das maiores taxas de vacinação em nível internacional, feito que deu à sua gestão o Prêmio “Netexplo Linking Cities 2021″, reconhecido pela Unesco. No tocante à economia, destacou-se o projeto “Vallejo-i”. Conjuntamente ao Prefeito de Azcapotzalco e a iniciativa privada, lançou um projeto para transformar Vallejo em um polo de indústria limpa e de tecnologia avançada. Sob sua liderança, o governo e o setor privado investiram 700 milhões de pesos (aproximadamente R$ 195 milhões) para construir o Centro de Desenvolvimento e Inovação Tecnológica, a estação de transferência de resíduos e uma planta de reciclagem.
Sheinbaum, em 2023, anunciou que renunciaria à prefeitura para concorrer às nomeações partidárias internas ao Governo Federal. Ela lançou, então, a candidatura “Juntos Hacemos História” em um coalizão com o MORENA, o Partido del Trabajo e o Partido Verde Ecologista de México. Com uma campanha focada em problemas sociais urgentes para a população mexicana, foi eleita presidente com o maior número de votos registrados na atual experiência democrática mexicana, angariando vitórias em 31 dos 32 estados que compõem o México.
O MORENA
O MORENA é um partido político mexicano, baseado no nacionalismo de esquerda, na socialdemocracia, e na democracia participativa, criado pelo ex-presidente do México Andrés Manuel López Obrador. Havendo se consolidado como a principal força política daquele país desde 2018, o partido se posiciona abertamente contra as políticas econômicas neoliberais que o México adotou nos anos 1980. Para o MORENA, é preciso um novo modelo econômico, uma vez que, a partir de sua lente analítica, o neoliberalismo no país não logrou endereçar a corrupção e os índices galopantes de desigualdade. Defende, por consequência, o desenvolvimento a partir da iniciativa privada com consciência social, incentivando a ampla concorrência de mercado, porém com o Estado assumindo a responsabilidade nas áreas estratégicas previstas na Constituição.
Algumas vozes da ciência política mexicana categorizam o MORENA antes como uma aliança de diversos movimentos progressistas do que um partido político, ipsis literis. No esteio da análise ideológica, criticam o pragmatismo e a conciliação exacerbada do MORENA frente às necessidades de alterações estruturais na socioeconomia nacional.
No que concerne aos macrodados econômicos, o MORENA foi responsável por reduzir a taxa de pobreza de 43% em 2018 para 35% em 2022, por intermédio de elevação dos salários mínimos acima da inflação; alguma liberdade sindical para pleitos por melhorias coletivas nas condições de trabalho; um crescimento econômico médio anual real de 1%; a implementação de matizes de austeridade seletivos, tidos como aquém do esperado; o aumento das exportações mexicanas; e o controle da taxa de inflação após a COVID-19. Isto é, a análise geral certifica a López Obrador o feito de manter alguma estabilidade macroeconômica enquanto reduziu 10 pontos percentuais na pobreza no país.
MORENA, Sheinbaum e clima
Ao passo que o apoio do lopezobradorismo foi indispensável para o sucesso eleitoral da então candidata, como ficam as relações entre Obrador e Sheinbaum no que abrange as questões climáticas? Emergido como um movimento de Obrador para sua campanha presidencial de 2012, o MORENA contou com a presença de Sheinbaum desde os primórdios. Agora, além de garantir o Poder Executivo Federal por ao menos mais seis anos, Sheinbaum poderá implementar sua agenda para o clima?
O México precisa quadruplicar suas fontes de energias renováveis, crescimento cujo desafio é acompanhado por necessidades de fortalecimentos infraestruturais nas redes de transmissões e de armazenamento de energia. O setor elétrico mexicano é conhecido por sua baixa estabilidade na continuidade das entregas de energia, mesmo sendo, em sua maioria, concedido à iniciativa privada.
O México assumiu o compromisso internacional e legal de reduzir, incondicionalmente, suas emissões de gases de efeito estufa em 35% até 2030 e, caso receba financiamento climático, em até 40%. Não há menção, seja em sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC de 2022) ou em sua Mid-Century Strategy (2016), de quaisquer intenções de se chegar ao net zero em 2050 ou mesmo após. Com uma ambição climática criticamente insuficiente, a segunda maior economia e o segundo maior emissor da América Latina, possui um caminho longo e urgentíssimo a percorrer.
Ponto fraco do Governo López Obrador, e por consequência, do MORENA, a pauta climática precisará de estar de maneira transversal nas decisões políticas da presidente-cientista para que o México possa cumprir com seus compromissos climáticos. Entretanto, o perfil de emissões do país aliado à herança de projetos de desenvolvimento baseados em business as usual de AMLO colocarão Sheinbaum em uma posição desafiadora.
De acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE), as emissões mexicanas advindas de combustíveis fósseis subiram 6% entre 2000 e 2022. Atualmente sendo o 15º maior poluidor global, o setor energético é responsável por 67% das emissões de gases de efeito estufa, sendo 34% advindo do setor de transportes e 33% advindos da geração de energia elétrica e de sistemas de calefação. Aqui se encontra o grande gargalo climático, pela lente da mitigação, da política mexicana: a transição energética. Em números absolutos, 61% da eletricidade mexicana vem do gás natural, 7% do petróleo e 7% do carvão. As fontes renováveis e limpas (nuclear, hidráulica, solar e eólica) somadas são responsáveis por meros 20%, aproximadamente.
Claudia Sheinbaum é contra a privatização da empresa estatal de petróleo mexicano, a PEMEX, contra a abertura do controle da política energética nacional aos atores privados e contra a desregulamentação legal do setor elétrico. Em 2013, combinando um discurso em defesa da indústria nacional aliada às “necessidades de diminuir a exploração do petróleo pelos efeitos das mudanças climáticas”, lançou duras críticas contra os planos de privatização do setor petrolífero.
Durante a campanha, portanto, fez promessas para avançar a transição energética com vistas a reduzir as emissões de gases de efeito estufa; diminuir a dependência mexicana de combustíveis fósseis; desenvolver iniciativas de eletromobilidade em cidades por todo o país; e manifestou-se contra o fraturamento hidráulico (fracking) e a mineração a céu aberto. Entretanto, Sheinbaum “se vendeu” ao povo mexicano como “continuidade” de AMLO, responsável por uma tentativa de rebaixar os compromissos climáticos mexicanos em 2021, e neste mesmo viés alicerçou as alianças políticas que atravessarão seu mandato.
Para o ex-presidente, a atenção discursiva dada às mudanças do clima estavam muito mais centradas na matriz da adaptação do que na de mitigação. Naturalmente, nas promessas de campanha de Sheinbaum não foi tão diferente: o estresse hídrico apareceu como questão de primeira preocupação. Ela foi vocal por uma melhor regulamentação para a Ley General de Águas do País, uma equivalente a nossa Política Nacional de Recursos Hídricos. A proposta é aumentar a regulamentação sobre o recurso, diminuindo a arbitrariedade nas concessões à iniciativa privada pela visão política de que a água é um direito de todos os mexicanos. Há intenção de emendar a Constituição do país nesse sentido.
Ela fez duras críticas ao modelo vigente e acrescentou que, com o aumento do estresse hídrico por causa das mudanças climáticas, há um aumentado risco social e existencial ao país. Desde 2022, os dados de precipitação estão abaixo das médias históricas. Propôs, como intervenção, a elaboração de um Plano Hídrico Nacional, com construção de infraestruturas hídricas de abastecimento e de distribuição mais amplas e que sejam resilientes ao clima, bem como o reflorestamento de mananciais e nascentes de rios críticos, e o aumento da eficiência hídrica em setores produtivos como a agricultura e a indústria.
Suas ideias são muitas, algumas insuficientes, algumas urgentes. Em sistemas presidencialistas, entretanto, sempre há de se averiguar a capacidade de implementação vistas as relações de forças das Casas Legislativas. Aqui, Sheinbaum, está confortável. O MORENA conta com maioria qualificada na Câmara dos Deputados e com maioria absoluta no Senado, o que pode facilitar o rígido percurso de se emendar a Constituição e pode garantir espaço azeitado para que a presidente faça avançar novas legislações de interesse do Governo.
Quem será o campeão climático da América Latina?
Em meio a uma onda de calor, Claudia Sheinbaum tomou posse no Governo Federal do México. A posse dela permite outro viés de cooperação regional entre países interessados na descarbonização, os quais, não ironicamente, são as maiores economias do continente: Brasil, Chile, Colômbia e, agora, México. A Argentina estaria no rol, porém Javier Milei se posiciona abertamente como ‘negacionista climático’ e propõe um modelo de desenvolvimento econômico distinto de Brasília, Santiago, Bogotá e Cidade do México. Sem a parceria argentina, terceira maior economia do subcontinente, a qualificação mercosulina para ações climáticas conjuntas e a coordenação de vozes intrabloco fica dificultada, restando ao Brasil a premência da matéria.
Em que pese a Colômbia e o Brasil possuírem inúmeras semelhanças estruturais, vantagens comparativas e problemas socioeconômicos, tanto Petro como Lula sofrem críticas internas por suas rarefeitas implementações de ambições climáticas enquanto verbalizam intenções de colocarem seus respectivos países como lideranças climáticas globais. O Brasil possui meta de alcançar a neutralidade de todos os gases de efeito estufa até 2050. A Colômbia comprometeu-se com a neutralidade de carbono até o mesmo prazo. O México, não, até agora. Ano que vem há uma oportunidade de Sheinbaum dar um sinal claro ao continente, aos investidores e à comunidade científica: uma NDC alinhada à 1.5ºC e que contemple a neutralidade climática até 2050.
No tabuleiro latinoamericano, tem-se uma nova player, Claudia Sheinbaum. O cenário é otimista: ela possui o conhecimento, o renome, as possibilidades montesquianas e o apoio popular para levar a cabo mudanças urgentes nos rumos do desenvolvimento nacional. Adende-se que quaisquer ações serão bem vistas dada a lacuna climática de seu antecessor. Enquanto ela começa seu gabinete em 2024, Lula e Petro terminam os seus em 2026. Haverá dois anos de intersecção para conjugarem esforços internos e externos com vistas a tornarem a América Latina um caso de sucesso de descarbonização econômica com redução das desigualdades – as duas maiores batalhas da metade do atual século. Por sinal, a COP30 será aqui. Brasília, Bogotá e Cidade do México possuem a janela de oportunidade para fazer história. Todas as variáveis levam a Sheinbaum. Será que ela ingressará como uma campeã no comando da segunda maior economia subcontinental? Pelo bem de todos, e pelo futuro de todas, espera-se que sim.